Para homenagear as mulheres e suas diferentes trajetórias, a Diretoria de Imagem Institucional está produzindo uma série especial com diversas matérias, vídeos e podcasts. Nesta semana, divulgamos um pouco do relato de professoras aposentadas que compartilham curiosidades e reflexões sobre a carreira docente e científica.

Registro da formatura de Maria de Lourdes em Letras Clássicas pela UFJF, em 1956 (Foto: Arquivo pessoal)

Aos 87 anos de idade, Maria de Lourdes Abreu de Oliveira ainda encontra disposição e ânimo para se dedicar a sua vocação literária. O próximo livro a ser publicado pela autora, que deve ser lançado em breve pela Franco Editora, é intitulado Aventuras de Dois Mochileiros nas Novas Maravilhas do Mundo. “Além de lecionar, o que mais adoro é viajar e escrever. Filha de médico militar, eu comecei minhas andanças pelo Brasil muito cedo. Resolvi encerrar minha carreira de escritora, contando algumas dessas experiências. Segundo um velho sábio, o mundo é um livro. Quem não viaja lê só a primeira página”, manifesta a docente aposentada da Universidade Federal de Juiz de Fora.

A motivação de continuar produzindo mesmo durante a aposentadoria revela como Maria de Lourdes é apaixonada pela profissão, que se iniciou em meados do século XX. A sua trajetória se mescla à própria história da Instituição, antes mesmo de ter sido federalizada, uma vez que ela se formou na extinta Faculdade de Filosofia e de Letras (Fafile) em Letras Clássicas, que em 1968 foi incorporada à UFJF. 

Ainda que tivesse nascido numa época em que a educação tradicional era majoritariamente privilégio dos rapazes, a menina sonhadora teve desde cedo o incentivo da família para seguir os estudos e se tornar uma escritora. Inspirada na literatura clássica, o espaço ainda era dominado pelos homens – alguns dos quais se tornaram seus ídolos, tais como Charles Dickens e Ernest Hemingway. O machismo da época não a impediu de sonhar e quebrar paradigmas para também conquistar seu lugar; tanto que uma de suas novelas (De olhos fechados) recebeu o Prêmio Nacional Petrobrás de Literatura, em 1986.  

“Continuei como professora atuante até completar 81 anos, porque eu ainda acredito na educação”, expressa Maria de Lourdes (Foto: Arquivo pessoal)

Ela conta, orgulhosa, que foi uma das primeiras mulheres a entrar no mercado de trabalho em Juiz de Fora e ser funcionária da Universidade. “Naquele tempo, as meninas de classe média não seguiam uma carreira acadêmica. Geralmente, faziam o Curso Normal. Fui professora da Escola Normal de Juiz de Fora. Poucas ex-alunas daquela fase seguiam um curso superior e entravam no mercado de trabalho.” 

“Todo ato sério do homem tem que passar pelo viés da política, o que inclui o social, é evidente. Por conseguinte, esse lado, esse aspecto de relacionamento com o outro, de observação das diferenças, de privilégios injustos, de chances desiguais, tudo isso deve ser uma preocupação de cada cidadão. O trabalho do escritor é também de denunciar esses comportamentos. Não ditando regras, receitas, mas criando situações artísticas que traduzam emoções, sentimentos, reflexões”, analisa a romancista. 

Luta histórica

Durante uma das fases mais extremistas da ditadura militar, a professora aposentada Helena de Motta Sales era aluna da graduação em Filosofia na UFJF, quando teve participação ativa nas ações de contestação do regime autoritário, tendo sido vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) na gestão 1970-1971. 

Sobre essa experiência no movimento estudantil, Helena reconhece que mesmo contestando muitas das regras e valores vigentes, o comportamento repercutia o machismo no qual os jovens eram formados e que era parte da visão de mundo hegemônica na sociedade brasileira daquele período. “Olhando retrospectivamente, é perceptível que não conseguimos romper completamente essa barreira. Ainda havia, por exemplo, a separação de tarefas masculinas e femininas, certos comportamentos eram interditados para as garotas”, admite. 

