Mostra reúne mais de 80 itens do acervo do Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM/UFJF), entre obras de arte e livros raros (Foto: Estúdio em obra/MAM São Paulo)

A mostra Murilo Mendes, poeta crítico: o infinito íntimo, do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, venceu o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) de 2023 na categoria Exposição Nacional. Mais de 80 itens do acervo do Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm/UFJF), entre obras de arte e livros raros, participaram da curadoria realizada pelos pesquisadores Lorenzo Mammì, Maria Betânia Amoroso e Taisa Palhares.

A mostra coletiva, encerrada no dia 28 de janeiro, apresentou a singularidade da atuação de Murilo Mendes (1901-1975) como crítico de arte e agente cultural, levando mais de 30 mil visitantes à sala Milú Villela – maior espaço expositivo do museu. Em destaque, obras de artistas cujas histórias se entrelaçam com a de Mendes, como Alfredo Volpi, Cícero Dias, Djanira da Motta e Silva, Flávio de Carvalho, Ismael Nery, Giorgio De Chirico, Joan Miró, Maria Martins e Pablo Picasso.

Em nota publicada nas redes sociais, o MAM São Paulo agradeceu aos curadores, as equipes e aos parceiros que colaboraram com a realização desta mostra, em especial, ao Mamm/UFJF, considerado pela instituição parceiro fundamental nesta exposição.

A Pró-Reitora de Cultura da UFJF, Valéria Faria, afirma que recebeu com grande satisfação e orgulho a notícia da premiação: “essa premiação é um testemunho da excelência e dedicação das equipes envolvidas. Em nome da Pró-Reitoria de Cultura da UFJF, gostaria de parabenizar a todos que tornaram possível essa exposição notável, desde os curadores até os colaboradores. Em especial, expresso minha gratidão à equipe do Mamm/UFJF, que desempenhou papel fundamental no processo de planejamento e execução da mostra. A colaboração entre as instituições culturais é essencial para promover o intercâmbio cultural e garantir que cada vez mais pessoas possam ter acesso a estes acervos e ao legado de Murilo Mendes. Estamos felizes em fazer parte desse esforço conjunto e agradecemos ao MAM São Paulo pelo reconhecimento”.

“A conquista da premiação vem coroar a exitosa parceria institucional estabelecida entre o MAM São Paulo e o Mamm/UFJF. Com sucesso de crítica e de visitação pública, consolidamos a oportunidade ímpar de divulgar a Coleção Murilo Mendes para além dos limites geográficos de Juiz de Fora, evidenciando a importância do nosso museu como repositório privilegiado do modernismo internacional e nacional”, complementa o superintendente do Mamm, Aloisio Castro.

A curadoria
Dividida em três núcleos, Murilo Mendes, poeta crítico: o infinito íntimo retratou o círculo de amizades de Mendes e Ismael Nery no Rio de Janeiro nas décadas de 1920 e 1930; o período em que o juiz-forano já tinha se tornado um poeta famoso e crítico influente e montava sua coleção em viagens à Europa; e o momento em que viveu em Roma e contribuiu com a curadoria da Bienal de Veneza de 1964.

Mammì revela que a ideia inicial para a mostra foi de Maria Betânia, que há muito tempo estuda Murilo, sobretudo seus anos romanos. A relação da pesquisadora com o acervo muriliano é antiga: ela recorda que visitou Juiz de Fora pela primeira vez ainda no antigo Centro de Estudos Murilo Mendes, em 2001.

“No centenário de nascimento do poeta foi quando, pela primeira vez, tive a dimensão da riqueza (em todos os sentidos) da coleção. Na exposição comemorativa de 2001, organizada por Júlio Castañon, as obras de artistas italianos despertaram meu interesse sobre Murilo crítico e colecionador. Essa primeira visita se desdobrou em uma colaboração muito fecunda com o Mamm/UFJF que resultou, depois de ciclos de jornadas de estudo, na publicação, em 2013, pelo Selo Mamm e Editora da Unesp, de minha tese de livre docência, intitulada Murilo Mendes: o poeta brasileiro de Roma”, rememora Maria Betânia.

O grupo se formou a partir de outras pesquisas, como conta Mammì: “eu tinha escrito, a convite dela, um ensaio sobre a relação de Murilo com os artistas e críticos italianos e Taisa Palhares é autora de uma monografia importante sobre Guignard. Acredito que nossas diferentes linhas de pesquisa ajudaram a produzir um resultado mais facetado e completo”.

“Nós constatamos que Murilo foi um agente importante, participando do debate em torno das artes plásticas não apenas como testemunha interessada, mas como alguém que tinha algo a dizer e se posicionava em relação ao meio”, complementa Taisa.

Olhares sobre Murilo Mendes 

Durante os cinco meses em cartaz, a mostra foi destaque em grandes veículos de comunicação, como o jornal O Estado de São Paulo, a revista Veja São Paulo e o portal CASACOR. Contou, ainda, com um minidocumentário, produzido pela equipe do MAM São Paulo, com entrevistas com os curadores  (Foto: Estúdio em obra/MAM São Paulo)

A mostra contou com um catálogo com as obras selecionadas pela curadoria e a linha do tempo da vida e produção intelectual de Murilo Mendes. Apresentou, ainda, pesquisas realizadas pelos curadores e pelo superintendente do Mamm/UFJF, Aloisio Castro, e o pesquisador Fabiano Cataldo.

