Quem passar pelo campus da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) até o próximo dia 30 poderá conferir os banners localizados nas imediações da instituição. As fotos fazem parte das ações em prol da Semana da Consciência Negra, pensadas e organizadas em conjunto com os coletivos negros Resistência Viva, Descolônia e Vozes da Rua; com a Diretoria de Ações Afirmativas e Diretoria de Imagem Institucional da UFJF.
As fotografias buscam promover a celebração do Dia Nacional da Consciência Negra e representar os negros e negras de todos os seguimentos da instituição, reafirmando suas presenças no ambiente universitário. Além disso, artistas negros da comunidade acadêmica foram convidados para estampar, por meio do grafite, cada banner com o tema da campanha: Nós sim!
Todo o processo produtivo foi realizado de forma coletiva. As ideias das fotos, do vídeo institucional, e das demais ações partiram de reuniões que envolveram representantes da UFJF e dos coletivos. Segundo o diretor de Imagem Institucional, Márcio Guerra, a campanha marca a posição da UFJF enquanto uma instituição persistente contra o racismo e a todo tipo de discriminação. “A construção feita em conjunto com os coletivos foi essencial. Acredito que foi através desta troca que conseguimos atingir um resultado tão importante”.
Para o diretor de Ações Afirmativas, Julvan Moreira de Oliveira, a ideia de pensar a campanha juntamente com os coletivos negros da UFJF visa a reiterar a importância de uma construção coletiva dentro da Universidade. “Buscamos mostrar que todas as nossas ações não partem somente da Diretoria de Ações Afirmativas, mas envolvem a participação de todos os professores, servidores e alunos que trabalham e militam com a temática”.
De acordo com a estudante de Psicologia e integrante do Vozes da Rua, Andressa Carvalho, a campanha foi pensada democraticamente. “Nós conversamos, debatemos e sugerimos ideias. E se não tivesse o nosso olhar durante todo o processo, poderia passar detalhes que para nós é importante. Esse diálogo foi crucial”. Segundo o aluno do Instituto de Artes e Design (IAD) e representante do Descolônia, Lucas Caetano, “essa maior junção entre negros e negras de várias áreas traz pluralidade às discussões, tornando a campanha mais representativa”. Para a estudante de História e representante do Coletivo Negro Resistência Viva, Vanessa Lopes, “esse espaço de diálogo dos coletivos com a instituição é de suma importância para o reconhecimento das pautas e demandas dos alunos negros da Universidade”.
Visibilidade
Cada uma das pessoas presentes nas fotos da campanha possuem histórias e vivências pessoais, mas que juntas traduzem a pluralidade e diversidade de uma luta que é coletiva. A estudante Vanessa Lopes, ressalta a importância da representatividade nos locais em que muitos acreditam não existir nenhuma pessoa negra. Segundo ela, “a visibilidade em um espaço que historicamente é demarcado pela nossa exclusão é uma conquista. É a representação de um grupo e de uma luta por igualdade de oportunidades e justiça social. É nosso grito de resistência”.
De acordo com Vanessa, a exposição fotográfica e as ações da Semana da Consciência Negra representam um passo em direção à democratização do espaço acadêmico. “Para nós é um compromisso com nossa descendência, que muito lutou para estarmos aqui e momento de celebração com todos os negros e negras que resistem em uma sociedade racista”.
A integrante do Vozes da Rua e Doutora Honoris Causa pela UFJF, Adenilde Petrina, também ressalta a importância da visibilidade. “A sociedade naturalizou que nós negros sempre fomos invisíveis e nosso lugar é na periferia. Queremos mostrar para a sociedade que a Universidade tem gente, que também é nossa. Isso pode, sobretudo, estimular os meninos e meninas da periferia a buscarem a Universidade também”.
Para Lucas Caetano, mais do que mostrar que pessoas negras estão ingressando na universidade, é uma oportunidade de pensar em formas coletivas de resistir e permanecer neste lugar. “Quem são os rostos nos banners? O que fazem? De onde vêm? Muitas são pessoas que trabalham e estudam, oriundas, muitas vezes, de outras cidades ou da periferia. Todos possuem questões muito individuais, mas quando unidas garantem a possibilidade de repensar nosso lugar enquanto sujeito negro”.
