Nesta quinta-feira, dia 20 de junho, é celebrado o Dia Mundial do Refugiado. A data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como forma de homenagear as pessoas em situação de refúgio. Refugiados são aqueles que foram forçados a deixarem seus países de origem por conta de conflitos, perseguições, guerras e outros problemas socioeconômicos.
De acordo com o Observatório de Migrações Internacionais (OBMigra), vinculado à Universidade de Brasília (UnB) e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), entre 2011 e 2023, 406.695 imigrantes solicitaram refúgio no Brasil. Ao final de 2023 havia 143.033 pessoas refugiadas em território nacional reconhecidas pelo país, um crescimento de 117,2% em comparação com o ano de 2022.
O tema do Dia Mundial do Refugiado em 2024 é “Esperança longe de casa: por um mundo inclusivo com as pessoas refugiadas”. De acordo com a Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), o mote reflete a importância de buscar medidas que viabilizem a integração das pessoas refugiadas nas sociedades de acolhida. Assim, essas populações podem contribuir para o desenvolvimento local com seus saberes, talentos e determinação.
Uma dessas medidas é proposta pela UFJF, com o projeto “Acolhimento como soft power: o universo dos refugiados entre a educação, a linguagem e o patrimônio. A iniciativa promove a integração de docentes refugiados às atividades acadêmicas de programas de pós-graduação da Universidade. A ação foi contemplada no âmbito de edital do Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação (PDG) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em 2022. O projeto conta com apoio da Diretoria de Relações Internacionais (DRI) e da seção da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM) na UFJF. A CSVM é um projeto do Acnur em parceria com universidades brasileiras para apoiar pessoas refugiadas.
Rafael Alberto González González foi aprovado para exercer a docência na UFJF, por meio da iniciativa e já leciona na Universidade desde março. Nascido em Maracay, na região centro-norte da Venezuela, González é professor universitário e lecionou na Universidad de Carabobo (UC) e na Universidad Pedagógica Experimental Libertador (Upel), nos departamentos de Ciências Econômicas e Sociais. A saída de seu país de origem foi motivada pelas crises políticas, sociais e institucionais atravessadas pela Venezuela, com impacto direto nas condições de vida da população.
O docente participa nesta quinta-feira, 20, de roda de conversa promovida pela seção da CSVM na UFJF em menção ao Dia Mundial do Refugiado. O evento acontece no Memorial da República Presidente Itamar Franco, a partir das 18h, com entrada gratuita.
Além da roda de conversa, será exibido um episódio do documentário “Sons do Refúgio”, de Gibson Pierre, com reflexões sobre a migração forçada a partir da experiência de um haitiano que, perante as múltiplas crises que afetam seu país, procurou recomeçar sua vida no Brasil.
Em entrevista à Diretoria de Imagem Institucional da UFJF, Rafael González falou das experiências e dificuldades da condição de refugiado e reiterou o papel da universidade pública em momentos de fragilização do regime democrático. “Sempre acreditei que a universidade não poderia ser engolida pelas forças do fanatismo”.
Como você enxerga o esforço da UFJF em possibilitar a entrada de alunos e professores imigrantes e refugiados na instituição?
Eu acredito no papel transformador da universidade, ainda mais, da universidade pública. Por isso penso que as oportunidades que a UFJF vem propiciando nos processos de mobilidade de estudantes e pesquisadores, especificamente, com professores da América Latina e África, como acontece com o projeto intitulado “Acolhimento como soft power: o universo dos refugiados entre o patrimônio, a linguagem e a educação”, coordenado pela CSVM, resultam fundamentais.
A partir desse tipo de experiências, as universidades participam não apenas dos processos de inclusão social da indicada população, mas também na visibilização de fenômenos no contemporâneo (e insustentável) sistema-mundo. Perante os terríveis efeitos pessoais, familiares e sociais, originados das múltiplas crises políticas, emergências humanitárias e da violência institucional, contar na universidade, com as vozes e experiências dos migrantes forçados, resulta em uma oportunidade de importância capital. Esse tipo de política institucional favorece o acolhimento, assim como dá visibilidade aos múltiplos fenômenos tensionais que perpassam o fato de uma pessoa ser migrante forçada/refugiada.
Como as organizações internacionais e as comunidades locais podem apoiar os refugiados de maneira eficaz?
Existem múltiplas formas, porém acho que avaliar as que são mais ou menos efetivas depende muito dos contextos. Em particular, acho fundamental toda ação que possibilita maiores níveis de autonomia aos migrantes e refugiados. Para isso o acesso a um emprego formal e digno é fundamental; o acesso à educação, à saúde, a mecanismos de proteção social. Isso é chave não apenas para os refugiados, como para qualquer pessoa em situação de vulnerabilidade. Ter a possibilidade de decidir, de começar do zero, com o apoio da sociedade acolhedora, é um fator capital. É claro que algumas situações não ajudam ou representam um grande desafio (por exemplo, para um profissional, não é simples o processo de reconhecimento ou revalidação de diplomas; outras vezes, a comunicação em uma nova língua representa uma grande luta), porém, quando as instituições resultam acolhedoras e a comunidade está familiarizada e sensibilizada com os desafios que permeiam a migração forçada, formam-se os mecanismos sociais e institucionais para que o migrante forçado e/ou refugiado possa avançar (nos melhores termos) na reconstrução da sua vida. Acho que quando as comunidades locais e/ou as instituições internacionais conseguem viabilizar esses mecanismos, acontecem coisas que merecem ser mantidas.
Quais desafios você enfrentou ao tentar continuar sua carreira como professor após se tornar um refugiado?