No texto “Murilo Mendes: a arte como uma realidade autre”, Taisa Palhares escreve que podemos supor que a coleção de Murilo Mendes, ao lado da de Mário de Andrade, foi uma das mais importantes do Brasil no que diz respeito à história da arte moderna brasileira da primeira metade do século XX. Ela comenta que a afirmação é baseada na lista que enumera as obras brasileiras que Mendes possuía antes de se mudar para a Europa, na troca de cartas com artistas como Lasar Segall e em fotografias de época de seu apartamento ou quarto de pensão no Rio de Janeiro. “Tudo indica que assim como Mário, Murilo se preocupava em construir uma coleção com um sentido específico, ou seja, voltada para compreensão da arte brasileira a partir de um viés moderno”, declara.

Maria Betânia Amoroso, em “Murilo Mendes poeta-crítico”, discorre sobre a produção crítica do juiz-forano e as relações possíveis entre os atos de olhar, escrever e colecionar. De acordo com a pesquisadora, parte da poética muriliana girou ao redor da composição de poemas construídos de modo a resultarem em imagens que surpreendiam pela audácia e frescor. Além disso, ela destaca a presença constante, desde os anos iniciais da década de 1920-1930, de observações do poeta sobre as artes plásticas, que, segundo ela, muito deviam à convivência de Mendes com o pintor e desenhista Ismael Nery. “Me parece que, além de não existir, no período, uma separação rígida entre o mundo das letras e o mundo das artes visuais para os poetas e pintores, as discussões eram comuns, tendo como centro as artes na modernidade e as formas que assumiam no Brasil. É como se as premissas para escrever poemas fossem intercambiáveis com as premissas para fazer um quadro ou desenho”, expõe. Ainda sobre o tema, Maria Betânia declara que, ao longo da vida, Mendes continuou a seguir as discussões sobre as artes plásticas, no Brasil e na Europa, e elas passavam a fazer parte das questões pessoais de sua própria poética.

Em “Uma estética do impasse”, Lorenzo Mammì aborda o círculo de amizades de Mendes no Rio de Janeiro e como essas relações influenciaram na produção artística dos envolvidos. “O sodalício entre Murilo Mendes e, sobretudo, Ismael Nery e Cícero Dias era um sodalício entre artistas, mais que uma relação entre crítico e artistas. A arte de Nery e Dias era imbuída de literatura e a poesia de Murilo era baseada em imagens. A partir de 1930, com o prestígio crescente de Mendes como poeta, ele se tornou uma espécie de porta-voz de toda essa tendência da arte carioca, incluindo o recém-chegado Guignard, Jorge de Lima e, um pouco mais distante, Goeldi”, conclui.

Castro e Cataldo apresentam, em “Marcas de proveniência na Coleção Murilo Mendes”, reflexões sobre dedicatórias e marcas de uso nas obras de arte que pertenceram ao poeta colecionador. ” O estudo sistemático da identificação e análise das marcas de proveniência presentes nas obras de arte que integram a Coleção Murilo Mendes é um caminho metodológico conveniente que permite compreender importantes relações acerca do processo formativo da coleção muriliana. Desse modo, concebemos as marcas de proveniência como fontes primárias privilegiadas que descortinam e fomentam significativas reflexões concernentes às aquisições das obras de arte, à rede de sociabilidade e à atividade de crítico de arte de Murilo Mendes, ao longo dos anos de 1921 a 1974, temporalidade histórica que demarca o período colecionador do poeta”, explica Castro.

Em novembro, foi realizada uma conversa sobre a publicação com a presença dos curadores e do superintendente do Mamm/UFJF. Castro afirma que o encontro, como atividade integrante da exposição, foi especialmente produtivo. Os curadores debateram importantes aspectos da linha conceitual e expográfica da mostra, bem como o projeto editorial do catálogo, que foi elaborado ao longo de dois anos de trabalho, compreendendo vasta pesquisa documental, literária e seleção de acervo. Em seguida, Castro explanou sobre a pesquisa realizada em conjunto com o professor Fabiano Cataldo (UFBA), destacando a importância da provenance research na forma de abordagem metodológica pertinente para a pesquisa e reflexão da atuação de Murilo Mendes como colecionado e crítico de arte. O evento contou com a participação do público presente, incluindo importantes reflexões acerca do surrealismo e o essencialismo religioso de Ismael Nery.

Repercussão
Durante os cinco meses em cartaz em um dos principais museus da maior capital da América Latina, a mostra foi destaque em grandes veículos de comunicação, como o jornal O Estado de São Paulo, a revista Veja São Paulo e o portal Casacor. Contou, ainda, com um minidocumentário, produzido pela equipe do MAM São Paulo, com entrevistas com os curadores.

Taisa acredita que a exposição teve um impacto muito positivo, inclusive com quem atua de forma especializada no meio: “muitas delas não conheciam o perfil de Murilo Mendes como colecionador e crítico e, tampouco, o valor de sua coleção de arte”. Mammì considera que houve uma excelente visitação e conta que recebeu retornos positivos de críticos e artistas: “acredito que o resultado mais importante será estimular novas pesquisas”, acrescenta. 

Maria Betânia replica um comentário que foi feito sobre a mostra, que dá a dimensão da oportunidade e importância da exposição: “foi dito que a exposição estava à espera de alguém que a fizesse, no sentido que havia, até agora, um ‘buraco’ na bibliografia sobre Murilo Mendes como crítico e colecionador. As informações que vão chegando até nós, tanto através do MAM como das manifestações pelas postagens ou nos relatos pessoais de quem visitou a exposição, são totalmente positivas”. A pesquisadora acredita que ainda será possível explorar muitos dos caminhos que ali foram sugeridos: “talvez o mais evidente entre eles seja a necessidade de reunir e publicar o conjunto de textos escritos por Mendes sobre arte, artistas e obras”, finaliza.

Outras informações: producao.mamm@ufjf.br e (32) 2102-3583