Por muito tempo, assuntos como o suicídio foram mantidos em silêncio. Pouco se discutia sobre o tema e a falta de conversas e debates contribuiu para que a questão se transformasse em um tabu. Ignorar sua existência, no entanto, não modificou o quadro de tentativas de suicídio ao redor do mundo.
Dessa forma, em 2003, a Organização Mundial de Saúde (OMS) oficializou a data 10 de setembro como o Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio, com o objetivo de promover reflexões a respeito do tema e outras ações protetivas. Doze anos depois, em 2015, o considerável progresso do combate ao suicídio fez com que o Centro de Valorização à Vida (CVV) idealizasse a campanha do Setembro Amarelo no Brasil. Ao associar a cor com o mês já conhecido pelas medidas preventivas, a ideia do Setembro Amarelo é espalhar positividade de forma responsável, tornando o suicídio uma questão de conhecimento público e promovendo uma série de outras ações sociais que visariam à conscientização.
Segundo a OMS, nove em cada dez mortes por suicídio poderiam ser evitadas, e o primeiro passo seria a educação. É preciso compartilhar informações e esclarecer como o adoecimento psíquico funciona. Por isso, pensando na importância de apresentar a Universidade como um ambiente seguro e preparado para lidar com questões como o suicídio, a Diretoria de Imagem da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em parceria com a Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf) e a Pró-reitoria de Assistência Estudantil (Proae), lança uma campanha de conscientização, com o objetivo principal de apresentar aos estudantes opções e caminhos no momento em que ideias autodestrutivas possam surgir. A campanha tenta desmistificar o adoecimento mental e mostrar aos alunos como identificar possíveis sintomas e maneiras de procurar ajuda.
O diretor de Imagem Institucional, Márcio Guerra, explica um pouco da iniciativa. “Esse ano, a ideia foi ouvirmos vários atores da Universidade. Tão importante quanto falar sobre suicídio e adoecimento mental é trabalhar a questão de oferecer a saída, mostrar onde está a porta. Dizer que a instituição acolhe e se preocupa não é mais suficiente, temos que apresentar também aonde a possibilidade de tratamento está.” Segundo Guerra, a campanha se propõe a mostrar o que a UFJF tem a oferecer. “Queremos chamar a atenção das pessoas para a necessidade de uma melhoria dos relacionamentos interpessoais, uma vez que todos devem estar atentos, pois, ao nosso lado, pode estar alguém que precisa de ajuda e, para isso, devemos estar dispostos a ouvir.”
Adoecimento mental e seus sintomas
As diversas manifestações de adoecimento mental não possuem um diagnóstico exato. Seus sintomas podem variar de pessoa a pessoa, mostrando relação com gênero, raça, idade e contexto social, por exemplo. Existe, portanto, uma série de fatores que podem levar o indivíduo a quadros depressivos ou tentativas de suicídio.
Ainda que não seja um padrão entre todos os indivíduos que possam vir a ter tendências suicidas, existem algumas mudanças comportamentais específicas do quadro. Segundo a Fundação Americana para Prevenção do Suicídio, a fala da pessoa que considera tirar a própria vida é, muitas vezes, marcada por diálogos que evidenciam seu sentimento de culpa e fardo, falas que expressam o quanto o simples fato de continuar vivendo aparenta ser exaustivo, doloroso ou indiferente. O humor de pessoas que estejam considerando o suicídio também muda drasticamente. Além da própria depressão, há também a perda de interesse em atividades rotineiras e uma maior sensibilidade que pode levar à raiva e frequentes irritações. Na questão comportamental, é muito comum que exista considerável aumento no consumo alcóolico e no uso de drogas; isolamento da família e dos amigos; excesso ou falta de sono e fome, entre outros.
“Uma avaliação de um profissional de saúde é mais indicada para que se possa juntar os sintomas e conhecer a história de vida das pessoas” – Patrícia Tavella
A psicóloga do Núcleo de Apoio à Inclusão (NAI), da Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf), Patrícia Sá de Almeida Tavella, acrescenta que “os sintomas podem ser confundidos com outros problemas. Por isso, uma avaliação de um profissional de saúde é mais indicada para que se possa juntar esses sintomas e conhecer a história de vida dessas pessoas. Talvez a irritação de um não seja diagnosticada como depressão, mas a irritação de outro, devido a história de vida e outros fatores, vai sim, demonstrar que aquilo pode ser um sintoma de depressão. É um conjunto de fatores.”
Para o diretor de Ações Afirmativas Julvan Moreira, um desses fatores que desencadeiam processos de adoecimento em âmbito psíquico é o sofrimento sentido diante da conjuntura atual. “Não podemos nos esquecer que o momento político e econômico em que vivemos tem causado muita tristeza entre nós, tem retirado as esperanças de muitas pessoas, além de ser um grave problema de saúde pública. Assim, é importantíssimo que esta campanha possa atingir um número grande de pessoas, a fim de que nos sintamos todos responsabilizados pela valorização da vida”.
