Ao falar em química, é natural que muitos pensamentos invadam a mente, como átomos, teorias, laboratórios, tubos de ensaio e, até mesmo, experimentos mirabolantes. Para estudantes do ensino médio, a primeira associação é o vestibular e junto a esse pensamento, vem o pânico e a dificuldade em entender cálculo estequiométrico, “traduzir” a tabela periódica e uma porção de desafios emblemáticos que estudar essa disciplina envolve. Mas o que por ora passa despercebido, são os fenômenos simples e rotineiros que apresentam um toque especial da química. Foi justamente sobre isso que o professor do Departamento de Química da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Marcone de Oliveira, foi conversar com os alunos da Escola Duque de Caxias, na manhã desta quarta-feira, dia 26 de outubro, como parte do projeto de Extensão da UFJF, “A Ciência que Fazemos”.

Pesquisador Marcone Oliveira fala sobre ciência com estudantes da Escola Duque de Caxias. (Foto: Marcela Kineipp)

O primeiro questionamento feito pelo pesquisador foi: “A química não é muito agradável para vocês não, né?”. Ele obteve como resposta o que já era de se esperar um tímido “não”. É quase clichê essa sensação, pois é difícil formar uma impressão positiva quando se acredita que aquele conhecimento serve única e exclusivamente para fazer uma prova. Visualizar fenômenos e entender como aquele saber pode ser aplicado na “vida real” são determinantes para que os estudantes possam tomar gosto por uma matéria. E como entender ou mesmo apreciar uma disciplina que parece tão distante da vida cotidiana? A resposta é simples: instigando a reflexão. 

A química, do ponto de vista prático, existe desde a origem do universo. A Teoria do Big Bang, por exemplo, defende que tudo começou por meio de uma explosão que resultou em uma poeira cósmica. Ao se juntar, essa poeira formou os planetas e os demais corpos celestes, como estrelas e meteoros. Todo esse processo envolve energia, moléculas e elementos próprios da química. Na história humana, esse conhecimento foi aplicado nas grandes guerras mundiais para fabricar bombas atômicas, por exemplo. Um dos casos mais conhecidos foi o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki. No dia a dia, ela está presente em detalhes muito mais sutis do que as grandes explosões mencionadas anteriormente. 

O professor Marcone provou isso ao perguntar aos alunos sobre como a química pode ser percebida em pequenos detalhes do cotidiano deles. “Já ouviu falar na química do amor?  Sabe quando você vai a uma festa e encontra aquela pessoa que você gosta? O nervosismo toma conta, não é? O coração acelera, as pernas ficam bambas”, provoca o pesquisador. Os alunos deram algumas risadinhas envergonhadas de identificação. “Isso é pura química.  É o corpo respondendo ao estímulo visual”. 

Projeto A Ciência que Fazemos prioriza o diálogo entre estudantes e pesquisadores. (Foto: Marcela Kineipp

A partir daí, o professor foi escolhendo de forma aleatória alguns alunos, para que eles pudessem responder como eles percebem a química. “Ela está presente na bateria do meu celular”, disse o primeiro. Animado com a resposta o professor complementou: “Exatamente. E sabe qual fenômeno está envolvido nesse processo? O de oxirredução”. Dentre as muitas respostas, os alunos apontaram a presença da química nos esmaltes das unhas, nos cabelos encobertos por tintas, nos alimentos, na respiração e até mesmo na energia elétrica. O professor ainda complementou dizendo que até para tomar medicamentos é preciso saber a dosagem certa para cada organismo. Ele explicou que “é para isso que se aplica o cálculo estequiométrico”, a mérito de ilustração. 

Diante dos exemplos levantados, o diálogo foi capaz de gerar distintas reflexões. “O ser humano não conhece nem mesmo 15% dos mares, isso porque a pressão atmosférica exercida é muito forte, fazendo com que toda essa camada de ar seja capaz de nos esmagar, o que dificulta a exploração dos oceanos”. Completando o raciocínio, Oliveira disse que apesar das condições adversas, “existe vida nas profundezas do oceano, como larvas e outros seres”. 

Uma das estudantes, que escutava atentamente as provocações do professor, quis saber de que forma a radiação pode provocar a morte de seres humanos. “O problema da radioatividade é que ela não é visível. À medida que você se aproxima do material radioativo, a radiação vai penetrando no seu corpo e vai deteriorando suas células, até que elas entrem em colapso gerando células cancerígenas”. 

Inspiração 

A conversa sobre radiação levou o pesquisador a tratar sobre uma importante curiosidade histórica com os alunos. “A Marie Curie foi uma física e química polonesa que conduziu os primeiros estudos sobre radioatividade. Hoje em dia, quando você quebra algum membro é preciso radiografar e depois engessar, certo? Na primeira guerra mundial, quando os soldados quebravam braços e pernas, por conta da falta de recursos,  era preciso amputar aquela parte do corpo, porque não era possível saber a posição do osso. A Marie Curie que mudou isso ao desenvolver um sistema de radiação para fazer Raio-X”, apontou o professor. 

Ela foi a primeira mulher a ganhar o prêmio Nobel e a única a ganhá-lo duas vezes. “Na época, ela teve dificuldades de receber esse prêmio, porque ainda existia muito preconceito contra a mulher. Ela e outras cientistas foram minoria, pois conseguiram autorização para estudar com os homens. Tinham essa visão muito machista na época. As pessoas acreditavam que as mulheres serviriam como distração para o sexo oposto, o que poderia atrapalhar a produtividade masculina.”, ressaltou a professora de química do colégio Duque de Caxias, Claudia Sanches, integrante do Projeto, sobre os desafios enfrentados pelas mulheres na área de pesquisas. 

“Por trabalhar com materiais radioativos, Curie faleceu vítima de um câncer. Assim como ela, muitos outros pesquisadores e técnicos já se comprometeram com isso. Por esse motivo, os profissionais que realizam exames de Raio-X só podem trabalhar 4 horas por dia e devem usar aventais de chumbo para proteção”, concluiu Marcone. 

Sobre o projeto “A Ciência que Fazemos”

O projeto de extensão da UFJF “A Ciência que Fazemos” existe para promover a cidadania científica e aproximar cientistas da Universidade de alunos da rede pública de ensino. Dentre os objetivos da iniciativa, estão a desconstrução do estereótipo da figura do cientista e reforçar com os alunos que a universidade pública também pode fazer parte do futuro deles.