Professor José Murillo Netto é o novo entrevistado do programa IdPesquisa (Foto: UFJF)

A enurese noturna – mais conhecida como “xixi na cama”- é a perda involuntária de urina durante o sono e ocorre com mais frequência em crianças a partir dos cinco anos de idade. Apesar da condição ser comum na infância e possuírem causas variadas, como imaturidade no sistema urinário, fatores genéticos e emocionais, a enurese pode afetar o bem-estar e autoestima da criança, além de gerar preocupação nos pais e responsáveis.

Este assunto é tema do novo episódio do programa IdPesquisa, com a presença do professor pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) José Murillo Netto, da Faculdade de Medicina da UFJF e coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Urologia (Nipu). O conteúdo já está disponível nas plataformas digitais da Universidade.



A enurese noturna pode ser classificada em duas categorias. A primária ocorre quando a criança nunca adquiriu o controle urinário durante o sono. Já a secundária se caracteriza pelo retorno da perda urinária após um período mínimo de seis meses de noites secas, ou seja, após a criança já ter desenvolvido o controle da micção.

Segundo Netto, as causas da enurese são diversas e podem incluir fatores genéticos, produção excessiva de urina à noite, sono muito profundo, bexiga pequena ou imatura, além de aspectos emocionais e psicológicos, como estresse, mudanças na rotina familiar ou situações traumáticas.

Em seu primeiro estudo à frente do Nipu, Netto coordenou uma pesquisa com mais de 500 crianças e adolescentes de escolas públicas de Juiz de Fora. O levantamento revelou que, entre os que apresentavam quadros de enurese, apenas 4,8% haviam procurado atendimento médico. Para o professor, esse número reflete uma cultura equivocada que encara o problema como algo que “se resolve com o tempo”. Ele alerta, no entanto, que o tratamento deve começar o quanto antes.

“A gente quer que melhore antes para essa criança não sofrer com isso durante muito tempo na vida. Isso causa diversos problemas comportamentais. Há também estudos nossos que mostram a piora da qualidade de vida dessas crianças em relação às crianças que não são enuréticas.” 

A pesquisa revela ainda uma prevalência de 14,9% de enurese noturna, sendo 86,58% primária e 13,41% secundária. Também foram observadas desigualdades raciais: 68,3% dos enuréticos eram negros ou pardos, enquanto apenas 31,7% eram brancos, o que indica maior proteção da população branca à condição.

Punição e problemas com autoestima

Outro dado preocupante do estudo foi a presença de punições aplicadas pelos responsáveis. De acordo com o professor, 100% das crianças atendidas relataram sofrer algum tipo de punição — desde agressões verbais até castigos físicos. “No nosso estudo, a gente constatou que 100% das crianças que nós atendemos sofriam algum tipo de punição, dentre elas, punição verbal, que seria os xingamentos, mas em torno de 50% a 60% sofriam punição física, mas sem contato, que são os castigos. Mas além disso, mais de 40% sofriam agressões físicas, o que é um problema de saúde pública.”

Além da violência, os impactos emocionais também são significativos. A enurese pode comprometer a autoestima e o desempenho escolar, especialmente quando associada a fatores psicológicos. Nesses casos, o acompanhamento com profissionais da saúde mental é fundamental. “São crianças que têm problemas como o afastamento social, como por exemplo, elas deixam de ir na noite do pijama, não podem fazer uma viagem com o time da escola, enfim, elas não podem participar de várias atividades porque vão fazer xixi na cama. Muitas que fazem, ficam com vergonha e sofrem muito com isso.”

O núcleo 

A enfermeira e doutoranda em saúde Hanny Franck integra a equipe multidisciplinar do Nipu, onde atua como pesquisadora (Foto: arquivo pessoal)

Coordenado pelo professor, o Nipu atua de forma abrangente no estudo das condições e doenças que afetam os sistemas urinário e genital. As atividades do núcleo envolvem desde pesquisas epidemiológicas até o monitoramento clínico e o desenvolvimento de tecnologias terapêuticas, com ênfase nos aspectos preventivos e na abordagem de doenças renais crônicas.

Além da produção científica, o núcleo se destaca pela formação de pesquisadores e pelo trabalho interdisciplinar, reunindo profissionais e estudantes da saúde para integrar ensino, pesquisa e extensão.

Uma das bolsistas do Nipu é a enfermeira e doutoranda em saúde Hanny Franck, que atua como pesquisadora em uma equipe multidisciplinar. Suas atividades incluem coleta e análise de dados, elaboração de projetos científicos, discussão metodológica e desenvolvimento de estratégias educativas voltadas à urologia e à pesquisa clínica. “Fazer parte das pesquisas e do atendimento a crianças com enurese e Disfunções do Trato Urinário Inferior (DTUI) é extremamente gratificante. É uma oportunidade de unir ciência e cuidado, proporcionando intervenções que realmente fazem diferença na vida das famílias. Como enfermeira, vejo o quanto a escuta qualificada, o acolhimento e o acompanhamento multiprofissional são essenciais nesse processo.”

Robson Paulo Dias, psicólogo e bolsista do Nipu, destaca o compromisso do núcleo com a condução ética das pesquisas e a busca por novos tratamentos que contribuam para a saúde da população (Foto: arquivo pessoal)

Para o psicólogo e também integrante do Nipu, Robson Paulo Dias, o núcleo está focado na pesquisa e em sua condução ética. Além disso, ela conta que o aperfeiçoamento da pesquisa de forma ética leva à segurança do participante de pesquisa, assim como a obtenção de novos achados melhorando a saúde da população, com a busca de novos tratamentos e entendimento das doenças.

“A equipe de pesquisa e tratamento das crianças com enurese dá a essas crianças e adolescentes o direito ao melhor tratamento, ajudando na elaboração de questões que vão da orgânica a psicológica, com toda marca psicológica causada por tal. Fazer parte dessa equipe traz a satisfação do aperfeiçoamento profissional e da melhor entrega do tratamento para os pacientes.”

Atendimento especializado no Hospital Universitário

Além da atuação acadêmica e científica, o professor também é responsável pelo setor de Urologia Pediátrica do Hospital Universitário da UFJF, sob gestão da Ebserh. No local, ele coordena o projeto de extensão “Atenção às Crianças Portadoras de Enurese Noturna”, que oferece acompanhamento gratuito a crianças com enurese noturna e incontinência urinária diurna.

Os atendimentos são realizados por uma equipe multidisciplinar, formada por enfermeiros, pediatras, fisioterapeutas e outros profissionais da saúde, que atuam de forma integrada no diagnóstico e tratamento dessas condições.

O projeto acontece todas as quintas-feiras, às 16h, no próprio Hospital Universitário. Para ter acesso ao atendimento, é necessário encaminhamento via Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da rede pública de saúde.

O episódio também está disponível em áudio.

Mais informações:

Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Urologia (Nipu)

Hospital Universitário

Faculdade de Medicina