Acho que os desafios mais marcantes têm a ver com os exemplos que indiquei na resposta passada. Não é simples trabalhar numa língua que você está aprendendo. Hoje eu consigo, acho que os estudantes e colegas são gentis comigo. Também é muito difícil se inserir no campo de trabalho sem formalizar seus estudos. Seja você médico, professor, engenheiro, qualquer profissional, você precisa do aval institucional, e isso demanda tempo, recursos. É uma luta. Por isso muitos migrantes desistem da sua profissão e exercem funções em campos de trabalho que não têm nada a ver com as suas mais importantes qualificações laborais ou trabalham sem serem recompensados pela sua experiência e perfil de formação. Isso, no contexto da migração forçada/refúgio, é uma triste e rotineira realidade.
Como você vê o papel da educação na sua jornada pessoal?
O fato de ter vivido a pior crise venezuelana, de ter migrado, assim como fizeram um grande número de meus amigos e colegas, levou-me a questionar muitas coisas e a valorizar muito mais outras. Por exemplo, algo que para mim ficou muito marcante, inclusive nas situações mais difíceis na Venezuela, tem a ver com o papel que a universidade deveria desempenhar no contexto geral de agudização da crise que vivia e vive o país. Sempre acreditei que a universidade não poderia ser engolida pelas forças do fanatismo, da arbitrariedade, da violência, da intolerância, e que isso tinha que ficar claro nas relações cotidianas, nas dinâmicas diárias, perante os múltiplos desafios que tínhamos que enfrentar com e entre colegas, com os estudantes, o pessoal técnico, e com cada uma das pessoas que estavam na universidade.
Falo disso porque em um contexto no qual a polarização e a violência se espalharam, no qual o espaço público era delineado a partir das fronteiras oficialista/opositor, amigo/inimigo, preservar uma ética do ato educativo era uma das poucas ferramentas que tínhamos para passar por tantas condições adversas que progressivamente se instauraram nas salas de aula e nos corredores da universidade, nas ruas e em cada bairro, cada casa.
Acho que se não fosse pela educação, pelos preceitos que me foram ensinados em espaços escolares e não escolares – por exemplo, aceitar uma dúvida razoável, praticar a tolerância e defender as regras do jogo democrático, respeitar a vida, valorizar a diferença, a crítica, o debate e, fundamentalmente, os direitos humanos -, minha situação dentro e fora da Venezuela teria sido, sem dúvida, diferente. Não por acaso são esses os mesmos preceitos que utilizo hoje nas coisas que estou fazendo e que procuro defender. Isso é o que eu defendo e entendo como educação.
Você encontrou maneiras de incorporar elementos da sua cultura ou língua materna nas suas aulas? Como isso tem sido recebido?
Sim. Não tem sido muito complicado. O interesse pelo espanhol perpassa vários campos de trabalho no Brasil em termos do ensino da nossa língua no sistema escolar, das relações fronteiriças com os países hispanofalantes, assim como a circulação de toda uma série de autores, de textos, que permitem construir uma ponte entre o Brasil e o resto da região. Que não tenha sido complicado não significa que não existam desafios e dimensões problemáticas que devam ser abordadas, porém posso dizer que, no meu caso particular, a crescente presença de crianças e adolescentes venezuelanos nas escolas, de migrantes na cidade, a existência de restaurantes típicos e empreendedoras (es) que oferecem a gastronomia do meu país têm me permitido incorporar elementos da Venezuela nas diferentes atividades que estou desenvolvendo tanto dentro como fora da Universidade.
Na sua avaliação, qual a função social da universidade pública enquanto instituição pública formadora?
Acho que tudo o mais que foi falado ilustra a perspectiva que tenho em relação ao papel da universidade pública enquanto instituição formadora. Não por acaso em tempos de ditaduras, de extremismos, fanatismos, as universidades são uma das instituições públicas que resultam mais atacadas. Na história política venezuelana há muitos exemplos disso no presente e no passado. Por isso, para mim, o estado de saúde cívica de um país passa pelo estado de saúde das suas universidades. Isso resume minha percepção.
Cátedra Sérgio Vieira de Mello e a UFJF
Em dezembro de 2021, foi feito um termo de parceria entre a UFJF e o Acnur para implementar a CSVM, que oferece atualmente 13 ações em diferentes áreas, com ações em ensino, pesquisa, extensão e internacionalização. O objetivo com a iniciativa é desenvolver atividades acadêmicas sobre, para e com pessoas refugiadas ou em situação de refúgio. Na UFJF, o projeto conta com suporte institucional da DRI e da Pró-reitoria de Extensão (Proex). Segundo o Acnur, atualmente a CSVM está presente em 42 instituições de Ensino Superior, localizadas em 13 estados e no Distrito Federal.
Na última quarta-feira, 19, a seção da CSVM na UFJF participou de atividade pelo Dia Nacional do Migrante e pelo Dia Mundial do Refugiado realizada no Centro de Referência da Assistência Social (Cras) do bairro Barbosa Lage, em Juiz de Fora. A Cátedra atuou na orientação jurídica e revalidação de diploma de pessoas presentes. Além disso, o encontro contou com a presença de integrantes dos projetos de empreendedorismo social Imigrasomos e Lucilla, promovidos pelo Time Enactus UFJF. As duas iniciativas atuaram na confecção de currículos e na regularização imigratória. Representantes da Liga Acadêmica de Odontologia Psicossocial (Laop/UFJF) e da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB/MG) – subseção Juiz de Fora também fizeram atendimentos no local.