Helena Motta exalta a importância da participação feminina na Comissão da Verdade de Juiz de Fora (Foto: Arquivo pessoal)

A sua expertise nos estudos e investigações na área de Ciências Sociais, mais especificamente na Ciência Política, possibilitou à docente um respaldo acadêmico na temática pró-democrática. Tal autoridade lhe rendeu o convite para assumir a presidência da Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora (CMV-JF), instituída com o objetivo de estimular a disseminação do conhecimento sobre as violações dos direitos humanos no período da ditadura militar brasileira (1964-1985).  

“A escolha dos membros da CMV- JF obedeceu a alguns critérios de representação. No meu caso, o fato de ser professora da UFJF, da área de Ciências Sociais, onde a ditadura civil militar é mais estudada, e ter disponibilidade para a tarefa naquele momento foram fatores que pesaram no convite que a mim fizeram”, acredita.

Para a aposentada, a presença feminina sempre foi muito forte em sua jornada acadêmica. “Minha orientadora do doutorado, Eli Diniz, é um exemplo de sucesso na área, com muitos livros publicados e um percurso acadêmico respeitável. Posso citar também importantes referências na minha área do conhecimento, como Marilena Chauí, Maria Vitória Benevides, Mary Del Priori, Zilda Arns; mulheres cultas e comprometidas com as questões sociais.”

Experiências transformadoras

Aposentada desde 2017, a professora Beatriz de Basto Teixeira permanece vinculada como convidada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação (Faced), e ao Mestrado em Gestão e Avaliação da Educação Pública, do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd). Ao relembrar o início de sua formação acadêmica, ela menciona que o ambiente universitário sempre lhe atraiu, tendo sido muito ativa no movimento estudantil. “Era um espaço muito vivo e rico de troca de ideias; foi também um lugar de muito aprendizado para a luta em defesa da possibilidade de participação como mulher”, postula. 

A atividade como professora e pesquisadora foi, para ela, uma oportunidade de prosseguir, de alguma maneira, com alguns dos sonhos da época em que era estudante e militante: “Eu sempre valorizei a educação como um espaço muito importante de mudança na sociedade, não só porque a escolarização permite com que as pessoas ascendam socialmente, mas porque a educação também é uma importante fonte de esclarecimento e de ampliação de conhecimento, para que as pessoas tenham mais acesso à informação e procurem ter uma vida melhor”.

Beatriz Teixeira considera que a convivência no espaço da política, tradicionalmente de predominância masculina, a ajudou “a ingressar na luta em prol dos direitos das mulheres, pela igualdade e ampla participação em todos os espaços da sociedade” (Foto: Arquivo pessoal)

Com relação às realizações acadêmicas, a professora destaca a possibilidade de ter lecionado para alunos da Arquitetura, o que lhe permitiu aproximar-se das discussões do campo do conhecimento da Sociologia Urbana. Graças a isso, ela coordenou a elaboração do Plano Municipal de Habitação para Juiz de Fora. “Foi um trabalho feito junto ao Centro de Pesquisas Sociais (CPS) aqui da UFJF entre 2006 e 2007; foi muito bonito, interdisciplinar, coletivo, de equipe, com colegas de várias áreas e estudantes bolsistas de diversos cursos”, relembra. No âmbito da Educação, além das atividades na Pós-Graduação, ela cita a atuação no CAEd, com os cursos de desenvolvimento profissional ministrados e sobretudo pela participação na criação do mestrado profissional do Centro. 

Dentre os desafios de ser mulher nessa carreira, Beatriz menciona a necessidade de conciliar todo o padrão de produtividade acadêmica que é cobrado com as atividades que desempenha como mulher na sociedade. “A superação dessas dificuldades, assim como a possibilidade de as mulheres se inserirem no exercício profissional em melhores condições e com maior igualdade em relação aos homens, envolve a criação de redes de apoio. Não é algo que deve ser resolvido no âmbito individual, mas como a sociedade se prepara para o desenvolvimento profissional das mulheres, sem que elas tenham que acumular cotidianamente as exaustivas jornadas no espaço doméstico e no do trabalho”, argumenta.

