O Dia Internacional das Mulheres, celebrado em 8 de março, marca as reivindicações sociais, políticas e econômicas desse grupo, especialmente, no último século. Nessa luta por igualdade de direitos entre homens e mulheres ao longo dos anos, são inúmeras as contribuições de professoras, técnico-administrativas em educação e estudantes universitárias para uma sociedade efetivamente democrática. Para a pró-reitora de Extensão da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Ana Lívia Coimbra, um desses caminhos é trilhado por meio da extensão universitária, com ações que têm como beneficiárias principais as mulheres, fazendo a articulação entre o ensino, o conhecimento científico e as demandas da sociedade.

Nesta reportagem, que integra a série dedicada às mulheres, apresentamos ações extensionistas coordenadas por duas professoras da UFJF: Rogéria Martins, do Departamento de Ciências Sociais, campus de Juiz de Fora, e Tayara Lemos, do Departamento de Direito, campus de Governador Valadares. As docentes são responsáveis, respectivamente, pelos programas de extensão Revir: mulheres encarceradas de volta à vida extramuros e Centro de Referência em Direitos Humanos da UFJF-GV. 

Na avaliação de Rogéria Martins, a questão da desigualdade de gênero revela as fragilidades dos valores democráticos. “O Brasil é um país extremamente desigual, não necessariamente pobre, mas desigual. E suas interfaces no universo feminino atuam com marcas de estigmas em diferentes performances: os elementos de empoderamento de mulheres na sociedade brasileira ainda são impactados pelas características de nossa herança machista, patriarcal e violenta. Esses elementos culturais são tão impregnados que refletem na própria representatividade feminina, na medida em que não podemos deixar de reconhecer que mesmo mulheres – vítimas de todo tipo de formas de violência – têm defendido valores ultraconservadores”, pontua.

Tayara Lemos coordena o Centro de Referência em Direitos Humanos da UFJF-GV, ao lado de outra professora (Foto: Sebastião Jr.)

Tayara acrescenta que as profundas desigualdades sociais são ainda mais evidenciadas quando pensamos que às mulheres cabe, predominantemente, o trabalho de cuidado, também conhecido como reprodução social. O trabalho de cuidado diz respeito a todo tipo de atividade que garante a reprodução material da vida, a manutenção da vida e sobre o qual não recaem lucros.

“Pensamos especialmente naquele tipo de trabalho não remunerado ou pouco remunerado, mas que possui um valor econômico subjacente, entretanto, invisível sob o ponto de vista econômico, tais como o trabalho junto à família, com a casa, com os filhos, com os idosos, com as pessoas doentes. Tudo isso está intimamente ligado à assimetria de gênero e à questão do tempo. Grandes quantidades de tempo, energia, recursos são necessárias para dar à luz, cuidar, manter, educar, alimentar seres humanos, permitindo, assim, o exercício de outras formas de trabalho remunerados ou mais bem pagos, que geralmente são realizados por homens ou por mulheres em jornada dupla ou tripla. O cuidado é um trabalho que é predominantemente realizado por mulheres. A dimensão do afeto e do amor existe, mas também é, de certa forma, imposta pelas estruturas sociais quando há alguma insatisfação a esse respeito”.

Tayara ressalta que não há soluções milagrosas para corrigir uma desigualdade, visto que refazer as estruturas sociais exige vontade política, conscientização social, mudança das instituições e luta, por meio da sociedade, da defesa de direitos, de entidades que possam garantir o acesso a eles. “Mas sempre é possível começar dentro dos nossos espaços de micropoder, nos nossos departamentos, nos editais que lançamos, nas vagas que abrimos, nas posturas que assumimos diante das situações de violências contra mulheres, sejam elas explícitas ou simbólicas. Mudar posturas e educar para a mudança de posturas é algo que está ao nosso alcance enquanto professoras, cientistas, pesquisadoras, extensionistas. Não basta a educação para a inclusão, mas a educação para a emancipação.” 

