Processo de Roza Cabinda está entre os documentos históricos a serem apresentados

“A suplicante dispondo da quantia de R$ 300$ (trezentos mil réis), equivalente ao valor de sua pessoa, oferece-a a seu senhor, como indenização, e a pretexto de achar insuficiente a quantia, recusou aquele dar-lhe a alforria.” Redigido pelo juiz Antonio José Antunes Braga, o trecho integra o processo iniciado por Roza Cabinda, que, escravizada pelo comendador Henrique Halfeld, acionou a Justiça em 1871 para conquistar a própria liberdade. No documento, preservado pelo Arquivo Histórico de Juiz de Fora, constam as declarações da mulher e de seu proprietário, em discursos estarrecedores, tamanha a objetificação dos indivíduos no recém-fundado município de Juiz de Fora.

Exposto pela primeira vez, o processo integra a mostra “In:dependência – Futuro sem passado é presente”, que o Memorial da República Presidente Itamar Franco inaugura nesta sexta-feira, dia 2 de setembro, às 19 horas. São documentos originais do maior e mais antigo acervo municipal, celebrando o Bicentenário da Independência ao narrar a formação e o cotidiano da cidade no contexto pós-1822 até a instauração da República. 

“Enquanto a história oficial transmite, ano após ano, ensinamentos de um suposto grito de Independência, retratado com bravos cavaleiros montados em seus corcéis, vemos nos documentos históricos a construção de uma independência que não atingia a todos”, observa Daniella Lisieux, supervisora do Memorial, ressaltando a importância da mostra em parceria com a Prefeitura de Juiz de Fora. Segundo ela, a exposição revela um território em construção, envolto em dilemas urbanos e em problemas sociais. “Refletimos sobre o Bicentenário de maneira crítica, desvelando o duro caminho percorrido pelos escravizados para a conquista de suas liberdades e convidamos os visitantes a conhecer a história da cidade para além daquilo que é contado nos livros”.

Maioria negra nas raízes de Juiz de Fora

Uma das primeiras contagens populacionais do município, o mapa elaborado em 1855, a pedido da recém-instalada Câmara Municipal, contabiliza um contingente de pouco mais de 11 mil brasileiros (homens e mulheres nascidos no país), frente a 188 estrangeiros (na grande maioria, imigrantes europeus) e 16,4 mil pessoas escravizadas. A maioria dos habitantes, portanto, era formada por negros escravizados. Outros documentos dão conta das crueldades cometidas contra essas populações, a contrariedade dos senhores em conferir liberdade a essa população e os muitos movimentos de resistência que culminaram num contexto insustentável, que, então, levou à abolição. 

Mapa de 1853 da região de Juiz de Fora, delimitando as estradas

“Nos anos seguintes à Independência, a expansão da lavoura cafeeira na região teve como mão de obra principal o trabalhador escravizado. Na década de 1860, Juiz de Fora possuía cerca de 2/3 de sua população composta por pessoas escravizadas. Em 1872, o município somava quase 20 mil cativos”, apontam os pesquisadores do Arquivo Histórico de Juiz de Fora, Antônio Henrique Duarte Lacerda e Elione Silva Guimarães, que atuaram na seleção e na transcrição do material. Ambos atuam há mais de duas décadas no espaço que preserva a memória local. “Documentos confirmam que esses indivíduos, de todas as etnias e condições sociais, foram protagonistas de suas histórias, trabalhando, resistindo e lutando contra a opressão e em busca de melhores condições de vida”, observam os pesquisadores em texto para o catálogo da exposição.

Mapa populacional da Vila de Santo Antônio do Paraibuna, com registro de ‘brasileiros’, estrangeiros e escravos

Futuro sem passado

Dividida em seções temáticas, a exposição retrata o comportamento das elites no município durante o século XIX, o cotidiano do centro urbano, a constituição da sociedade da época, aspectos sanitários e narrativas acerca da escravidão. Cada eixo é apresentado acompanhado de uma manchete de jornal publicada em veículos locais e nacionais nos últimos três anos. “Trata-se de uma estratégia para pontuar a contemporaneidade dessa documentação que resistiu ao tempo. Ainda hoje, com mais de um século de República, temos questões do período da Independência que ainda não foram superadas. Ainda temos muitas dependências nos impedindo de encontrar outro futuro”, reflete o curador Mauro Morais. “Nossa proposta é pensar a cidade no passado, no presente e no futuro”, defende, apontando para a exposição que tem como ponto de partida um mapa de 1853, de autoria provável de Henrique Halfeld, no qual consta o Rio Paraibuna como eixo central de um município formado por poucas linhas, poucas vias, paisagem vazia que o tempo transformou.

A exposição “In:dependência – Futuro sem passado é presente” também inaugura novo horário de visitação do Memorial, que passa a funcionar de terça a sexta, das 10h às 18h, e aos sábado, das 13h às 18h. Agendamentos para visitas mediadas de grupos ou individuais podem ser feitos pelo e-mail cultura.memorial@ufjf.br.

Bicentenário na UFJF

A exposição do Memorial inaugura uma vasta agenda de programação celebrando, na UFJF, o Bicentenário da Independência. Ainda no Memorial, nas quartas-feiras dos dias 14, 21 e 28 de setembro serão oferecidas oficinas para discutir a Independência sob as óticas de Juiz de Fora, das Américas e da política republicana, respectivamente. A programação se estende para o Forum da Cultura, que inaugura mostra individual do artista Paulo Alvarez, e para o Centro de Conservação da Memória (Cecom), que exibe parte de seu acervo fazendo referência à passagem do imperador por Juiz de Fora. O Instituto de Ciências Humanas (ICH) também integra as celebrações com mesas redondas e palestras. 

Serviço

Exposição: In:dependência – Futuro sem passado é presente

Abertura: dia 2 de setembro, sexta-feira, às 19h

Visitação: de terça a sexta, das 10h às 18h, aos sábados, das 13h às 18h, até 4 de novembro.

Local: Memorial da República Presidente Itamar Franco 

Endereço: Rua Benjamin Constant 790 – Centro

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