Salas de atendimento médico lotadas, corrida por repelentes nas farmácias e falta de estoque de vacinas. O período em que a dengue frequentemente faz vítimas no Brasil chegou mais cedo, neste ano, trazendo números alarmantes – até o momento, 688 mil casos. Também foram confirmadas 122 mortes pela doença e outras centenas estão sob investigação. Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), dois laboratórios têm trabalhado sob intensa demanda, neste início de ano, para realizar as análises de testes moleculares de dengue, zika e chikungunya, as chamadas arboviroses.
Cerca de 300 amostras têm sido recebidas para análise semanalmente na UFJF. O Laboratório de Biologia Molecular da Faculdade de Farmácia cobre a região da Superintendência Estadual de Saúde de Juiz de Fora; e o Centro de Estudos em Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (Cemic/ICB), a Gerência de Saúde de Leopoldina. Ao todo, atendem 52 municípios mineiros em uma área de 1 milhão de habitantes.
De acordo com o diretor da Faculdade de Farmácia, Marcelo Silvério, a unidade recebe cerca de 150 amostras por semana para testes de arboviroses, sendo o índice de positividade de 25%, com prevalência para o tipo 1 da dengue. Já no Cemic, que recebe a outra parcela das amostras, a positividade chega a 60%, segundo a coordenadora, professora Vanessa Cordeiro Dias.
“Com temperaturas mais altas e elevados índices pluviométricos, é possível maior proliferação do mosquito. A população de Leopoldina e região deve ficar em alerta. Outro alerta é sobre o período certo para coleta do sangue para fazer o exame de RT-PCR: é importante coletar até o quinto dia de sintomas. Depois disso, a probabilidade de encontrar o vírus diminui”, explica Vanessa. Confira um pouco do trabalho de análise realizado no Cemic/ICB:
Ambos os laboratórios são credenciados desde 2020 pelo governo estadual e atuaram fortemente na epidemia de Covid-19, tornando-se centros colaboradores da Rede de Laboratórios de Saúde Pública de Minas Gerais. Também realizam testes moleculares para febre amarela, além da Covid e das arboviroses.
“A parceria abriu grandes oportunidades. Atualmente, nesse âmbito, temos diversos projetos sendo desenvolvidos, incluindo pesquisa e desenvolvimento, iniciação científica, extensão e treinamento profissional”, destaca Silvério. O mesmo vale para o Cemic, que, além de projetos, tem sediado disciplinas de cursos de saúde, capacitando alunos na área de biologia molecular.
Doença requer atenção
Os sintomas da dengue são conhecidos: febre alta, dores de cabeça, atrás dos olhos e no corpo. Além disso, os pacientes podem apresentar diarreia, vômito e manchas no corpo. O médico infectologista Rodrigo Daniel, do Hospital Universitário da UFJF, explica que qualquer pessoa com esses sintomas deve procurar atendimento médico e evitar a automedicação. Só assim será possível uma avaliação em relação ao tratamento e a necessidade ou não de internação.
Sinais de alerta incluem sangramento das mucosas, desmaio, dor na barriga que não passa e vômitos que não melhoram com remédios.
Segundo o médico, são sinais de alarme: sangramento das mucosas, desmaio, dor na barriga que não passa e vômitos que não melhoram com remédios. Tais situações, até mesmo em pacientes que se sentem bem, podem ser indicativas de possível complicação. Grupos de risco, como pessoas idosas, crianças pequenas, com diabetes, enfisema pulmonar, indivíduos com alterações imunes, anemia falciforme e reumatismos, também precisam ficar mais atentos no caso de suspeita de dengue, zika ou chikungunya.
Para aqueles que já tiveram a doença, a segunda infecção pode ter maior gravidade. “Isso porque a resposta imune a um segundo sorotipo tende a ser uma resposta desorganizada e causar mais inflamação do que defesa”, explica o infectologista.
Como as manifestações das três arboviroses são muito semelhantes, o tratamento inicial será o mesmo, sintomático e à base de hidratação. Confirmado o diagnóstico, em um segundo momento, será possível traçar estratégias diferentes no caso da dengue, zika ou chikungunya, diz o médico.
O vilão
Não há paz possível quando o Aedes aegypti está por perto. Com hábitos mais diurnos, preferindo áreas sombreadas e frescas, assim que detecta sua vítima, o mosquito vai em busca do sangue. Somente as fêmeas picam, utilizando o sangue para procriar, colocando de 30 a cem ovos a cada ciclo de reprodução. Para depositá-los, escolhem, preferencialmente, água parada, limpa e em áreas frescas.
O comportamento do inseto é explicado pelo professor do Departamento de Zoologia da UFJF, Fábio Prezoto, que alerta para a grande calamidade enfrentada pelo Brasil. Os dados, segundo ele, mostram um número quatro vezes maior de casos de dengue do que, no ano passado, no Brasil, sendo esse índice superior em Minas Gerais. Os números surpreendem até as estimativas dos cientistas, que já previam uma maior prevalência da doença neste ano.
“Há um padrão no Brasil: existem anos com muitos casos, de forma atípica, e, nos anos seguintes, costuma haver uma redução – muito em função da campanha, da conscientização. Muitas vezes algum familiar contrai a doença e aquela família se torna mais atenta a combater o mosquito. Mas isso também gera um revés – após um ou dois anos com relativa normalidade, as pessoas relaxam os cuidados e os casos tendem a aumentar”, explica o professor.
Ainda segundo Prezoto, as questões climáticas também possuem peso considerável em relação às arboviroses. “A combinação de temperaturas elevadas, com a maior pluviosidade, nas épocas quentes do ano, elevam a presença do mosquito.”
Eliminar os criadouros continua sendo a melhor estratégia de combate e, para isso, o engajamento da sociedade é fundamental na efetividade das campanhas. O pesquisador vê com entusiasmo a chegada da vacina contra a doença. Afirma, ainda, que o controle do mosquito é um campo constante de pesquisa na área da biologia – como modificação genética da espécie, uso de bactérias que dificultam a picada do inseto, controle biológico, fomento de inimigos naturais, entre outras estratégias promissoras.