“Um grande desafio”. Assim responde o pesquisador Marcone de Oliveira à pergunta do título desta matéria. Ele é o primeiro entrevistado da série especial que vai destacar a trajetória de três pesquisadores da UFJF, cada um representando uma das grandes áreas do conhecimento: Ciências Exatas e Tecnológicas, Humanidades, e Saúde. Iniciativa da Diretoria de Imagem Institucional, em parceria com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (Propp), a série busca homenagear os pesquisadores brasileiros, em celebração ao Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico (8 de julho), data que coincide com a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 1948.
Bolsista de produtividade do CNPq 1D, professor do Departamento de Química do Instituto de Ciências Exatas (ICE), Marcone Augusto Leal de Oliveira considera que é impossível fazer referência à Química sem pensar na nossa existência: “O papel da Química começa na singularidade, no ‘Big Bang’, evoluindo desde a poeira cósmica até a formação de corpos celestes, planetas, galáxias.” Em sua opinião, várias das grandes transformações tecnológicas ocorridas no planeta associam a importância da área na história da evolução tecnológica da humanidade, desde o descobrimento do fogo à Idade dos metais, caracterizada pela criação dos primeiros utensílios de cobre, bronze ou ferro e consequente desenvolvimento das indústrias metalúrgicas e siderúrgicas.
“Na contemporaneidade, é possível associar diretamente às habilidades e competências advindas da Química a diferentes áreas do conhecimento, como Ciências Exatas e da Terra, Agrárias, Biológicas, da Saúde e Engenharias, ou a áreas de atuação distintas como alimentos, agronegócio, meio ambiente, diagnósticos clínicos, energia, medicamentos, biocombustíveis, desenvolvimento de novos materiais, tintas, polímeros, sustentabilidade”, compartilha.
Com experiência de cerca de duas décadas em sala de aula, o professor acredita que o principal legado como docente foi a formação diferenciada de recursos humanos, em que muitos de seus alunos “estão hoje como professores em instituições de ensino superior ou ensino médio, assim como outros egressos que estão trabalhando em diferentes segmentos da indústria”.
Ele também cita duas realizações importantes de sua carreira: estar entre o grupo de professores do Departamento de Química da UFJF que participaram do processo de implementação do Doutorado em Química da UFJF, em 2006, e ter participado do subprojeto da Proinfra (2012) que culminou com a aprovação integral da verba para a compra do sistema de espectrometria de massas de alta resolução, que atualmente compõe o Laboratório de Espectrometria de Massas.
“Destaco, ainda, a responsabilidade de coordenar a seleção dos itens, instalação e desenvolvimento operacional do sistema de equipamentos adquiridos, os quais se encontram à disposição para usufruto da comunidade interessada; além da minha participação, que tenho muito orgulho e carinho, como coordenador da empresa júnior do curso de graduação em Química, a Reativa Jr.”
Da escola pública à Química Analítica
Tendo estudado o pré-primário em uma escola municipal na cidade natal, Ipatinga, Marcone de Oliveira se mudou para Juiz de Fora ao finalizar o ensino médio. “No meio tempo em que estudei em cursinhos preparatórios, fiz um curso de Auxiliar de Enfermagem no Hospital Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora, e no ano seguinte, fiz o curso de Técnico em Enfermagem. Passados alguns anos, resolvi prestar vestibular para o curso de Bacharel em Química”, relata sobre a mudança de área.
Em relação à carreira de pesquisador, ele conta que foi uma descoberta ao longo da vida acadêmica: “Confesso que quando prestei o exame de vestibular para Química, a minha ideia, a priori, era me graduar e me preparar para ingressar em alguma indústria. Ainda na graduação, tive grande interesse pela Química Analítica, a subárea da Química cuja vocação de atuação pode tangenciar desde o desenvolvimento e otimização de métodos novos ou alternativos de análises da Química ao uso da Estatística, a partir da Quimiometria como ferramenta de planejamento, organização e análise de dados.”
Algo que lhe marcou antes de finalizar a graduação foi o filme Óleo de Lorenzo, baseado na história real envolvendo um garoto de cinco anos de idade, que foi diagnosticado com uma doença degenerativa extremamente rara e incurável, a adrenoleucodistrofia (ALD). “A persistência e fé dos pais de Lorenzo o levou para a cura, mudando o rumo da Medicina. Após assistir a este filme, me encantei por uma classe de compostos orgânicos denominada de ácidos graxos, os quais foram alvo de investigação e estudo da família do garoto, que culminou em resultados muito eficazes no tratamento da ALD”, revela.