Mulheres encarceradas de volta à vida extramuros

As ações do Revir foram iniciadas em 2020. A iniciativa concentra esforços em diferentes tipos de intervenção para pensar mecanismos de reintegração social de mulheres encarceradas. “A prisão feminina incide em diferentes formas de penalizações por conta, sobretudo, do papel da maternidade. É uma geração de impactos sociais, que envolvem o universo familiar e a geração de crianças, adolescentes e jovens que crescem destituídos desse vínculo materno”, explica Rogéria Martins, que é doutora em Políticas Públicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Pesquisadora Rogéria Martins reflete sobre os desafios de ser mulher no contexto carcerário (Foto: Reprodução)

A docente enfatiza que “o universo feminino na prisão ainda se caracteriza por certa invisibilidade. Apesar de ter um crescimento exponencial de pesquisas sobre esse tema, as atuações em termos de políticas públicas ainda estão aquém das demandas”. Ainda conforme Rogéria, é objetivo do programa de extensão Revir abarcar diferentes projetos que tratem da reintegração bem sucedida de mulheres à vida social. Nesse sentido, o foco das iniciativas do Revir abrange três dimensões principais: as condições interpessoais (ligadas à saúde mental); as condições de subsistência (habitação, emprego e dificuldades financeiras) e, por fim, as condições de apoio familiar e comunitário. 

“Também estamos em andamento com um projeto de formação de cursos de curta duração, chamados de aprendizado ao longo da vida, em parceria com a Universidade Aberta de Portugal, para atuar na modalidade de educação a distância, no Presídio Feminino de Juiz de Fora, como um projeto piloto. Todas essas ações buscam dinamizar essa relação entre prisão, mulheres e família para atomizar seu quadro de sustentação no universo extramuros”, afirma Rogéria.

Centro de Referência em Direitos Humanos da UFJF-GV

O Centro de Referência em Direitos Humanos da UFJF-GV (CRDH) teve as suas atividades iniciadas em 2013 pelo professor Adamo Dias Alves, à época doente da UFJF-GV. Foi criado como projeto de extensão, passando a programa de extensão em 2018. Atualmente, o CRDH é coordenado por duas professoras, Tayara Lemos e Nara Carvalho, vice-coordenadora, além de contar com a participação de outros nove professores e 15 estudantes. 

“O programa consiste em um centro de inserção, referência e diálogo no Médio Rio Doce, voltando-se à vivência, proteção e promoção dos direitos humanos. Pauta-se em metodologias ativas e horizontalizadas, tanto no que diz respeito aos membros da comunidade acadêmica que participam do programa, quanto aos membros da comunidade externa que conosco trabalham”, destaca Tayara Lemos, que é doutora em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O programa de extensão é organizado em cinco eixos de atuação, quais sejam: Educação e Formação de Defensores em Direitos Humanos; Sociedade e Encarceramento; Diversidade; Questões Agroambientais; Povos e Comunidades Tradicionais. “Não obstante o eixo Sociedade e Encarceramento seja o que trata diretamente de questões de gênero e sexo, todas as demandas recebidas, de qualquer área, são trabalhadas de forma transversal e interdisciplinar. Especialmente por essa razão, é importante darmos destaque ao papel das mulheres em cada uma dessas frentes de trabalho”, afirma a docente.

A partir das temáticas contempladas, juntamente com os programas e projetos de extensão parceiros, além de movimentos sociais e outras entidades,  o CRDH  vem realizando inúmeras ações extensionistas no Leste de Minas. “Auxiliamos as demandas jurídico-legais da Comunidade Quilombola de Ilha Funda, coordenada majoritariamente por mulheres. Desenvolvemos atividades em conjunto com o Instituto Shirley Djukurnã Krenak, associação indígena sem fins lucrativos coordenada por uma liderança feminina do povo Borum. Realizamos o 2º Curso de Formação de Desencarceradoras Populares, voltado especialmente para familiares – em sua maioria mulheres – de pessoas presas em Minas Gerais. Também, dentre outras ações, elaboramos um e-book, com linguagem acessível, não acadêmica, prestes a ser lançado, que contempla questões de gênero, feminismo, violências contra mulheres e interseccionalidade”, conclui Tayara.

Saiba mais:

Revir: mulheres encarceradas de volta à vida extramuros

Centro de Referência em Direitos Humanos da UFJF-GV

Relembre:

O papel da Universidade na pauta dos direitos humanos

Direitos humanos: um processo de luta e construção