Um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU é a igualdade de gênero (Arte: Gian Rezende)

Já são oito anos desde que a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, celebrado em 11 de fevereiro, com o objetivo de chamar a atenção para a desigualdade de gênero existente na ciência. A questão da equidade também é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas. 

A discussão sobre a participação feminina nos ambientes acadêmicos e científicos não é nova, mas os números ainda são preocupantes: no Brasil, as mulheres ocupam apenas 3 de cada 10 posições em ciência, tecnologia, Engenharia e Matemática, segundo dados da Unesco. Até 2022, 60 mulheres ganharam o Prêmio Nobel (sendo que Marie Curie ganhou duas vezes, uma em Física e outra em Química), contra um total de 894 homens, o que representa apenas 6%.  

Indagar o porquê das mulheres ainda não estarem em posição de igualdade em relação aos homens no meio científico é de extrema importância, mas do outro lado dessa moeda, também é preciso destacar o quanto a própria ciência perdeu ao longo de sua história com o predomínio masculino.

Na Grécia Antiga, por exemplo, inúmeros filósofos promoveram reflexões profundas – que ainda perduram na atualidade – sobre a vida, o universo, a morte, os elementos da natureza, a razão e a lógica. Mas esses pensadores tinham algo em comum: todos eram homens. Se as mulheres não tivessem sido excluídas nessa época, quais outras reflexões não teriam sido desveladas? O que a humanidade não deve ter perdido por essa perspectiva estritamente masculina? 

Em paralelo, há também as mulheres que efetivamente participaram ou foram até mesmo protagonistas de grandes descobertas, mas foram ofuscadas por personagens do sexo oposto. Cientistas como Maria Kirch, Ada Lovelace, Mina Fleming, Mileva Einstein, Rosalind Franklin tiveram um importante papel nas mais diferentes áreas, mas só hoje a comunidade científica tenta minimizar os impactos nocivos desse apagamento e dar o devido crédito a seus feitos e méritos. 

Apagadas muitas vezes da História, as cientistas mulheres são ainda minoria na comunidade científica (Arte: Diretoria de Imagem Institucional)

Mais políticas inclusivas

A invisibilidade das mulheres na ciência é uma pauta que precisa ser tratada com seriedade por toda a rede de ciência, tecnologia e inovação, sendo incluída nas políticas públicas e nas demandas da comunidade acadêmica. Para a pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa (Propp) da UFJF, Mônica Ribeiro, embora haja no momento maior sensibilidade para a temática, as diferenças ainda são absurdas, como quando são analisados os dados de bolsistas de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), de nível A. De acordo com pesquisa divulgada na Revista Fapesp que analisou o perfil de 601 bolsistas em 2021, na categoria mais alta que representa a excelência na produção científica (1A), apenas 26,3% são mulheres. 

Para a pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa, Mônica Ribeiro, as ações de equidade são urgentes, sob pena de desencadear um prejuízo em cascata para toda a comunidade científica (Foto: Carolina de Paula)

O que falta em sua avaliação nas políticas é uma mudança de perspectiva, sobretudo nos processos de avaliação. “Hoje só se tem uma informação na Plataforma do Currículo Lattes, mas a avaliação no final continua a mesma: número de produtos com alto fator de impacto”, enfatiza. Ela também alerta para áreas que são completamente masculinas, em que a pressão e cobrança para manter o padrão de produtividade é ainda mais expressivo.  

Ao se considerar outros marcadores sociais, como o racial, socioeconômico ou de sexualidade, as discrepâncias aumentam de forma mais impactante, devendo levar em conta “os papéis, as condições sociais, os enfrentamentos dos problemas econômicos. Para a mulher negra essas dificuldades são ainda maiores”. 

A luta feminina neste sentido é para romper com os padrões culturais estabelecidos dos papéis que as mulheres exercem dentro da sociedade e ao mesmo tempo reverter o seu próprio papel: “Isso só é possível por meio da definição de estratégias e respeitando os valores próprios da maternidade/paternidade, do cuidado e dos afazeres domésticos.” 

A cientista na gestão

Como gestora, Mônica reconhece que conciliar com a carreira científica é uma tarefa difícil, pois a rotina é muito estressante, com demandas diárias de articulação de projetos, programas e pesquisadores. “Você não consegue o mesmo padrão de rendimento que os colegas, mas se não ficar atenta, acabo prejudicando a minha comunidade científica local”, comenta.

O mesmo questionamento sobre a falta de consideração dos processos avaliativos de períodos como a licença maternidade, ela também faz para a atuação na gestão. O aprofundamento da proposta de avaliação qualitativa associada à quantitativa pode oferecer melhores condições de equidade entre homens e mulheres.

Iniciação científica como um processo

“Foi a partir da motivação e da aproximação com a coletividade negra que eu me vi dentro da pesquisa”, afirma Andressa Borges (Foto: Carolina de Paula)

Quando entrou no curso de Nutrição da UFJF, Andressa Borges acreditava que a pesquisa não era seu perfil. A aproximação só foi ocorrer quando participou de projeto sobre a sub-representação de profissionais negros e negras da UFJF, que teve início como uma ação de extensão nas escolas de Juiz de Fora pra levar discussões acerca de temáticas étnico-raciais. 

“Com a pandemia, foi preciso nos reinventar. A gente teve a ideia de fazer uma pesquisa para realmente entender a composição desses profissionais, tanto dos técnico-administrativos quanto dos docentes”, relata. Embora ela ainda tenha dúvidas sobre a carreira acadêmica, a qual considera muito difícil, a estudante acabou atuando como bolsista de iniciação científica. 

Para Andressa, a experiência com os movimentos negros da cidade foi o que lhe permitiu realmente participar de um projeto cientíico. Sob orientação do professor Willaim Cruz, a equipe fez levantamento de dados de trabalhadores negros da UFJF. 

Carreira em ascensão 

Ainda que as desigualdades de gênero no Brasil sejam muito grandes, na perspectiva de estrangeiros de outros países a situação aqui pode ser um pouco mais animadora. Essa é a perspectiva da colombiana Giset Yuliana Delgado, pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação de Química da UFJF.

Giset Delgado foi contemplada recentemente em chamada da Fapemig de apoio à fixação de jovens doutores no Brasil (Foto: Reprodução)

“Eu acho que no Brasil a mulher se destaca muito, vejo muitas mulheres nas áreas de Química, Biologia”, compartilha. Em função de sua experiência na indústria, Giset conta que teve alguns problemas, como a remuneração dela ser bem mais baixa do que a de homens em funções com o mesmo nível de responsabilidade: “eu nunca consegui aumentar meu salário; igualar, pelo menos, ao dos meus companheiros”. 

A bolsista de pós-doc defende que a mulher tem muita capacidade para fazer pesquisa, para estar na ciência, e fazer muitas coisas. “A gente é muito criativa também, quando traz isso para a ciência, saem resultados bem bacanas.”

Atuando na área de Química Medicinal, Giset irá consolidar uma nova linha de pesquisa no Laboratório de Química Bioinorgânica e Catálise (LaQBIC), coordenado pela professora Maribel Navarro. A proposta é incluir a Química Computacional com a Química Experimental, relacionando esses dados para entender melhor, a nível molecular, o modo de ação dos compostos para tratar doenças como a malária. 

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