Ao concluir a graduação, o químico então recém-formado prestou a prova de seleção para o mestrado em Química Analítica na Universidade de São Paulo (USP) e iniciou a pós-graduação, desenvolvendo como tema geral a otimização de métodos de análise para ácidos graxos em alimentos por eletroforese capilar. “A eletroforese capilar é uma técnica de separação que opera em meio líquido, sob altas voltagens e tem potencialidades para separar compostos neutros, íons solvatados ou espécies ionizáveis. Também me dediquei a estudar a separação de ácidos graxos trans em alimentos processados, cujo interesse investigativo tem associação direta com questões de saúde pública”, informa sobre o interesse científico.
Confira a resposta completa do professor Marcone de Oliveira sobre o significado do que é ser pesquisador:
Em 2003, Marcone finalizou o doutorado e presenciou o déficit de oferta de bolsas de pós-doutorado em função de uma crise financeira transitória nos órgãos de fomento, mas como ele mesmo afirma, a sorte lhe sorriu e foi convidado a prestar concurso para o cargo de professor substituto no Departamento de Química da UFJF. “Embora não tivesse naquele momento grande interesse pela área acadêmica, ao começar a lecionar, tomei gosto pelo trabalho acadêmico e decidi prestar o concurso para efetivo, tendo ingressado como professor adjunto em março de 2004. É interessante ressaltar que não fiz um planejamento estratégico para a carreira, mas tudo foi acontecendo de modo que simplesmente ‘deixei a vida me levar’, parafraseando Zeca Pagodinho”, refletiu.
Desde então, o docente tem orientado diversos alunos da graduação, do Programa de Pós-Graduação da Química, mas também dos programas das Ciências Farmacêuticas e da Ciência e Tecnologia do Leite e Derivados. Atua como membro do corpo editorial do periódico E-Journal of Chemistry e como revisor de diversos outros. Desde 2017, participa como pesquisador no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Bioanalítica (INCT-Bioanalítica).
Aprendizado diário
Um episódio que lhe marcou durante a sua atuação como professor substituto foi quando lecionou durante três semestres seguidos para alguns estudantes do curso de Farmácia, em três disciplinas sequenciais. “Na última das disciplinas, me lembro que errei a mão ao preparar a prova, de modo que os estudantes levaram até cinco horas para finalizar a atividade. A turma era excelente e muitos hoje são profissionais bem sucedidos. O curioso é que quando me encontro aleatoriamente com alguns estudantes daquela época, nas esquinas da vida, sempre sou muito bem recebido, e eles lembram de maneira muito carinhosa, amistosa e divertida daqueles tempos”, relembra.
Para o bolsista de produtividade do CNPq, o maior desafio da carreira científica, hoje no Brasil, é a instabilidade econômica, social, cultural e emocional decorrente do desequilíbrio gerado, principalmente, pelo advento da pandemia por Covid-19. “Tal fenômeno, de fato, está mediando prejuízos incomensuráveis às ações de pesquisa e desenvolvimento para as diferentes áreas do conhecimento, principalmente para aquelas áreas cujas atividades demandam de recursos financeiros consideráveis e imprescindíveis para a aquisição ou manutenção da infraestrutura dos laboratórios.”
Sobre a satisfação profissional, Oliveira diz que se sente realizado como pessoa. “Agradeço ao Divino Mestre, todos os dias, ao acordar com saúde e poder desfrutar de mais uma jornada de trabalho.” E complementa: “Que me perdoem a modéstia, mas eu não me considero digno de ser chamado de cientista. Me considero, de fato, um operário da ciência, um trabalhador esforçado, dedicado, que tem fraquezas, mas que tem também muita força de vontade, curiosidades e coragem. Me considero apenas mais um na multidão, na egrégora da existência, que a cada dia está mais ávido e interessado a aprender um pouquinho mais”.
A possibilidade de aprender e trocar conhecimento, associado ao pleno desenvolvimento das humanidades, é o que lhe motiva no dia a dia. “Trabalhar em pesquisa, me entregando de coração; particularmente, considero o meu trabalho uma grande diversão remunerada. Me sinto muito privilegiado pelo que faço e sou infinitamente grato ao universo por isso”, expressa com entusiasmo.
Para quem quer seguir a carreira de pesquisador, Marcone de Oliveira aconselha: “Acreditem sempre em si mesmos e jamais deixem que alguém ou algo possa convencê-los de que não sejam capazes de alcançar as habilidades cognitivas e competências inerentes ao que se propuserem a desenvolver, investigar, estudar ou pesquisar. Por outro lado, nunca se esqueçam de que o crescimento científico e tecnológico, na ausência de preceitos éticos, jamais contribuirá para o avanço efetivo das várias formas de vida do nosso Planeta Terra.”