Documentos em diversos suportes e formatos, muitos de raro valor histórico, poderão ser objeto de restauro e digitalização, permitindo maior acesso aos pesquisadores e à sociedade em geral (Foto: Carolina de Paula)

Em edital da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), cujo resultado final foi publicado no último dia 10, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) conseguiu aprovação de proposta para apoio à infraestrutura de seus acervos históricos e culturais. O investimento será aplicado por meio de dois subprojetos destinados à preservação de documentos e de obras artísticas,  digitalização e criação de repositório para os acervos.

Estarão contemplados os museus de Arte Murilo Mendes, de Arqueologia e Etnologia Americana, da Cultura Popular, da Moda Social, o Memorial da República Presidente Itamar Franco, o Centro de Conservação da Memória (Cecom), o Centro Integrado de Preservação Audiovisual, o Arquivo Central, entre outros locais de preservação da memória. 

Para o pró-reitor de Cultura, Marcos Medeiros, o aporte financeiro é muito significativo para a cidade e vai auxiliar a UFJF no cumprimento de uma de suas metas estratégicas: a criação de repositório digital para democratizar o acesso aos acervos. “Digitalizados, pessoas de qualquer lugar poderão ter acesso e isso contribui para que a gente possa ingressar em um sistema nacional e internacional de acervos.”

Os recursos serão aplicados na aquisição de materiais, equipamentos e mobiliário adequado para o acondicionamento físico dos acervos, na digitalização dos documentos e consequente criação do repositório, a partir de modelos eficientes de gestão e armazenamento de dados. Especificamente no Mamm, também será construída uma nova reserva técnica – local com condições adequadas para a conservação das obras. O projeto contempla mapotecas, estantes, trainéis, sistema de climatização e outras instalações.

A ideia é transformar esses museus, centros de memória, em locais em movimento que eles precisam ser – Marcus Medeiros, pró-reitor de Cultura

“Grupos de pesquisa poderão se debruçar sobre esses acervos para produzir conhecimento com auxílio de equipamentos a serem adquiridos. A ideia é transformar esses museus, centros de memória, em locais em movimento que eles precisam ser”, disse Medeiros. Segundo ele, poderão se beneficiar, principalmente, pesquisadores de história urbana, história regional e do Brasil, museologia, arquivologia, geografia, arqueologia, antropologia, preservação do patrimônio histórico e cultural, que tantas vezes carecem de fontes primárias e materiais de referência.

Na avaliação da pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa, Priscila de Faria Pinto, o trabalho coletivo da Universidade em torno do projeto foi “fundamental para a construção de propostas robustas e competitivas”. “Trata-se de uma grande oportunidade para fortalecer os setores com equipamentos de elevado custo, que permitirão uma melhor conservação, acesso e digitalização dos acervos, garantindo que todo o material esteja disponível para impulsionar diversos projetos envolvendo estudantes nas áreas de cultura, extensão, pesquisa e pós-graduação.”

O valor total investido pela Finep neste edital foi de R$250 milhões, divididos em duas linhas: acervos científicos e acervos históricos e culturais. A UFJF também concorreu com outra proposta para a linha acervos científicos, não contemplada.

Repositório digital permitirá popularização dos acervos

O subprojeto “Repositório Físico e Digital de Acervos Histórico e Culturais da UFJF”, sob coordenação do professor do Departamento de História e coordenador do Cecom, Marcos Olender, receberá o maior volume de recursos: R$5,9 milhões. Os acervos da Universidade, distribuídos em diversos setores, formam um patrimônio de inestimável relevância histórica e cultural, e muitos dos tesouros guardados nestes locais ainda estão sendo descobertos. 

“Prestamos um serviço que parece invisível, mas que resulta em teses, livros, pesquisas genealógicas pelos mais diversos interessados, pesquisadores do Brasil e do exterior”, diz a coordenadora do Arquivo Central da UFJF, Alessandra Germano (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

A coordenadora do Arquivo Central conta que, a partir da abertura de um processo de inventário solicitada por um herdeiro, os arquivistas se depararam com mapas de Juiz de Fora feitos à mão, usados para demarcação de terras no século XIX. Entre os acervos importantes da cidade, segundo Alessandra Germano, estão o do Fórum Benjamim Colucci, da Companhia Industrial, da Construtora Pantaleone Arcuri e da Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas. Também estão lá guardados acervos pessoais de nomes de relevância pública de Juiz de Fora e região, além de toda documentação da própria UFJF

O mais antigo processo registrado no Arquivo Central data de 1836. Alessandra estima que, se empilhados, todos os documentos do local alcançariam cerca de 1,5 mil metros de altura. São materiais de diferentes tipos, formatos e dimensões – como mapas, livros, fotografias, negativos -, exigindo procedimentos, equipamentos e técnicas específicas para conservação e digitalização. Outro espaço da Universidade com documentos valiosos é o Cecom, com todo o acervo do movimento estudantil e de Dormevilly Nóbrega, constituído por livros, jornais e recortes de diversos tipos, dos séculos XIX ao XXI.

