“Nossas pesquisas na última década têm mostrado que as usinas hidrelétricas, embora renováveis, não são limpas”, assegura o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Nathan Barros. Ele é um dos convidados do seleto grupo de cerca de 200 líderes mundiais e pessoas influentes em Ciência e Tecnologia (C&T) que vão participar do encontro anual do Fórum Ciência, Tecnologia e Sociedade (STS Forum 2022, na sigla em inglês), que tem início no dia 1º de outubro. Da América Latina, apenas outras duas pessoas também participam: o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Evaldo Ferreira Vilela, e o reitor da Universidad Peruana, Cayetano Heredia, do Peru. Como pesquisador, é o único sul-americano a integrar o fórum.
Realizado em Kyoto, no Japão, o evento terá dezenas de sessões que vão debater diferentes temáticas. Nathan Barros estará na sessão sobre os caminhos de transição para a energia renovável, ao lado de outras seis pessoas da Bélgica, Estados Unidos, Japão, Suíça e Tailândia. A mesa será presidida pelo reitor do Instituto Carnegie para a Ciência, Eric Isaacs.
Referência mundial em estudos sobre gases de efeito estufa, reservatórios de hidrelétricas e ecossistemas aquáticos, o professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFJF acumula em seu currículo publicações em revistas de impacto e pesquisas com colaboração internacional. Em função de sua expertise, foi nomeado para o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para atuar no refinamento dos guias de inventários de emissões de GEE.
“É uma oportunidade de levar o nome da UFJF para um fórum muito restrito e que conta com organizações de todo o mundo na área de ciência e tecnologia. Esse convite vai muito além da minha trajetória, pois tem um grupo enorme de pessoas que contribuíram com a minha formação, da graduação ao doutorado. Sou muito grato às oportunidades que a Universidade me propiciou para consolidar minha carreira científica”, expressa Barros, que se formou na Universidade Federal de Juiz de Fora em Ciências Biológicas e fez mestrado no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação da Natureza (PPG Biodiversidade).
Eficiência energética e ambiental
Uma das linhas de pesquisa de Barros é voltada à hidroeletricidade. Em sua exposição, ele pretende abordar como a produção de energia nas usinas hidrelétricas tem impacto no meio ambiente, sobretudo nas emissões de gases de efeito estufa. “Até alguns anos atrás as pessoas achavam que as hidrelétricas produziam energia totalmente limpa. Os trabalhos do nosso grupo de pesquisa, no âmbito do Laboratório de Ecologia Aquática (LEA), vêm questionando essa produção com base na eficiência energética, em relação à emissão de gás carbônico.”
Segundo o pesquisador, existe um impacto climático quando se constrói o reservatório, cujo grau negativo na atmosfera pode ser maior ou menor, dependendo do tipo da represa, de onde ela foi construída, da sua idade, entre outros fatores. “Nós mostramos que existe uma variabilidade muito grande de emissões, com projetos de hidrelétrica que emitem muito e outros com baixa emissão de gases poluentes”, afirma.
O grupo de pesquisa indica, em estudos recentes, fatores que controlam as emissões e as estratégias para identificar melhores locais de instalação de hidrelétricas, produzindo mais energia com menor impacto ambiental. Em publicação na Nature deste ano, intitulada Floating solar power: evaluate trade-offs (Energia solar flutuante: análise dos prós e contras, em tradução livre), os pesquisadores mostram a possibilidade de consorciar a produção de energia hidrelétrica com outra fonte de energia, no caso a energia solar flutuante.
De acordo com a pesquisa, bastaria a cobertura de 10% dos reservatórios hidrelétricos do mundo para atingir a capacidade elétrica das usinas de combustível fóssil. Ainda que seja necessário avaliar com mais precisão os impactos ambientais e sociais, seria uma solução emergente para a instalação de painéis solares, sobretudo em países com escassez de terras. Dentre os benefícios desse consórcio, pode-se destacar a vantagem dos painéis flutuantes em até 5% mais eficiente do que os terrestres, uma vez que, por serem instalados em flutuadores ancorados por linhas de amarração, a proximidade com a água tende a mantê-los frescos.
“As matrizes protegem a superfície do sol e podem reduzir a evaporação, retendo água para energia hidrelétrica, água potável e irrigação. Os reservatórios hidrelétricos já contam com a infraestrutura de rede para levar eletricidade aos consumidores, reduzindo os custos de transmissão. Emparelhar a energia solar com a energia hidrelétrica reversível pode resolver os desafios duplos de fornecer energia quando a luz solar é fraca e armazená-la como energia potencial em reservatórios quando a produção de energia solar é alta”, destaca o artigo.
Rede internacional
Realizado anualmente no Japão, o Fórum Ciência, Tecnologia e Sociedade (STS Forum) reúne cientistas, gestores, políticos, empresários e a mídia de todo o mundo com o objetivo de discutir o progresso da ciência e da tecnologia. Desde 2004, o STS Forum se propõe a fornecer um novo mecanismo para discussões abertas e construir uma rede que, com o tempo, resolva os novos tipos de problemas decorrentes da aplicação da C&T.
Ao longo de três dias, serão realizadas plenárias e sessões paralelas dos mais variados temas com pessoas de diferentes países. Cada sessão é formada por um grupo em que cada participante fará uma breve apresentação. Em seguida, haverá espaço para discussão e perguntas gerais do público, formado pelos demais convidados do evento. Ao final, será gerado um relatório sucinto de cada atividade.
A proposta é que seus participantes atuem, não como representantes de seu país ou organização, mas como indivíduos expressando suas próprias opiniões em uma oportunidade de diálogo real. Neste sentido, o STS Forum é uma plataforma para formação de rede internacional de colaboração entre líderes globais da academia, indústria e governo.
Pesquisa está alinhada aos ODS da ONU
As ações de pesquisa da UFJF estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). A pesquisa citada nesta matéria se alinha aos ODS 6 (Água potável e saneamento), 13 (Ação contra a mudança global do clima) e 14 (Vida na água).