Para dar início ao Encontro Regional do Sudeste do Programa Nacional de Mestrado Profissional em Ensino de Física (MNPEF), o auditório do Centro de Ciências recebeu o pesquisador Fernando Lang, do Departamento de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A conferência de abertura do evento intitulada “Sobre a forma da Terra” ocorreu na sexta-feira, 5. Abrindo o evento, a pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação, Mônica de Oliveira, destacou a importância de encontros como esse para lembrar aos pesquisadores sobre a responsabilidade de aproximação com a sociedade. “A academia precisa se organizar para prover respostas aos cidadãos a respeito dos problemas que os afetam”, destaca.
A forma da Terra na Antiguidade Grega e na Idade Média
“Nosso conhecimento sobre o formato da Terra é uma conquista científica que possui uma história de 25 séculos”, afirma Lang ao iniciar sua fala. Já na Grécia Antiga, pensadores como Pitágoras e Aristóteles já imaginavam a Terra como uma esfera gigantesca. Eratóstenes, quase 300 anos antes de Cristo, fez a primeira determinação da circunferência da Terra. A partir de seus estudos, descobriu que, durante o Solstício de Verão, na cidade de Siena, o sol ficava quase no zênite – portanto, poderia ser visto mesmo no fundo de um poço. Porém, em Alexandria, cidade ao norte de Siena, no mesmo dia e horário, isso não acontecia; o sol não ficava perto do zênite. Como Siena se encontrava praticamente ao sul de Alexandria, Eratóstenes percebeu que, como o sol encontrava-se no zênite (ou seja, a 0 grau), medindo o ângulo projetado pela sombra em Alexandria, ele poderia chegar a circunferência da Terra através da medida da distância entre as duas cidades. Assim, convertendo seus resultados para o sistema métrico, obtém-se que a terra tem 39.700 km de circunferência, muito próximo do valor correto conhecido atualmente, de 40.008 km.
Na Idade Média, mesmo antes de Tomás de Aquino introduzir o aristotelismo na Igreja Católica, já predominava a ideia de que a Terra tinha uma forma esférica. Essa concepção inspirou as grandes navegações do século XV. A primeira circum-navegação foi iniciada por Fernão de Magalhães, em 1519. Saindo da Espanha, a tripulação passou pelo litoral brasileiro até o Sul e deram a volta ao mundo pelo Oceano Pacífico, passando por ilhas da Oceania, pelo sul da África, até retornarem à Península Ibérica, três anos depois.
Evidencias a favor da “Terra esférica”
“O aspecto do céu noturno se modifica conforme o observador esteja em latitudes diversas”, argumenta Lang. No hemisfério sul, é bem conhecida a constelação do Cruzeiro do Sul, invisível para habitantes do hemisfério norte em latitudes superiores a +25°. Já a estrela Polar, usada no hemisfério norte para orientação (função que, aqui, pode ser desempenhada pelo Cruzeiro do Sul) não é visível para nós. Isso só é possível por causa da esfericidade da Terra. Além disso, duas pessoas localizadas em pontos diametralmente opostos – antípodas – no planeta observam corpos celestes de “cabeça para baixo” em relação ao outro. O pesquisador apresentou um exemplo de um brasileiro e um japonês observando simultaneamente um objeto celeste. Quando os antípodas observam o mesmo objeto, as imagens percebidas diferem por uma rotação de 180°.
A distância do horizonte depende da altura onde se encontra o observador e do raio da Terra. Quanto mais alto o observador se encontrar, maior será o horizonte visível. Por isso que, quando estamos no terraço de um prédio muito alto, conseguimos ver grande parte do bairro ou da cidade onde nos encontramos. Segundo o pesquisador, os argumentos são inúmeros e as evidências estão por todo lado. Diversos instrumentos e técnicas do cotidiano baseiam-se na lógica de uma Terra esférica para poder funcionar – a curvatura da Terra é levada em conta nas modernas tecnologias de telecomunicações por ondas eletromagnéticas, por exemplo. O alcance das transmissões usando a faixa de FM está limitado ao horizonte geométrico da antena emissora, justificando-se, assim, que quanto mais alto estiver o transmissor, maior será a abrangência da emissora.
“Quando eu respondo para terraplanistas, eu não respondo para eles, respondo para as outras pessoas que estão lendo e, eventualmente, uma pessoa que ainda está em dúvida pode aproveitar a argumentação”, afirma Lang sobre a atual onda de pessoas defendendo a Teoria da Terra Plana. Paulo Menezes, coordenador do Programa de Mestrado Nacional profissional em Ensino de Física (MNPEF) e um dos organizadores do evento, destaca a importância do ensino de ciências nas escolas para que a corrente anticientífica seja afastada. Apesar de muitos alunos apresentarem desinteresse pelas matérias de exatas, Menezes acredita que ainda “existe um encantamento, mas esse interesse, muitas vezes, não é pelas fórmulas das aulas de física. Nós, como professores, devemos saber nosso papel nessa situação”, aponta.