Ainda não está estabelecido onde os equipamentos a serem adquiridos pelo projeto serão alocados. Entretanto, a expectativa da coordenadora do Arquivo Central é de que o setor receba mesas digitalizadoras de tamanho A1 (59,4 x 84,1 cm) e A0 (84,1 x 118,9 cm), bem maiores do que as existentes no local. Antes da digitalização, é preciso fazer o tratamento desses materiais, o que inclui higienização, planificação e pequenos reparos. Muitos dos documentos, por sua raridade ou delicado estado de conservação, não podem ser manuseados para consulta pelo público. 

O volume de arquivos digitalizados hoje no Arquivo Central é muito pequeno. Segundo Alessandra, esse trabalho não é sistematizado, sendo feito apenas a partir da demanda de usuários. Além das mesas de scanner, “é preciso ter a garantia de um espaço seguro de armazenagem dos arquivos digitais”, e esse parece ser o principal investimento a ser feito com os recursos do edital. 

Não adianta um esforço enorme e não atingir as pessoas. É preciso colocar para o mundo a importância do que temos aqui dentro – arquivista e coordenadora do Arquivo Central, Alessandra Germano

O repositório dos acervos digitalizados será utilizado por todos os setores de preservação e memória contemplados na UFJF, e terá acesso gratuito e de forma integral por qualquer usuário. Para sua criação, está previsto o uso do plugin Tainacan, ferramenta de código aberto voltada para a gestão de acervos culturais. O projeto também inclui o desenvolvimento de plataformas multimídias como aplicativos para Android, IOS e HTML5, com intenção de facilitar a popularização e também permitir o uso didático-educativo dos acervos.

“Não adianta um esforço enorme e não atingir as pessoas. É preciso colocar para o mundo a importância do que temos aqui dentro”, disse Alessandra em referência ao acesso aos acervos, que já foram demandados por pesquisadores de todo Brasil e do exterior. 

Para essa fase de tratamento digital, o projeto contará com o apoio da “Rede Integrada de Pesquisa em Alta Velocidade”, liderada pelo Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação da UFJF, além da Pró-reitoria de Sistema de Dados e Avaliação (Prosdav). Outros programas da instituição também estarão envolvidos na iniciativa, que tem caráter multidisciplinar.

Fortalecendo o coração do Mamm

Para o superintendente do Mamm, Aloisio de Castro, investimento é a concretização de um projeto ambicionado há muito tempo (Foto: Carolina de Paula)

“Ao completar 20 anos, o Museu de Arte Murilo Mendes comemora a concretização de um projeto ambicionado há muito tempo: sua nova reserva técnica museológica”, conta o superintendente do museu Aloisio de Castro, responsável pelo subprojeto “Reformulação da Reserva Técnica do Museu de Arte Murilo Mendes”, contemplado com R$1,1 milhão.

Segundo ele, esse é o maior montante recebido pelo Museu desde a sua fundação, em 2005. “As linhas inéditas do edital são um marco relevante na história recente do setor. Iniciativas como essa são fundamentais para a cadeia operatória de pesquisa, preservação e difusão do patrimônio museal universitário brasileiro”, afirma. “Não há dúvida de que a infraestrutura tecnológica de preservação a ser implementada resultará em uma reserva técnica pautada em padrões assinalados no cenário internacional”.

Na reserva técnica, os objetos que compõem um acervo encontram-se armazenados sob condições que favorecem a preservação dos objetos. “O objetivo principal é minimizar o envelhecimento e a deterioração das coleções museológicas”, explica Castro. Para isso, são levadas em conta questões que vão do projeto arquitetônico ao monitoramento do clima e da umidade relativa do ar e da luz, incluindo  o mobiliário de armazenamento, além do manuseio e da consulta do acervo pelos pesquisadores.

“Dizemos que as galerias de exposição são a face de um museu, enquanto a reserva técnica é o coração”, compara o restaurador. “Por isso, é fundamental que esse espaço seja projetado, conservado e monitorado a partir de princípios, conceitos e paradigmas da Ciência do Patrimônio”, acrescenta.

Entre 2019 e 2022, o acervo do Mamm registrou um crescimento de 30%, em razão de recentes aquisições, participação em editais e doações recebidas. Entre elas, estão as coleções “Amigos da Gravura”, “Museus Castro Maya”, “Fayga Ostrower”, “Itaú Cultural”, “Angelo Bigi”, “Arte Contemporânea” e “Memória Juiz de Fora”. Como consequência desses acréscimos, a atual estrutura da reserva técnica do museu se tornou insuficiente. Além disso, a presença de algumas condições adversas, em conjunto com a utilização de equipamentos considerados obsoletos, poderia gerar deterioração, danos e lesões mecânicas às coleções.  