Por mais que tais sintomas e mudanças comportamentais possam acometer qualquer indivíduo, é incorreto afirmar que todos os membros de uma sociedade estão igualmente inclinados a entrar em um quadro depressivo ou a ter pensamentos suicidas. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, as taxas de suicídio são elevadas principalmente em grupos mais vulneráveis que sofrem discriminação, como refugiados e migrantes, indígenas, LGBTIs, entre outras comunidades privadas de liberdade.
Em relação ao gênero, as taxas de suicídio se igualam até os 13 anos de idade. A partir daí, o índice aumenta para o sexo masculino, que supostamente tem menor capacidade emocional para suportar a depressão e seus efeitos, sendo mais impulsivos e agressivos. Mulheres, por outro lado, tendem a procurar ajuda mais cedo e com mais frequência. Além disso, momentos de crise e estresse como problemas financeiros, términos, doenças e mudanças na estrutura familiar também podem fortalecer a tendência suicida.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, no Brasil, são os jovens negros que têm maior probabilidade de cometer suicídio. O risco entre 10 a 29 anos foi 45% maior entre jovens que se declaram pretos e pardos do que entre brancos, em 2016. É possível afirmar que o maior risco de suicídio na população negra está interligado ao racismo estrutural responsável por um maior sofrimento e adoecimento mental entre esses jovens. Segundo o próprio Ministério, fatores como rejeição, discriminação e racismo são determinantes nos casos de suicídio.
O estigma social do suicídio é um fator contribuinte. Pela falta de discussões sobre o assunto, o indivíduo que passa por um quadro depressivo pode considerar a si mesmo como culpado pelo adoecimento, como responsável pelo próprio sofrimento. Segundo a psicóloga Patrícia Tavella, “hoje em dia, a questão do suicídio e do adoecimento mental não é uma questão apenas do sujeito. É uma questão também da sociedade, da interação social que esse indivíduo tem com o coletivo. Existem fatores para além do indivíduo que se acumulam e que aumentam esses danos, intensificando os casos.”
Adoecimento psíquico nas universidades
Em uma pesquisa dirigida pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) em 2016, concluiu-se que sete em cada dez alunos de universidades federais no Brasil sofrem de algum tipo de adoecimento mental, como estresse, ansiedade e depressão.
A coordenadora geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e aluna do oitavo período de Serviço Social, Luiza Travassos, acredita que “a rotina que é colocada para o corpo estudantil, na qual temos que preencher requisitos, lidar com a lógica da competitividade e cumprir prazos é um exemplo de como a vida universitária pode desencadear desânimo, ansiedade e depressão, contribuindo assim para um processo de adoecimento.”
Já a estudante do oitavo período de Jornalismo, Marília Ribeiro da Costa acredita que “numa universidade, quando existem alunos de outras cidades que estão vivendo em um novo ambiente, numa nova rotina, é gerado um certo desconforto por estar longe dos familiares. É importante nós falarmos do assunto como forma de adaptação do estudante em sua nova vivência, e, caso se torne muito doloroso, garantir que ele tenha meios de procurar ajuda para que não chegue ao último ponto.”
Como posso encontrar ajuda?
Se você apresenta crises de ansiedade, suspeita estar passando por um quadro depressivo ou já chegou a pensar em suicídio, não é preciso ir muito longe para buscar ajuda. A UFJF conta com uma ampla rede de apoio que perpassa o atendimento psicológico individual, além de grupos voltados para diversos perfis de estudantes.
A Proae está voltada à formulação e acompanhamento de políticas que tornem a instituição um ambiente democrático, seguro e saudável para todos os estudantes. Segundo o pró-reitor de Assistência Estudantil, Marcos Freitas, “o adoecimento psíquico na UFJF é uma das grandes preocupações da Proae. Nesse sentido, nos últimos anos, ampliamos uma série de ações para acolhermos nossos estudantes e, ao mesmo tempo, oferecer um leque maior de oportunidades para que eles possam ser inseridos em algum tipo de programa”.
Dessa forma, a Proae disponibiliza grupos e projetos voltados para a prevenção de possíveis acometimentos mentais e para um maior bem-estar dos alunos. O grupo “Fora de Casa”, por exemplo, é voltado para estudantes que vieram de outras cidades e que relatam ter dificuldades na adaptação. O grupo “Deboas”, por outro lado, tem uma abordagem psicoeducativa e apresenta aos alunos formas práticas de como lidar com quadros de ansiedade e estresse. A série de workshops “Mindfulness na Universidade” oferece técnicas aos alunos para estimular a concentração, ao mesmo tempo que, de certa forma, combate a ansiedade.
O DCE também é uma opção para se alcançar quem pode direcionar a ajuda. “O DCE sempre se coloca à disposição dos alunos para tirar dúvidas referentes aos atendimentos realizados pela Universidade. Bem como ouvir e encaminhar demandas como, por exemplo, as denúncias de assédio moral vivenciadas por estudantes, o que pode configurar um processo de adoecimento”, completa a coordenadora geral, Luiza Travassos.
O Centro de Psicologia Aplicada (CPA) também oferece apoio para estudantes e comunidade. Criado em 1996 para atender às demandas de ensino, pesquisa, extensão e prática do curso de Psicologia, oferece apoio às demandas da população local, relacionadas ao atendimento psicológico.
Outras informações: (32) 2102-3970 (Diretoria de Imagem Institucional-UFJF)