Minas Gerais é o quarto estado do país com o maior número de espécies de répteis registradas, ficando atrás somente de Mato Grosso, Bahia e Pará. Este é apenas um dos dados reunidos na lista de répteis do Brasil, um trabalho iniciado em 2005 pelo professor da Universidade Federal do Espírito Santo, Renato Bérnils, e atualizado periodicamente. Hoje, já são 848 espécies listadas – e, além de Bérnils, o material também conta com a coautoria de Henrique Costa, professor e pesquisador do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A relação completa e em português é publicada na revista científica Herpetologia Brasileira, da Sociedade Brasileira de Herpetologia

O professor e pesquisador Henrique Costa atuando em campo. (Foto: Pedro Peloso / Projeto Dots)

À primeira vista, o número de espécies de répteis já descobertas no Brasil pode impactar, mas quem reconhece o valor da biodiversidade e a importância de sua preservação entende que vivemos em um berço biologicamente rico e diverso. Quase metade dessas espécies são endêmicas do país, ou seja, só são encontradas em território brasileiro, o que contribui para que sejamos o terceiro país do mundo neste quesito.

O território majoritariamente localizado na região tropical contribui para o desenvolvimento dos répteis no país, visto que são animais ectotérmicos, que dependem de uma fonte de calor externa para manter a temperatura corporal. A diversidade de ambientes, como florestas, cerrado, caatinga, pantanal, pampas, áreas baixas e montanhas, também se configura como um fator favorável à evolução de um grande número de espécies diferentes desses animais. Ambientes diferentes promovem, ao longo de milhares de anos, a evolução de espécies diferentes. 

Metodologia da listagem
Henrique Costa explica que a lista é desenvolvida através da análise de trabalhos científicos que trazem informações relevantes, como artigos que citam o primeiro registro de uma espécie já conhecida pela ciência para uma unidade federativa e artigos que relatam a descoberta de espécies novas para a ciência. As descobertas de novas espécies são feitas diretamente em campo, principalmente em áreas mais isoladas, mas também analisando espécimes de coleções científicas em institutos de pesquisa, museus e universidades. “Consideramos apenas trabalhos que foram publicados em artigos ou livros científicos, que comprovem o registro da espécie por meio de exemplares depositados em coleção científica, ou foto que permita confirmar a identidade da espécie de forma inequívoca”, disse o pesquisador.

Cobra-cipó / Oxybelis fulgidus (Foto: Arquivo Pessoal)

Entre doutores e pós-graduandos, mais de uma centena de pesquisadores brasileiros se dedicam a estudar e produzir conteúdos científicos sobre os répteis. Muitos desses atuam na taxonomia, área das ciências biológicas responsável por identificar novas espécies. Um estudo proposto por pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba e da Universidade de Yale (EUA), publicado na revista Nature em 2021, concluiu, por meio de modelos matemáticos, que o Brasil é o país com maior potencial de descoberta de novas espécies do mundo. Esta característica pode ser comprovada em números: desde a última edição da lista, datada de 2018, 50 novas espécies foram registradas. 

“Originalmente, as atualizações eram anuais ou semestrais. Nos últimos anos, com a adição de muitas novas informações, como comentários detalhando as mudanças de cada atualização e a inclusão de sublistas de répteis para cada unidade federativa, as atualizações demoram mais”, acrescentou o pesquisador. 

Características dos répteis
Não existe uma forma científica simples que defina um réptil, pois se trata de um grupo que não possui uma característica externa comum a todas as espécies e de fácil visualização. Os aspectos que podem diferenciá-los dos outros animais são, principalmente, os da sua anatomia interna – particularmente, do esqueleto. De uma forma geral, os répteis são animais vertebrados com pulmões e o corpo coberto por escamas ou penas. “’Penas’, porque as aves evolutivamente são répteis, mais especificamente uma linhagem de dinossauros, e seus parentes vivos mais próximos hoje são jacarés e crocodilos. Mas, por tradição, as aves são estudadas pela ornitologia e os ‘répteis não aviários’ são foco da herpetologia”, acrescentou Henrique.

Calango-de-muro / Tropidurus torquatus (Foto: Arquivo Pessoal)

Uma espécie icônica da Zona da Mata é a surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta), a maior víbora do mundo. Ela ocorre na Amazônia e na Mata Atlântica, mas é extremamente rara em Minas Gerais, pois costuma habitar florestas de baixada, e poucas destas restaram no estado. Outras espécies mais comuns, inclusive em Juiz de Fora, são a jararaca-comum (Bothrops jararaca), o teiú (Salvator merianae), o calango-de-muro (Tropidurus torquatus) e o cágado-de-barbicha (Phrynops geoffroanus). 

Importância da preservação
Elementos essenciais para o equilíbrio dos ecossistemas, os répteis podem estar tanto no topo quanto na base da cadeia alimentar, sendo presas e predadores de diversos outros organismos. Há de se destacar também a contribuição desses animais para o desenvolvimento científico e tecnológico: o veneno de cobras peçonhentas vem sendo estudado na elaboração de medicamentos contra hipertensão, anestésicos, colas cirúrgicas e terapias contra alguns tipos de câncer. Das 430 espécies de serpentes do Brasil, 70 são peçonhentas de interesse médico, e a maioria delas nunca teve seu veneno estudado. 

Surucucu-pico-de-jaca / Lachesis muta (Foto: Reprodução)

O professor ainda alerta para o risco de que essa riqueza biológica e farmacêutica seja perdida por conta da interferência humana destrutiva, como o desmatamento e os incêndios florestais. A última avaliação publicada pelo Ministério do Meio Ambiente, em 2014, lista 80 espécies de répteis do Brasil como ameaçadas de extinção, como o  cágado Ranacephala hogei, restrito à bacia do rio Paraíba do Sul. Henrique Costa foi um dos convidados a avaliar a chamada “lista vermelha”, como é conhecida a relação destes animais em risco. “É importante valorizarmos a importância da biodiversidade simplesmente pela sua existência, sem a necessidade de agregar valores.”

Pesquisa está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU
A Coordenação de Divulgação Científica da Diretoria de Imagem Institucional, em parceria com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (Propp), está promovendo uma estratégia de fortalecimento das ações de pesquisa da Universidade, mostrando que estão alinhadas a um ou mais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Os ODS são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. 

A pesquisa citada nesta matéria está alinhada com os ODS 14 (Vida na Água) e 15 (Vida Terrestre). Confira a lista completa no site oficial da ONU.