O primeiro caso de contaminação pela Covid-19 no Brasil foi confirmado em 26 de fevereiro de 2020. Quase um ano depois, em 17 de janeiro de 2021, a primeira cidadã brasileira, a enfermeira Mônica Calazans, foi vacinada. O hiato de tempo foi fatal para muitas das mais de 619 mil pessoas mortas no Brasil por conta da pandemia do novo coronavírus. Entre elas, o ex-vice-reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), José Luiz Rezende Pereira, a primeira vítima oficial em Juiz de Fora. Falecido em 8 de abril de 2020, ainda faltaria muitos meses até a vacina chegar ao braço do professor aposentado da Faculdade de Engenharia.
Na cidade, o primeiro caso da doença foi detectado em 14 de março de 2020 e, dez meses depois, a primeira dose foi aplicada. Segundo boletim epidemiológico da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), até o momento, pouco mais de um milhão de doses foram aplicadas. A campanha foca atualmente naqueles que não buscaram a segunda dose e nos que já têm direito à dose de reforço. Desde 8 de dezembro não há óbitos na cidade por Covid-19, segundo detalhamento da Secretaria de Saúde da PJF.
A situação, porém, não é confortável. Com o alerta do avanço da variante Ômicron em países da Europa e nos Estados Unidos, de acordo com autoridades da Organização Mundial de Saúde (OMS), ainda não existe um consenso sobre a abordagem ideal para a contenção da nova cepa. Os casos se multiplicam com velocidade alarmante nestes países e já começam a mudar o panorama de infecções no Brasil. Até agora, segundo estudos realizados pela Moderna e pela Pfizer, somente as doses de reforço de seus imunizantes são capazes de oferecer proteção extra contra a nova variante.
Dados do Instituto Butantan apontam que todas as vacinas possuem a potência necessária para a proteção das variantes que atualmente circulam pelo país, com os percentuais de eficácia geral na prevenção a casos sintomáticos variando entre 51% (Coronavac) e 91% (Pfizer). Apesar de a Coronavac ser a menos eficiente neste sentido, previne em 100% a possibilidade de a doença ser manifestada em estado grave, ainda segundo o Butantan.
Potência das vacinas
“O que significa a potência de cada vacina? Quer dizer que cada fórmula tem maior ou menor potencial de prevenir a doença grave, sobretudo em grupos mais vulneráveis, como idosos e pessoas pré-inflamadas, com obesidade e sobrepeso, por exemplo”, explica o professor aposentado da Faculdade de Medicina da UFJF, Julio Cesar Abreu de Oliveira, que foi homenageado recentemente com a Medalha JK por seu trabalho, desde o início da pandemia, na defesa das máscaras enquanto materiais de prevenção contra a Covid-19. Oliveira ainda tem um perfil no Instagram (@profjulioabreu), no qual busca divulgar a ciência e tratar de assuntos como a importância da vacinação para diminuir a gravidade dos sintomas causados pelo novo coronavírus.
Dois grandes adversários, no entanto, impõem incertezas sobre quando será decretado o fim da pandemia: a discrepância entre os índices de imunização dos países – na África do Sul, por exemplo, onde foi detectada a variante Ômicron, apenas 26,8% da população está completamente vacinada – e o negacionismo em relação à eficácia dos imunizantes ou dos perigos da doença.
Apesar da segurança e eficácia das vacinas ser amplamente comprovada por pesquisadores e atestadas por agências de controle e órgãos como a OMS, as fake news inundam os meios de comunicação, impactando diretamente nas campanhas de vacinação dos países. Segundo reportagem da revista “Exame” de 20 de dezembro de 2021, 50 milhões de cidadãos estadunidenses não se vacinaram por opção, enquanto a Europa também assiste a movimentos antivacina se espalharem.
Crianças ou adultos, idosos ou pessoas com comorbidades, profissionais da saúde ou aqueles que estão dentro das salas de aula. Não importa o grupo. Vacinar-se é pacto social, como finaliza o professor Julio Cesar Abreu de Oliveira. “A importância de se vacinar passa, primeiramente, pelo ponto de vista individual. E também pelo bem coletivo, já que, ao estar vacinado, o indivíduo reduz o tempo de transmissão. Em uma doença cuja taxa de letalidade gira em torno de 3%, baixa em porcentagem mas alta em números, vacinar-se é fundamental para reduzir o número de mortes”.