Os coletivos
Para Adenilde Petrina, a Semana da Consciência Negra representa a luta histórica da busca por igualdade de direitos da população negra. Para ela, é o momento de ressaltar e refletir sobre a discriminação racial ainda presente na sociedade. “Nós não podemos parar, temos que continuar sendo voz dos nossos antepassados e de todos que lutaram pelos negros até os dias de hoje. Aos ‘trancos e barrancos’ a gente vai fazendo com que as pessoas vejam que ainda vivemos em uma sociedade racista e, a partir do momento em que reconheçam isso, busquem, cada uma ao seu modo, uma alternativa de superação”.
Entretanto, Adenilde ressalta que as reflexões acerca das questões que afetam a população negra não devem ficar restritas a uma data específica em novembro. Elas precisam ser pensadas, discutidas e problematizadas durante todo o ano. E esse é o objetivo de todos os coletivos envolvidos na campanha, tirar da invisibilidade durante o ano inteiro pautas importantes de serem debatidas não só no ambiente acadêmico, mas em outros espaços. Com diversas ações, os coletivos visam à união, ao fortalecimento e à luta da comunidade negra.
O Vozes da Rua é consequência da Rádio Comunitária Mega FM do Bairro Santa Cândida, fundada em 1997, e tem como objetivo produzir narrativas que contemplem a população negra e periférica por meio da poesia, do grafite e do Hip Hop. “Nosso propósito é ser resistência negra e cultural. Porque a gente percebeu que a informação é uma arma poderosa. Informação é poder! É por isso que o coletivo existe”, explica Adenilde.
A estudante Andressa Carvalho faz parte do Vozes da Rua há mais de um ano. Segundo ela, o coletivo é como se fosse uma segunda família. “A partir do momento em que você convive e cria um vínculo com pessoas com vivências parecidas você enxerga que não está sozinho e que sempre terá alguém para te escutar”. A estudante conta que sua participação no coletivo a ajudou a se empoderar enquanto mulher negra. “Depois que você entra no coletivo a sua visão de mundo muda. Me tornei uma pessoa muito mais segura, minha autoestima se elevou e eu aprendi muito sobre mim e minha história”.
O Coletivo Descolônia é formado por alunos negros interessados em produzir e pesquisar sobre Arte Afrocentrada, atendendo a uma demanda de estudantes do IAD que perceberam a ausência da temática ao longo do currículo. O coletivo, que começou como um grupo de estudos em 2016, se ampliou e atualmente é integrado por discentes de diversos cursos como Pedagogia, Arquitetura e Economia, por exemplo.
Lucas Caetano explica que a ideia é ser um laboratório de experimentações e um espaço troca. “O Descolônia tem a proposição de coletivo de produção artística. Nossas ações têm o objetivo de refletir sobre o local do corpo negro na sociedade. Pensamos em performances em grupo, eventos e produções com posicionamento anti-racista”. Neste sentido, recentemente o coletivo organizou a exposição “Preto ao Cubo”, uma mostra cujo objetivo foi dar visibilidade às obras de artistas negros e negras.
Formado em 2016, o Coletivo Negro Resistência Viva surgiu a partir de uma iniciativa de estudantes da UFJF que se viam distanciados, desmobilizados e reprimidos em espaços no qual fazem parte. A atuação do coletivo se dá de diferentes formas e locais com reuniões abertas que discutem as pautas do movimento, priorizando pontos centrais da cidade, a fim de permitir e facilitar acesso de todas as pessoas interessadas.
De acordo com Vanessa Lopes, o coletivo busca o fortalecimento da comunidade negra da UFJF e da cidade. “Compreendemos que resistir sempre será a única forma de sobrevivência negra em uma sociedade que a todo custo objetifica, apaga e desqualifica tudo que for associado a nossa descendência. Escolhemos a palavra “resistência” para nomear o coletivo justamente pelo seu significado: conservar-se firme, não sucumbir”. Para ela, organizar-se enquanto coletivo é uma forma de questionar hierarquias e reivindicar por justiça social. “A militância negra hoje move minha vida e minhas pesquisas. Vejo nesse espaço uma forma de lutar por uma sociedade mais igualitária e, ao mesmo tempo, é onde me sinto acolhida e representada”.
Outras informações: (32) 2102-6919 – Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf)