Tratar pacientes com câncer de mama em estágios avançados é um dos desafios da medicina moderna – e o professor Alexandre Ferreira, do Departamento de Oncologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), foi reconhecido nacional e internacionalmente pela sua contribuição na área. Entre elas, o desenvolvimento de uma metodologia que já se tornou referência para médicos do Brasil e da América Latina: diferenciando-se das terapias convencionais que priorizam os estágios iniciais, essa técnica foca em pacientes com câncer em estados mais avançados.
O trabalho foi premiado como o melhor publicado no Prêmio Antônio Figueira Filho de 2023 e recebeu o terceiro lugar, no quesito de estruturação, do Prêmio Georges Arié, ambos promovidos pela Academia Brasileira de Mastologia. A realização do estudo foi possibilitada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), fundamental na condução e conclusão da pesquisa.
Para Ferreira, “ganhar um prêmio dentro da Academia é um grande reconhecimento na área. É saber que o cirurgião está desempenhando muito bem seu papel. Além disso, é importante para Juiz de Fora, considerando que o coordenador deste trabalho é da cidade”.
O câncer de mama é o segundo tipo mais comum entre as mulheres brasileiras, superado apenas pelo câncer de pele não melanoma. A introdução parcial desta metodologia no Hospital Universitário (HU) de Juiz de Fora, reconhecido como uma das principais instituições de tratamento de câncer na cidade, já representa um passo importante. A implementação completa traria avanços ainda mais significativos para a comunidade e para o Sistema Único de Saúde (SUS).
“Juiz de Fora se destaca no tratamento oncológico, e essa posição será ainda mais fortalecida assim que o HU obtiver o credenciamento para tratamento oncológico pelo SUS. Estou convicto de que a relevância da cidade, já reconhecida nacionalmente como centro de excelência em oncologia, será ainda mais evidente. Os prêmios que recebemos são um testemunho da importância desse desenvolvimento”, pondera Ferreira.
O pesquisador destaca que a abordagem proposta reflete, principalmente, no atendimento ao paciente no ambulatório e na condução dos casos da doença. “A ideia da pesquisa surgiu a partir do que observei em nosso meio, pois, apesar do aumento no número de diagnósticos precoces, infelizmente ainda recebemos muitos casos avançados de câncer de mama. Com esta metodologia, conseguiremos tratar melhor os casos avançados, criando normativas e aprimoramentos específicos para essas situações.”
Desenvolvimento da metodologia
A construção do trabalho foi uma colaboração entre médicos oncologistas do Grupo de Estudos da Mama, da SBCO. Foram analisados indicadores, diferentes cirurgias e suas complicações, além de discussões sobre condições especiais, como a invasão da cavidade torácica e a desarticulação torácica interescapular. De maneira geral, a metodologia baseia-se em literatura, descobertas clínicas, respostas a terapias, insurgências de retalhos (ou flaps, do inglês), condições e biologia do tumor, para recomendar tratamentos que possam ser mais eficazes.
Os retalhos toracoabdominais (localizados nas regiões do tórax e do abdômen) e miocutâneos (compostos por músculos e pele), conforme analisado no estudo, são utilizados para fechar cavidades de pacientes submetidos à mastectomia, quando a pele remanescente é insuficiente para cobrir o local da remoção do tumor. Eles são aplicados como uma alternativa ao enxerto de pele, que prolonga o período de recuperação e, consequentemente, atrasa o início de outros tratamentos contra o tumor.
Os retalhos toracoabdominais são empregados para fechar pequenas e médias cavidades, apresentando mais facilidade no manuseio, e não exigem o envolvimento de cirurgiões reconstrutores. Entretanto, a aplicação pode acarretar riscos de necrose. Já os retalhos miocutâneos são aplicados em áreas com necessidades de reconstrução mais extensas, podendo ser manipulados por especialistas em mama, cirurgiões plásticos e oncológicos, com menor incidência de necrose. Essa abordagem permite, inclusive, a combinação de diferentes tipos de retalhos para cobrir áreas mais amplas.
De maneira geral, a escolha de qual tipo de retalho utilizar depende de uma série de fatores, como a extensão do tumor, a viabilidade de fechar a cavidade cirúrgica em uma única intervenção, as complicações locais e a biologia do tumor, que são elementos determinantes para o êxito do tratamento cirúrgico. Aspectos fundamentais na utilização dessa técnica cirúrgica incluem o tempo de recuperação necessário para dar início a um novo tratamento e a possibilidade da ocorrência de necroses, que podem levar a uma segunda internação.
O artigo “Gerenciamento cirúrgico de câncer de mama localmente avançado: Recomendações da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica” foi elaborado pelos profissionais René Aloisio da Costa Vieira, Wesley Pereira Andrade, Maurício Romano, Sabas Carlos Vieira, Gustavo Iglesias e Alexandre Ferreira. Os pesquisadores atuam em diferentes instituições do país, como o Hospital de Câncer de Muriaé, Muriaé, em Minas Gerais, o Instituto de Oncomastologia, em São Paulo, a clínica Oncocenter, no Piauí, e no Instituto Nacional do Câncer, no Rio de Janeiro.
Destaque mundial
Ferreira também foi um dos dois brasileiros a receber o reconhecimento da revista internacional The Lancet, um dos periódicos científicos mais prestigiados mundialmente e de maior impacto na área da saúde. Para chegar na lista de cientistas de destaque no mundo, foram analisadas diversas estratégias de melhorias em cirurgias oncológicas no planeta e, com isso, o docente da UFJF e Heber Ribeiro, que hoje trabalha junto à Fundação Antônio Prudente, em São Paulo, se destacaram por seus métodos. Ferreira ainda salienta que a menção na The Lancet deve-se à relevância da SBCO junto ao Global Forum of Cancer Surgeons.
“Nós apresentamos nosso ponto de vista, e esse trabalho é importante porque chama a atenção dos formadores de opinião do Brasil. Antes, quando íamos a congressos internacionais e trazíamos especialistas estrangeiros, parecia que eles prestavam um serviço muito superior ao nosso, mas não é o caso. Hoje, o Brasil tem serviços que são executados de maneira muito mais eficiente que os americanos e europeus. Cada vez mais, os brasileiros têm a oportunidade de demonstrar isso no exterior e estão sendo reconhecidos por isso. Representar o Brasil nesse grupo é uma honra muito grande”, declara Ferreira.
Além dos trabalhos na Universidade, o professor é diretor científico da SBCO e, entre 2019 e 2021, ocupou o cargo de presidente na Sociedade. Ele atua, desde 2012, junto ao Ministério da Saúde, no Conselho Consultivo do Instituto Nacional do Câncer (Consinca), um órgão consultivo e deliberativo das políticas de câncer no país. Junto aos outros integrantes, os profissionais discutem as condutas oncológicas no país e, recentemente, a presença do docente no Conselho foi renovada por mais dois anos, estendendo sua colaboração com o Governo Federal até 2025.