‘Realidade alternativa’
O professor do curso de História e coordenador do Laboratório de História e Política Social (Lahps) da UFJF, Odilon Caldeira Neto, pesquisa o fenômeno do negacionismo e acredita que o fortalecimento da divulgação da ciência e das pesquisas realizadas no ambiente acadêmico são fundamentais para pensar uma educação pública e científica abrangente e democratizante. “O negacionismo, por definição, não apenas busca negar a realidade, mas a elaboração de uma espécie de realidade alternativa, ou invertida. Os medicamentos sem eficácia no combate à Covid-19, por exemplo, funcionariam então como uma suposta medicina alternativa, paralela à comprovada pelo campo científico. Me parece que a ciência acessível, aberta a dialogar com o público, é um potente instrumento de combate ao negacionismo.”
Neto explica ainda que suas pesquisas partem da negação do holocausto por parte de autores e militantes de grupos neofascistas dos anos 50 a 70. “A partir disso, convencionou-se chamar esta prática de negação da ciência. Neste caso, da ciência histórica. E, mais do que isso, tornou-se uma forma de articulação política efetiva para grupos de extrema direita. Essas ideias encontram um eco, uma plataforma de disseminação e impulsionamento inclusive no momento atual por parte de emissores que contam com o aparato do Governo Federal”.
Participação da Universidade
Quando a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) começou a se organizar para a campanha de vacinação contra a Covid-19, a UFJF se colocou à disposição para colaborar. É o que conta o professor da Faculdade de Enfermagem Thiago César Nascimento, que foi coordenador do projeto de extensão “Juntos contra a Covid-19”, que, ao longo de 11 meses, mobilizou mais de 150 pessoas nas operações de vacinação em esquema drive-thru, no campus da Universidade.
Com início em fevereiro de 2021, o trabalho de imunização vacinou, no total, 53.263 pessoas com a parceria entre UFJF e Prefeitura. Um número bastante expressivo, segundo Nascimento. “Acredito que a UFJF cumpriu sua missão na colaboração junto ao município. Foi uma grande oportunidade de as universidades públicas mostrarem que seu papel vai muito além do ensino, da pesquisa e da extensão. Elas estão preparadas para contribuir com o município e com o país em situações extremas como a que vivemos desde 2020.”
A professora da Faculdade de Medicina Sandra Helena Cerrato Tibiriçá foi uma das profissionais envolvidas na implantação do sistema de vacinação nos drive-thrus e também uma das idealizadoras do programa de monitoramento e rastreamento da plataforma Busco Saúde, criada para auxiliar o combate à pandemia dentro da UFJF. Entre outras funções, o sistema possibilita que estudantes, professores, técnico-administrativos declarem estar vacinados. Afinal, para Sandra, a chegada das vacinas mudou a história da doença no Brasil e cabe aos profissionais de saúde e à própria Universidade serem agentes de difusão do conhecimento.
“Basta recorrer a publicações da literatura médica e da área da saúde para verificar a importância e a segurança dos procedimentos vacinais. Obviamente, como quaisquer imunizantes, elas têm efeitos colaterais. Por isso, a população espera que nós sejamos os transmissores do que tem de mais moderno na ciência”, alerta Sandra, lembrando que agora será a vez de as crianças se vacinarem. “As mães brasileiras conhecem muito bem o programa nacional de imunização, pois já o utilizam há muito tempo. Ao longo dos anos, vimos a redução de doenças como a meningite, a pneumonia, por meio do programa nacional de vacinação gratuita. As crianças precisam ser protegidas e, assim, não criamos nichos populacionais onde o vírus pode se replicar e sofrer mutações”.
Redução das internações no HU
Outra importante instituição envolvida no combate ao novo coronavírus foi o Hospital Universitário (HU) da UFJF. Em abril de 2020, o HU inaugurou enfermaria e Unidade de Terapia Intensiva (UTI) exclusivas para atendimento a infectados pelo novo Coronavírus. De acordo com o superintendente do Hospital, Dimas Augusto Carvalho de Araújo, a UFJF investiu mais de R$ 8 milhões no exercício de 2020, e mais de R$ 7 milhões em 2021, para a aquisição de material médico-hospitalar, medicamentos e contratação de serviços.
O investimento, segundo Araújo, tem dado resultados positivos. “O hospital vem verificando uma redução significativa nos internamentos relativos à Covid. Apesar deste cenário mais favorável, a instituição tem reforçado para sua comunidade a importância de se manter os cuidados de prevenção, como a vacinação e, em especial, a dose de reforço. A ciência tem demonstrado que a vacinação é a grande responsável pela melhoria do cenário epidemiológico. Ainda mais em um ambiente hospitalar, todos devem estar com o calendário vacinal completo, visando a proteção individual e coletiva.”
O infectologista e chefe do setor de gestão de qualidade do HU, Rodrigo Daniel de Souza, completa a informação sobre a importância da vacinação dizendo que hoje a quantidade de internados em estado grave por conta da Covid-19 é menor e que a maior parte desses pacientes não se vacinou. “A proporção de vacinados é maior, o que leva a uma importante redução de internações”, conclui Rodrigo de Souza.