A Represa João Penido, manancial responsável pelo abastecimento público de Juiz de Fora, continua sendo usado para fins privados. A água do reservatório que atende a 50% do consumo da cidade hoje tem servido para a prática de esportes náuticos, como o jet-ski, para a pesca clandestina e para a especulação imobiliária. Embora a lei municipal número 7.255, de 1987, proíba a utilização da represa para fins incompatíveis com sua destinação, sendo expressamente vedada a utilização do espaço para natação, pesca, lanchas e congêneres, a norma assegura a proprietários e clubes do entorno “direito adquirido”, desde que respeitados os “critérios técnicos antipoluentes”. Na prática, não há controle sobre isso e nem se quem está por trás de manobras radicais na João Penido é morador da área ou visitante. A falta de critérios sobre o uso do manancial aumenta sua vulnerabilidade, colocando em risco não só a qualidade da água, mas a segurança de um espaço considerado de preservação permanente. Advogados também questionam o direito adquirido quando se trata de bem público. Já a Polícia Ambiental afirma ter recebido reclamações da própria Cesama quanto ao uso de barcos e congêneres na represa, pois muitos adeptos do esporte náutico têm se aproximado do ponto de coleta de água, ficando sujeitos a acidentes. Além dos pilotos, há a presença de pescadores clandestinos. Frequentemente, redes de pesca são recolhidas no local. A ocupação irregular das margens é outro problema e está entre os pontos de ameaça do manancial. Apesar das constatações, as autoridades têm tido dificuldade para atuar.
No caso das embarcações, por exemplo, a ação da polícia limita-se às questões legais envolvendo a documentação dos veículos aquáticos, como registro de embarcação e carteira de arrais amador, obrigatória para pilotar na água. “Durante nossos patrulhamentos, a gente tenta coibir a pesca, o uso da represa para natação, – a profundidade da água atinge oito metros -, e a utilização de barcos. Quando chegamos, porém, muitos usuários de lanchas e jet-skis costumam evadir. Os que ficam estão, geralmente, habilitados e com a documentação em dia. No mais, não temos convênio com a Capitania dos Portos para fazer autuação. Por isso, a gente fiscaliza essa situação apenas orientando”, admitiu o comandante da 4ª Companhia Independente de Meio Ambiente e Trânsito, o subtenente Gilson de Melo Rocha.
Lei
Para o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Juiz de Fora, José Rufino de Souza Júnior, o argumento do direito adquirido, previsto na lei municipal, é um equívoco. “Há um princípio do direito público que trata da primazia do interesse público em face ao particular. Não se pode falar em direito adquirido em relação a um bem público, como a água da represa. A inconstitucionalidade da lei pode, inclusive, ser declarada pela Câmara dos Vereadores, Assembleia Legislativa, entre outras autoridades que constam na constituição estadual de Minas Gerais.”
Há cinco anos, na gestão do prefeito Alberto Bejani, ele chegou a anunciar que modificaria a norma que assegura o uso da represa aos moradores e sócios de clubes localizados no entorno do reservatório. Na ocasião, o chefe do Executivo declarou que a lei era prejudicial ao interesse da cidade. Apesar disso, o texto de 1987 continua a vigorar sem alteração.
O presidente da Cesama, Cláudio Horta, diz que o planejamento estratégico da companhia já está finalizado e que, dentro dele, está sendo avaliado, inclusive, as legislações disponíveis para a área. “Se for necessário, vamos sugerir mudanças nas normas legais, para que as bacias hidrográficas da João Penido e da Barragem de Chapéu D’Uvas, com início de operação previsto para o final do ano, estejam bem protegidas. A Cesama enxerga que é sua responsabilidade cuidar dessas duas bacias e isso inclui o envolvimento de órgãos ambientais e da própria comunidade. Se o possível direito adquirido estiver prejudicando a represa, vamos trabalhar fortemente para que a sociedade entenda que a prioridade é a cidade. Quando o direito adquirido vem a prejudicar toda a comunidade, ele tem que ser reavaliado. Como empresa responsável pelo abastecimento de água do município, a Cesama tem que ser rigorosa com o entorno de seus mananciais. Ela tem que ver o manancial como a proteção do negócio dela”, enfatizou.
Fonte: Tribuna de Minas, 1.6.2012