A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) é parte do futuro: por meio do trabalho de pesquisadores da instituição, ela integra o Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (Fórum SBTVD) e é parceira no desenvolvimento da TV 3.0. Conhecida como a “televisão do futuro”, essa tecnologia combina broadcast (transmissão de sons e imagens via rádio ou televisão) e broadband (internet), oferecendo uma experiência televisiva mais personalizada, ágil e flexível.
Os trabalhos na instituição são liderados pelos professores Marcelo Moreno e Eduardo Barrére, responsáveis pelo Laboratório de Aplicação e Pesquisa em Computação (LApIC), juntamente com o professor Carlos Pernisa Júnior, que coordena o Laboratório de Mídia Digital da Faculdade de Comunicação (Facom), ao lado de Moreno.
O que torna a TV 3.0 tão especial?
Além da qualidade de imagem superior, com transmissões em 4K e 8K e contrastes aprimorados por tecnologias de High Dynamic Range (HDR), a TV 3.0 oferece recursos inovadores. Entre eles estão o áudio imersivo (áudio 3D), interação direta com espectadores por meio de enquetes e comentários ao vivo, integração com redes sociais e tradutores em Libras. Outra grande novidade é que os canais abertos se transformarão em aplicativos.
É exatamente nessa última parte que a equipe de pesquisadores da UFJF, coordenados pelo professor Marcelo Moreno, está se debruçando: a criação de aplicativos e perfis de telespectadores. De acordo com Moreno, a ideia é que, ao ligar a TV, as pessoas criem um perfil com seus dados e interesses, parecido com o que acontece com os canais de streaming. “Assim, cada aplicativo poderá utilizar suas informações para fornecer um conteúdo específico e de acordo com o seu perfil, podendo fazer recomendações de conteúdos”, explica Moreno, reforçando que todas essas informações teriam que ser obtidas com consentimento.
A ideia de criar essa nova televisão surgiu em 2020, com o objetivo de integrar todos os benefícios da conectividade e da TV conectada às experiências com a TV aberta, permitindo que os telespectadores possam realmente evoluir para um cenário mais conectado. “Falamos sobre interatividade há muito tempo, desde as definições dos padrões para a televisão digital em 2007, mas essa interatividade nunca foi amplamente utilizada como agora”, relembra Moreno.
Segundo o pesquisador, a maioria das pessoas já possui uma televisão interativa em casa, mas as emissoras não disponibilizam a opção de interação devido a um cenário complexo e de baixa adesão, que tende a mudar com a nova geração. “Para termos essa mudança significativa, considerando que as pessoas estão cada vez mais acostumadas com streaming e outros portais de vídeo, queremos unir os dois mundos: o que a TV aberta oferece e o que temos atualmente. Se juntarmos os dois níveis, como será? Daí surge essa ideia.”
Uma nova experiência em “zapear os canais”
A tradicional varredura de canais por antena está prestes a se transformar. A principal mudança, na qual a Universidade também está trabalhando, é na transformação dos canais da TV aberta em aplicativos, de maneira similar às plataformas de streaming, como Netflix e Prime Video. Essa inovação permitirá que as emissoras de canais abertos ofereçam experiências personalizadas, proporcionando aos espectadores tanto transmissões ao vivo quanto conteúdos sob demanda, algo anteriormente restrito aos usuários de SmartTVs e serviços de streaming.
Além de transformar os canais abertos em aplicativos, os telespectadores também poderão organizar esses canais de acordo com suas preferências. “Os números dos canais deixarão de existir. A proposta é que, ao criar um perfil na televisão, a pessoa possa organizar os canais na ordem que preferir. Por exemplo, Globo, seguida pela Band, TV Legislativa e TV Cultura. Não haverá uma ordem fixa para esses canais”, explica Moreno.
Apesar das mudanças, uma característica essencial de assistir televisão, que é “zapear” pelos canais em busca de uma programação interessante, segundo o pesquisador, será preservada, garantindo que essa prática tradicional não seja afetada.
Na avaliação do professor Carlos Pernisa Júnior, estamos diante de algo inovador. “O anúncio feito recentemente pelo governo focou muito na questão da qualidade de som e imagem. No entanto, a proposta da nova televisão 3.0 vai além disso.” Para ele, a nova televisão propõe uma ideia que vai além do ato de sentar para assistir.
“Você continua assistindo a televisão, mas as pessoas terão mais chances de participar. Hoje temos a interação por meio das redes sociais, de comentar no Facebook, grupos de WhatsApp ou no Twitter. Não é essa a ideia. O que a gente tá falando é de uma interação com a própria programação ao vivo e contribuindo com a programação. Isso vai de acordo com as propostas das emissoras. Então, hoje, teríamos um telespectador/interator”, elucida Pernisa Júnior.
Parceria com a UFMA
Entre as universidades parceiras na elaboração dos aplicativos, a UFJF conta com a participação ativa da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) neste projeto. A coordenadora do Laboratório Comunication & Techonology Collection Lab (CTCLab), Li Chang Shuen Cristina Silva Sousa, expressa entusiasmo com essa colaboração, acreditando que a união de esforços e expertise é oportuna para a criação de uma tecnologia inovadora, diferente de tudo o que já foi feito antes.
