Você acompanha as notícias sobre a política de drogas no Brasil? Foi esse o assunto do bate-papo que aconteceu na última quinta-feira, 5, na Escola Estadual Batista de Oliveira. O pesquisador Marcelo Campos, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), retornou à escola para conversar com os alunos sobre a Lei de Drogas (Lei nº 11.343), no Brasil.
O encontro faz parte do projeto de extensão “A ciência que fazemos”, que tem como objetivo desmistificar a imagem do cientista e aproximar a pesquisa acadêmica da comunidade.
“O papel da sociologia é mostrar, cientificamente, o óbvio”
O cientista inicia a conversa parafraseando o sociólogo francês Pierre Bourdieu, dizendo que “o papel da sociologia é mostrar, cientificamente, o óbvio” e, nesse viés, conta sobre sua pesquisa dentro da universidade. “Eu dedico minha vida a mostrar como algumas instituições e algumas leis podem produzir desigualdades. No Brasil, a lei se diz igual e válida para todos, mas não é bem assim que funciona”, comenta Campos.
O pesquisador visitou a mesma turma no último ano, e durante a conversa, trouxe novas informações e contou sobre as mudanças recentes feitas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ele compara essas mudanças com o cenário do ano anterior e comenta sobre como essas políticas são capazes de impactar na vida deles.
A mais recente delas, por exemplo, é o Recurso Extraordinário (RE) do STF, que descriminalizou o porte da maconha. “Foi permitido o porte de até quarenta gramas de cannabis e o plantio para fins medicinais”, explica o cientista.
Entretanto, há um embate dessa Lei com o Congresso Nacional, após o surgimento de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/23, que criminaliza novamente o porte de drogas. “Nós temos duas instituições no Brasil disputando com visões diferentes. A legislação diz uma coisa e o congresso diz outra. Esse é um conflito que a sociologia estuda”, completa.
Quem é punido pela lei?
Antes da lei de 2006, a pena mínima para o crime de tráfico era de três anos. Agora, é de cinco. Com isso, houve também um aumento nas prisões por tráfico no país. “Em 2005, antes da lei, havia cerca de 32 mil presos por drogas no Brasil. Atualmente, são por volta de 180 mil”, revela Campos.
Diante disso, o pesquisador questiona os alunos sobre o perfil predominante das pessoas que são presas por tráfico de drogas. Raça, classe social, escolaridade e gênero foram alguns dos tópicos levantados pelos alunos.
Luiz Augusto Vieira, de 15 anos, pergunta se o racismo influencia nesse alto índice de negros que são condenados e a resposta é imediata. “Claro! Estamos falando de aplicação desigual de uma lei. Porque ainda vivemos em um sistema de justiça que ainda é formado por pessoas, sobretudo no topo da Constituição, brancas”, explana Campos.
Uso de drogas: uma questão de saúde
O pesquisador termina o encontro com uma simples comparação: enche um copo d’água quase por completo e mostra aos alunos. “O Brasil está com o copo cheio de prisões e vazio quando o assunto é saúde pública. No Canadá, acontece exatamente o contrário”, conta o cientista. Ele, que fez doutorado sanduíche pelo Department of Criminology da University of Ottawa, explicou para os alunos o processo da legalização no país e as diferenças entre o Canadá e o Brasil.
“O Canadá teve um problema muito sério com o uso de heroína”, lembra Campos. Para combater esta situação, programas de injeção de drogas que substituíssem a heroína foram implementados, como o Methadone Maintenance Treatment. Além disso, o Canadá foi o primeiro país a legalizar a cannabis medicinal, em 2001 e o segundo a legalizar a cannabis recreativa, em outubro de 2018.
Próxima parada: UFJF
Campos fala sobre a importância da universidade como um próximo passo no futuro dos estudantes: “o motivo de estarmos aqui hoje é para recebermos vocês no futuro, na UFJF. Continuar na educação pública, na educação que a gente acredita”.
A professora Ludmila Lacerda esteve presente nos dois encontros com o pesquisador e conta que o retorno foi muito relevante porque houve uma atualização recente na legislação e ela está diretamente relacionada ao tema da visita anterior. “O projeto possibilita novos olhares dos alunos para a universidade pública e a ciência, aproxima a ciência da nossa realidade, trazendo uma nova perspectiva de futuro para os alunos”, revela Ludmila.
Ciência que fazemos
O projeto “A Ciência que Fazemos” é um projeto de extensão da UFJF que tem como objetivo principal promover a divulgação científica nas escolas de ensino fundamental e médio. Através de visitas de pesquisadores às escolas, a iniciativa aproxima a ciência do cotidiano dos estudantes, incentivando a curiosidade, o pensamento crítico e a cidadania científica.
Ao abordar temas variados, desde questões sociais complexas como o bullying até o papel da química em nossas vidas diárias, o projeto torna a ciência mais acessível e relevante para os estudantes. O intuito é que esses encontros promovam um espaço de diálogo e troca de experiências, e que os alunos possam enxergar o potencial da ciência como uma ferramenta para entender o mundo ao seu redor e, eventualmente, como uma possível carreira.
Para acompanhar as atividades do projeto e saber mais sobre os temas discutidos, siga @cienciaufjf no Instagram.