Desbravando caminhos

Bióloga de formação, a professora Marta Tavares d’Agosto iniciou no magistério superior em 1978, quando ainda não eram exigidos diplomas de pós-graduação. “O núcleo no qual ingressei, hoje Departamento de Zoologia, sempre se mostrou vocacionado à investigação científica, mas as iniciativas eram individuais e esparsas. Junto com a professora Sueli de Souza Lima, me aproximei do grupo da Parasitologia Veterinária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que aprofundou meu interesse pela pesquisa e ingressei no mestrado e posteriormente no doutorado”, informa a aposentada, que se especializou no estudo dos protozoários parasitos. 

Ela esteve à frente do lançamento do primeiro Programa de Iniciação Científica da UFJF, à época como Gerente de Pesquisa e Projetos Especiais da Pró-Reitoria de Ensino e Pesquisa (Proep), cujo pró-reitor era o professor José Carlos de Castro Barbosa. “O percentual de doutores na nossa Universidade era cerca de 8% e não havia programa de pós-graduação stricto sensu. Em 1984, durante longo período de greve, me aproximei do movimento docente, da Apes, e vi a importância de lutar pelas causas coletivas e em defesa dos princípios e autonomia das universidades públicas”, expõe. 

Outros projetos que lhe renderam satisfação foram o envolvimento na concretização do Jardim Botânico da UFJF e na formulação e coordenação de projetos institucionais de grande porte, como os do CT-Infra/Finep. Apesar dos privilégios que o meio acadêmico oferece às mulheres, como isonomia salarial e avaliação pelo mérito acadêmico, a professora afirma que a sociedade em que as universidades e instituições de ensino superior se inserem ainda é estruturada de forma racista, machista, misógina e homofóbica. 

“Precisamos mudar nossa mentalidade com urgência já que, sem as mulheres, a sociedade perde mais de 50% de sua capacidade intelectual”, expressa Marta d’Agosto (Foto: Arquivo pessoal)

“A mulher tem que fazer três vezes mais para ter reconhecimento e destaque semelhante. Vivi muitas situações de não ser ouvida, interrompida ou ignorada, mas quando repetida por um homem, a ideia acabava sendo muito elogiada. Atribuo essas situações ao machismo estrutural no qual vivemos. A mulher que defende e argumenta a favor de suas ideias muitas vezes é taxada de ‘brava’ ou é desencorajada por argumentos que possam constrangê-la. Precisamos ter sempre atenção às diversas situações do dia a dia para estimular políticas de inclusão e canais de denúncia”, opina. 

No início de sua jornada, a pesquisadora diz que percebia certo preconceito quanto a um receio equivocado da incapacidade das mulheres em atividades de campo. “Trabalhos de campo exigem, além das habilidades de observação, reconhecimento dos grupos biológicos, domínio das técnicas de coleta e de fixação do material, esforço físico para carregar equipamentos, galões com fixadores, armadilhas e até mesmo barracas e alimentos, no caso de pernoites. Às vezes é exaustivo, mas as mulheres cumprem essas funções da mesma forma que os homens. São aptidões individuais.” Ela conta que seu perfil era mais voltado para o laboratório, com técnicas de preparação e observação microscópica, mas quando preciso também fazia o trabalho de campo.

Marta d´Agosto, que teve um filho durante o doutorado e conseguiu conciliar com as diversas demandas, aconselha às meninas que sonham com a carreira científica que “sigam firmes, defendam suas ideias, denunciem discriminações e não se deixem intimidar. Há tantas áreas de atuação que certamente vocês irão se identificar com alguma delas”.

Confira todo o material publicado nesta série dedicada a elas.