Ao longo da recente história da construção do conceito de sustentabilidade, nem sempre levou-se em consideração as particularidades e as limitações dos espaços a serem ocupados. A Bacia do Paraibuna — que, desde a abertura do Caminho Novo, abriga zonas rurais, centros urbanos e parques industriais — não saiu ilesa desse cenário.
Buscando propor uma organização mais racional e duradoura das atividades na região, o professor do Departamento de Geociências do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Roberto Marques Neto, coordena o projeto Geossistemas na Bacia do rio Paraibuna: zoneamento da paisagem mediante um enfoque genético-estrutural. Uma das ferramentas mais utilizadas no planejamento ambiental, o zoneamento, consiste na divisão dos espaços em unidades relativamente homogêneas, no que diz respeito às suas potencialidades e limitações de uso. Com esse mecanismo, é possível estabelecer uma área de conservação ambiental, renovando a eficiência do rio Paraibuna, que sofre com o desmatamento e uso intenso do seu solo desde a época do Ciclo do Ouro do Brasil colonial, por volta do século XVIII.
Acompanhamento em campo e com satélite
Segundo Marques Neto, para realizar esse trabalho na Bacia do Paraibuna, os pesquisadores utilizaram a metodologia geossistêmica. Desenvolvida na década de 1970 por geógrafos na antiga União Soviética, essa teoria considera os ambientes como sistemas, formados nas relações entre suas características estruturais (como relevo, tipo de solo e padrão hidrográfico), a esfera biológica que eles comportam (cobertura vegetal) e as atividades socioeconômicas realizadas neles. “Em uma região, você tem zonas urbanas consolidadas, zonas de uso rural intensivo e uso rural restrito, zonas de conservação (ou intangíveis), aonde eventualmente é recomendável que não se faça nada. O zoneamento é a espacialização dessas zonas, na qual se reconhecem ocupações atuais do fundo natural e se propõe conjugar esses usos preexistentes com os aqueles recomendados.”
Iniciado em meados de 2015, o trabalho se encontra em sua primeira fase, que consiste no mapeamento e na classificação dos elementos da região da Bacia. Para isso, os pesquisadores contam com imagens de satélite e leituras de radar, acompanhados de expedições em campo. Nessa etapa, são identificadas as características do fundo natural sob uma perspectiva genético-estrutural.
Neste enfoque, conforme o professor, observa-se as atuais estruturas e funcionalidades da paisagem a partir da compreensão da evolução do relevo ao longo do tempo geológico, fora da temporalidade humana. Concluído esse mapeamento, os pesquisadores passarão a interpretar os dados colhidos e organizar as áreas da Bacia em unidades, de acordo com suas possibilidades e limitações de uso. Nesse ponto da pesquisa, os conceitos de geômeros e geócoros, retirados da teoria geossistêmica, tornam-se recorrentes. “A paisagem não é homogênea, a despeito das aparências. Esse conceito de homogeneidade (geômero) e heterogeneidade (geócoro) são classificações bem específicas da metodologia geossistêmica”, afirma Marques Neto.
Pensando num exemplo mais vívido por muitas pessoas, podemos citar o Parque Estadual do Ibitipoca (MG). “Nele, tem-se uma extensão que apresenta afloramento de rocha com bromélias, que seria uma área homogênea elementar. Ladeando essa, existe um trecho de solo extremamente raso, coberto por gramíneas, outra área homogênea elementar. A composição dessas áreas homogêneas forma uma área heterogênea elementar.”
Melhor eficiência e menor impacto ambiental
Já tendo mapeado, também, as ocupações que cada unidade abriga, os pesquisadores poderão identificar relações conflitantes entre essa realidade de potencialidades e restrições de uso das zonas com as atividades socioeconômicas nelas realizadas. Nessa fase final do projeto, programado para conclusão na metade desse ano, será elaborado o zoneamento propriamente dito, em que será proposto o remanejamento dessas atividades na região da Bacia para melhorar sua eficiência e reduzir os impactos por elas causados.
“As propostas de manejo só tem cabimento se considerarem as comunidades que vivem ali, para que elas não sejam negativamente afetadas. Nós planejamos, primeiramente, para humanos, para as pessoas que vivem ali e tem na Bacia seu espaço vivido. Acatando e aplicando uma proposta de zoneamento, seria estabelecida, por exemplo, uma área de conservação ambiental, preferencialmente nas cabeceiras dos rios. Isso resultaria na regulação hídrica, numa recarga mais eficiente dos mananciais. Se propuséssemos uma divisão de diferentes zonas para o uso rural, isso reduziria drasticamente os problemas com perda de solo por erosão”, esclarece o pesquisador.
Importância histórica
Em 1707, ainda no Período Colonial, tornou-se necessária a criação de um caminho alternativo que ligasse o interior de Minas Gerais ao porto fluminense (RJ). Encontrando no Vale do Paraibuna a rota mais curta para o escoamento da mineração, foi aberto aqui o Caminho Novo, que trouxe os primeiros povoamentos para a Zona da Mata Mineira. Desde então, o desenvolvimento da região esteve sempre interligado à Bacia do Paraibuna. A Estrada União Industria, entre Petrópolis (RJ) e Juiz de Fora (MG), inaugurada em 1861, e a criação da Usina de Marmelos, a primeira hidrelétrica da América Latina, 28 anos mais tarde, fizeram a indústria avançar sobre o rio.
“A prática do zoneamento pretende conciliar o uso vigente com aquele que é considerado ambientalmente aceitável”
Como contraponto negativo desse desenvolvimento, o Paraibuna passa, também, pelo avanço do desmatamento de suas cabeceiras e divisores, a utilização intensiva do solo, causando um cenário drástico de erosão, além do crescimento do plantio de eucalipto.
Para Marques Neto, que também é pós-doutor em Ciências Exatas e da Terra pela Unicamp e autor de trabalhos na área do zoneamento ambiental e mapeamento, há necessidade de mudanças na organização dessas ocupações. “O zoneamento pode ter caráter preventivo, sendo realizado numa área com boa integridade natural para que essa permaneça assim. A Bacia do Paraibuna, efetivamente, tem problemas ambientais: o avanço do desmatamento desenfreado nas cabeceiras dos rios, nas zonas de recarga, que regulam os ciclos da bacia; a intensa presença de indústria; a ocupação rural marcada pela presença do eucalipto; e a depressão da região devido a erosão. A prática do zoneamento pretende conciliar o uso vigente com aquele que é considerado ambientalmente aceitável.”
Outras informações: (32) 2102-3108/ 3121 (Departamento de Geociências)
2102-3101 (Instituto de Ciências Humanas – ICH)