A humanidade demanda cada vez mais das riquezas naturais, ao passo que a natureza não é capaz de repor com a mesma intensidade. Um dado que ilustra o fato é o Dia da Sobrecarga da Terra, que é a marca em que o consumo dos recursos naturais superou a capacidade do planeta de produzi-los e renová-los ao longo de 365 dias. A partir dele, o homem entra em débito com o ambiente. Em 2021, o cálculo da WWF teve como resultado o dia 29 de julho, três semanas mais cedo que no ano anterior. O futuro é repleto de incertezas e cada vez mais dependente da ciência, que ainda caminha com muito esforço para colher informações proveitosas e confiáveis na luta pela sustentabilidade.

A pesquisa poderá orientar decisões na área da produção de proteína animal em todo o mundo.

Frente aos desafios da produção de alimentos e da emissão de gases poluentes, uma pesquisa coordenada pelo pesquisador e professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (ICB/UFJF), Nathan Barros, pretende analisar os impactos provocados pela produção da proteína proveniente dos peixes em Minas Gerais. A proposta, aprovada em chamada da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), já está em desenvolvimento. A pesquisa de escala de um ano tem caráter inédito e poderá orientar decisões na área da produção de proteína animal em todo o mundo.

“Essa pesquisa é a oportunidade de ter em primeira mão uma informação de muita relevância”, Nathan Barros, líder do grupo. (Foto: Carolina de Paula)

Além de estimar a pegada de gases de efeito estufa da piscicultura, o projeto “Emissões de gases de efeito estufa (CH4, N2O e CO2) por pisciculturas no estado de Minas Gerais: entender os fluxos para produzir de forma mais sustentável” visa quantificar o balanço de nitrogênio e fósforo nessa atividade, a fim de propor formas para aumentar a produção da proteína de peixe com menor impacto ao ambiente. Assim, será possível estabelecer uma análise comparativa entre as demais fontes de proteína animal (boi, porco e aves) para determinar, dentro da realidade da amostra, qual delas é mais eficiente.

Com o trabalho será possível estabelecer uma análise comparativa entre as demais fontes de proteína animal (boi, porco e aves) para determinar qual delas é mais eficiente.

Em estudo anterior, o cientista e alguns dos autores desse novo projeto obtiveram os seguintes resultados sobre a produção de proteínas: enquanto que a produção de carne bovina possui emissão média de 140 kg de gases de efeito estufa por 1 kg produzido, a carne suína tem 43 kg e a proteína de peixe entre 1,4 e 2,1 kg. O artigo prevê, entretanto, que os valores referentes à aquicultura não são precisos, pois não consideram todas as etapas da produção, que é exatamente o que o novo projeto pretende conseguir. A hipótese estabelecida é a de que, apesar de ser maior do que se tem registrado, a pegada de gases de efeito estufa na piscicultura ainda é menor que a das demais proteínas animais.

Etapas metodológicas

Como primeiro passo para o desenvolvimento do estudo, Barros e sua equipe realizaram, entre janeiro e fevereiro deste ano, uma série de análises em nove tanques ainda vazios localizados no campo experimental da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), em Leopoldina. Destes, foram coletados dados sobre a emissão de gases poluentes dos sedimentos do fundo. Em março, o mesmo procedimento foi feito sobre os tanques já completos com água e com o processo de eutrofização – isto é, o depósito de nutrientes e substâncias necessárias para o desenvolvimento de organismos em um ecossistema aquático – finalizado.

Equipe trabalha na soltura dos alevinos no campo experimental da Epamig. (Foto: Carolina de Paula)

A terceira e mais importante etapa deste primeiro momento da pesquisa foi feita nas últimas semanas com o povoamento de cerca de oito mil e quinhentos alevinos de carpas e tilápias, que são duas das espécies mais produzidas no mundo. A logística estabelecida para as amostras foi a seguinte: três tanques receberam apenas alevinos de carpa; três receberam apenas alevinos de tilápia e outros três receberam a combinação de ambas as espécies. Ao todo, serão produzidas aproximadamente dez toneladas de peixes, equivalente a uma produção de médio a grande porte em Minas Gerais.

Barros explica que, a partir deste momento, os tanques serão analisados mensalmente quanto a parâmetros estabelecidos pelos pesquisadores, como as concentrações de gases de efeito estufa e o balanço do crescimento dos peixes. A segunda fase do projeto dará conta da amostragem dos lagos artificiais voltados à piscicultura no território mineiro.

A última etapa metodológica será desenvolvida através da aplicação do aprendizado de máquina com o intuito de identificar tanques de aquicultura por todo o estado. “Isso é importante porque, ao final do projeto, pretendemos expandir nossos resultados e pensar em locais onde a piscicultura possa ser estimulada, com uma produção mais atrativa em relação aos impactos possíveis”, esclarece o pesquisador.

Alunos de iniciação científica liderados pela pesquisadora do Departamento de Ciência da Computação da UFJF, Priscila Capriles, atuarão nesta frente do estudo. Além disso, uma tecnologia desenvolvida por cientistas da Universidade Cornell, dos Estados Unidos, em parceria com pesquisadores locais, irão colaborar nesta fase. O propósito inicial dessa inovação era identificar corpos hídricos da bacia amazônica, mas a inteligência artificial poderá ser adaptada às características morfológicas dos tanques de piscicultura de Minas Gerais para auxiliar no processo.

Desafio ambicioso

O que diferencia o estudo das demais produções acadêmicas sobre o tema é o acompanhamento das emissões de gases do efeito estufa em todo o ciclo da produção de peixes. Dessa maneira, se almeja entender como as mudanças decorrentes do crescimento destes animais afetam as medições e reduzem muito as incertezas nos resultados, que até então não consideram as emissões de gases oriundos da produção de bolhas pelos peixes, por exemplo.

Por se tratar de uma produção inédita, os riscos envolvidos no processo de desenvolvimento são altos. Fatores como eventos climáticos adversos e a própria pandemia podem influenciar no decorrer da produção. Por este motivo, o projeto é igualmente desafiador e ambicioso, como reflete Barros: “Esse grande experimento é talvez o maior desafio que já tive na minha vida acadêmica. Desenvolver essa pesquisa é a oportunidade de ter em primeira mão uma informação de muita relevância e que vale ouro”.

Confira a equipe integrante do projeto.

Parte da equipe do projeto em trabalho de campo. (Foto: Carolina de Paula)

Pesquisa está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU

A Coordenação de Divulgação Científica da Diretoria de Imagem Institucional, em parceria com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (Propp), está promovendo uma estratégia de fortalecimento das ações de pesquisa da Universidade, mostrando que estão alinhadas a um ou mais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Os ODS são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. 

A pesquisa citada nesta matéria está alinhada com os ODS 2 (Fome Zero e Agricultura Sustentável, 6 (Água Potável e Saneamento), 7 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico), 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis), 13 (Ação Contra Mudança Global do Clima) e 14 (Vida na Água). Confira a lista completa no site da ONU.