Sistema de trainéis abriga as pinturas de cavalete dentro da reserva técnica (Foto: Carolina de Paula / UFJF)

O novo local, no pavimento térreo do edifício, ocupará uma área cerca de 300% maior do que a atual reserva técnica. Será adquirido um novo sistema de trainéis de grandes dimensões, além de sete mapotecas com gavetas também de grande formato. Está prevista, ainda, a compra de quatro plataformas de acondicionamento para esculturas e de um equipamento que funcionará como carro de transporte para as obras de arte dentro do museu. Além disso, quatro desumidificadores de caráter industrial funcionarão em conjunto com os sistemas de refrigeração e de monitoramento climático dentro da reserva.

“Desse modo, adotaremos padrões museológicos internacionais que visam garantir a integridade física dos bens musealizados e, por consequência, ações de proteção, pesquisa, digitalização, disseminação e acesso universal ao relevante patrimônio cultural e artístico salvaguardado pelo Mamm”, observa Castro.

Celeiro material de investigação

Além da alta valoração intrínseca das coleções que integram o patrimônio do Mamm, Aloisio de Castro aponta outro fator que levou a proposta do Mamm a ser contemplada: as potencialidades do museu para o desenvolvimento de pesquisa acadêmica a partir de seu acervo, considerado um repositório nacional privilegiado de coleções sobre o modernismo brasileiro e internacional.  “[É um] celeiro material de investigação, tanto em relação à memória da área que representa, quanto por meio da capacidade instalada no que compete à revisão de teorias ou à proposição de novas pesquisas”, explica. 

Para que os bens culturais musealizados continuem produzindo conhecimento em diálogo profícuo com a pesquisa científica, é fundamental que eles sejam preservados da maneira correta –  Aloisio de Castro, restaurador e superintendente do Mamm

De olhar aguçado para as manifestações culturais, Murilo Mendes envolveu-se com os movimentos artísticos de sua época, deixando um acervo relacionado sobretudo ao Surrealismo, ao Abstracionismo e ao Construtivismo do período pós-Segunda Guerra Mundial. Entre as obras, há nomes de notória importância na história da arte internacional, como Pablo Picasso, Georges Braque e Joan Miró, entre outros. No conjunto da arte brasileira, destacam-se Ismael Nery, Guignard e Candido Portinari, entre muitos outros.

Valtencir Almeida, conservador-restaurador de bens culturais, e Aloisio de Castro, superintendente do Mamm. A reserva técnica do Mamm preserva obras de grandes nomes do Modernismo no Brasil e no exterior (Foto: Carolina de Paula / UFJF)

“Para que os bens culturais musealizados continuem produzindo conhecimento em diálogo profícuo com a pesquisa científica, é fundamental que eles sejam preservados da maneira correta”, cita o superintendente em referência a perdas de importantes de coleções museológicas universitárias como o incêndio de grandes proporções que destruiu as coleções das áreas expositivas e de reservas técnicas do Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Além da equipe do Mamm, o projeto prevê a participação de dez pesquisadores doutores da UFJF. Hoje, entre os agentes já envolvidos com a produção científica dentro do Museu, destacam-se o Programa de Pós-graduação em Artes, Cultura e Linguagens (PPGACL) e o Programa de Pós-graduação em História (PPGH), além de diversos grupos de pesquisa da universidade cadastrados no CNPq. 

Todos os espaços de cultura e memória da instituição são abertos ao público com entrada gratuita. Acesse as páginas para mais informações sobre horários de funcionamento.

Arquivo central

Composto por duas unidades, uma responsável pelo Sistema Eletrônico de Informações (SEI), Setores de Sistema de Arquivos e de Arquivos Intermediários, que fica localizada no Campus Universitário; e outra de Arquivos Permanentes e de Preservação, na Av. Rio Branco 3.460 – Fundos – Alto dos Passos, Juiz de Fora.

Museu de Arte Murilo Mendes

Rua Benjamin Constant, 790, Centro, Juiz de Fora.

Memorial da República Itamar Franco

Rua Benjamin Constant, 760 – Centro, Juiz de Fora.

Museu da Cultura Popular

Rua Santo Antônio, 1112 – Centro, Juiz de Fora.

Museu da Moda Social

Localizado na Escola de Artes Pró-Música, Anexo, na Av. Barão do Rio Branco, 3372 – Passos, Juiz de Fora.

Museu de Arqueologia e Etnologia Americana

Avenida Barão do Rio Branco, 3460 – Centro, Juiz de Fora.

Centro de Conservação da Memória

Avenida Getúlio Vargas, 763 (entrada pela rua Floriano Peixoto) – Centro, Juiz de Fora.

Centro Integrado de Preservação Audiovisual

Avenida Getúlio Vargas, 763 (entrada pela rua Floriano Peixoto) – Centro, Juiz de Fora.