Li-Chang Shuen explica que, para promover a adesão a esta nova tecnologia, as universidades estabeleceram parcerias para realizar pesquisas com grupos focais, compostos por oito participantes, além de conduzir uma pesquisa pública. Nos grupos focais, a equipe conta com a participação de oito perfis de telespectadores – incluindo uma pessoa com deficiência visual, um adolescente, um idoso, alguém que tenha feito estudos somente até o ensino fundamental e que recebe um salário mínimo, um telespectador sem acesso à internet em casa, entre outros. Cada apresentação de um novo protótipo é avaliada por esse grupo diversificado de participantes.
Pesquisa de opinião em amostra aleatória realizada entre os dias 6 de dezembro de 2023 e 20 de janeiro de 2024, com o objetivo de avaliar a receptividade do modelo e do conceito de TV orientada por aplicativos, apresentou resultado de 95% de índice de confiança por parte dos entrevistados, com margem de erro de 5%. A pesquisa ouviu 385 pessoas na Ilha de São Luís, no Maranhão, que comporta cerca de quatro municípios.
A pesquisadora acredita que a maior dificuldade de adaptação será em relação às pessoas de baixa escolaridade e renda. “Elas vão precisar de letramento digital, além de acesso às SmartTVs, pois muitas famílias ainda não possuem uma em casa”, explica. “Deve-se ressaltar que o letramento digital é um aprendizado. As pessoas mais jovens, da geração Z, nasceram no mundo digital, então elas são nativas digitais. Pessoas da minha idade, nós fomos alfabetizadas digitalmente, porque viemos de um mundo analógico e aprendemos a lidar com as tecnologias. Existem também aquelas que chamamos de iletrados digitais, que não possuem este contato com a tecnologia, devendo ter nossa maior atenção.”
Apesar do desafio, o resultado da pesquisa foi positivo, já que a maioria compreende o conceito da TV orientada a aplicativos, não sendo um problema a mudança de paradigmas. Por isso, foi avaliada como positiva a possibilidade de alterar o fluxo da programação, de acordo com a conveniência do telespectador. “Não precisam mais esperar a novela das 11h, se puderem assistir às 6h, caso esteja disponível no streaming da emissora”, conclui Sousa. Confira o resultado da pesquisa pública.
Comunicação e a Ciência da Computação como parceiras
A junção das áreas chama atenção, já que são tradicionalmente vistas como disciplinas distintas e com pouco diálogo entre si. No entanto, para a professora Sousa, essa visão é equivocada. Ela argumenta que a comunicação está intrinsecamente ligada à tecnologia e à computação, sendo inconcebível o desenvolvimento de dispositivos tecnológicos sem a participação de profissionais de comunicação. “A televisão no Brasil, assim como a radiodifusão, é uma tecnologia social, transversal e interdisciplinar.”
Assim como na UFJF, os grupos de pesquisa da UFMA que atuam no desenvolvimento da nova tecnologia são das áreas de Comunicação e Ciência da Computação. Na Comunicação, é o laboratório CTCLab, coordenado pela professora Sousa. Em parceria, o Laboratório de TeleMídia, sob a coordenação do professor Carlos Salles, também participa ativamente no projeto.
“Este contato é fundamental”, reforça o professor Pernisa Júnior. “As pessoas do Fórum não tinham visto essa interação antes e ficaram surpresas com essa troca”, afirma ao relembrar do momento em que as equipes foram apresentadas aos membros do Fórum SBTVD. “Quando o professor Marcelo vem com uma proposta de uma TV orientada a aplicativos, não adianta apresentar apenas uma solução tecnológica. É preciso profissionais da comunicação social que apresentem outras propostas ligadas à radiodifusão, pensando em como o telespectador irá receber todas essas informações”, conclui o pesquisador, reforçando que a UFJF é uma das poucas universidades que atuam com essa parceria.
Evento WebMídia na UFJF
Entre os dias 14 e 18 de outubro, a UFJF promove o 30° Simpósio Brasileiro de Sistemas Multimídia e Web (WebMídia), o principal evento sobre o tema no Brasil. O simpósio promove o intercâmbio científico e técnico entre alunos, pesquisadores e profissionais das áreas de multimídia, hipermídia e web. O evento é organizado anualmente pela Sociedade Brasileira de Computação (SBC).
Interessados em submeter trabalhos para a Trilha Principal do evento, descrevendo soluções que avancem o estado da arte nas áreas de Multimídia, Hipermídia e Web, devem encaminhá-los eletronicamente pelo Sistema JEMS da SBC, em formato PDF, seguindo o template padrão do WebMídia. As submissões podem ser feitas até 17 de junho.
A novidade desta edição é que os trabalhos aceitos em todas as trilhas do WebMídia que tenham impacto social poderão concorrer ao Prêmio LF de Computação. Os autores dos artigos aceitos receberão mais informações sobre o prêmio oportunamente.