Desde a descoberta da Covid-19, o mundo todo experimentou um fenômeno, em paralelo à própria pandemia, que se refere à epidemia de informações. Definido como infodemia, o neologismo formado pela junção das palavras ‘informação’ e ‘endemia’ acabou sendo incorporado ao dicionário da Língua Portuguesa pela Academia Brasileira de Letras (ABL) há alguns meses. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), trata-se de um “excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando se precisa”. Em função da gravidade e dos potenciais riscos associados à infodemia, inúmeros estudos e investigações foram desenvolvidos nessa linha.
É neste contexto que uma rede de universidades desenvolveu projeto inovador para consolidar o Observatório de Pesquisas, Inovações e Tecnologias de combate a infodemias (Obinfo). A iniciativa foi elaborada a partir da pesquisa multicêntrica “Infodemia de Covid-19 e suas repercussões sobre a saúde mental de pessoas idosas” (Infocovid), que identificou correlações entre a difusão informacional e os sinais e sintomas sugestivos de alterações na saúde mental da população com mais de 60 anos.
“O Obinfo é uma estratégia de infovigilância, a qual disponibilizará, a partir de plataforma web, resultados de pesquisas, estudos, tecnologias e inovações visando o gerenciamento e mitigação de infodemias”, informa o professor da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora, Ricardo Bezerra Cavalcante, coordenador geral do projeto.
A proposta é realizar as ações em três fases: a primeira, que trata da coleta de dados quantitativos, já está finalizada; a segunda, em andamento, busca levantar dados qualitativos; e a terceira será a elaboração de um “consenso de estratégias para enfrentamento de infodemias, como uma resposta face aos impactos à saúde mental. Estima-se um período de três anos para finalização”.
Como membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Autocuidado, Envelhecimento e Processos Educativos em Saúde e Enfermagem (Gapese), do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, e também vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFJF, o pesquisador menciona que os dados já coletados apontam para a frequência de exposição de idosos a notícias ou informações, assim como para o rastreamento de ansiedade, estresse e depressão.
Aprovado em chamada conjunta do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), o projeto conta com aporte de recursos no valor de 40 mil reais, sendo também financiado pela Universidade de Concepción do Chile, com aproximadamente 50 mil reais, e com bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
Vigilância informacional
A Escala de Transtorno Reativo Infodêmico objetiva medir os impactos da saúde mental de pessoas expostas a crises sanitárias e vai contribuir para o gerenciamento e mitigação da infodemia (Ricardo Cavalcante)
Por envolver o excesso informacional, a infodemia relaciona-se a diferentes problemáticas que não se reduzem às fake news. Cavalcante cita também o ‘misinformation’ (informações erradas), o ‘desinformation’ (desinformação) e o ‘mal-information’ (informações maliciosas). Este último, por exemplo, é baseado em conteúdos reais, utilizados “para causar prejuízos, a partir de delineamentos fracionários da verdade, recortes manipulados para se alcançar o objetivo que culminará em algum dano”.
Face aos desafios que a infodemia tem posto em períodos de doenças epidêmicas e pandêmicas, é necessária a criação de novas estratégias de vigilância informacional: “O Obinfo será uma plataforma web baseada na tecnologia de inteligência artificial que fornecerá informações fidedignas e irá desmistificar a desinformação e as fake news através de vídeos, cartilhas e instrumentos informativos”.
Uma das frentes do Observatório, a ser desenvolvida na terceira fase, é a utilização de tecnologia instrumental inovadora, conhecida como Escala de Transtorno Reativo Infodêmico, que objetiva medir os impactos da saúde mental de pessoas expostas a informações em períodos de crises, tal como, a atual pandemia, crises sanitárias e eventos catastróficos. A ferramenta está sendo desenvolvida e elaborada por pesquisadores da área de Enfermagem e Psicologia e contribuirá, na opinião do docente, “para o gerenciamento e mitigação da infodemia, uma questão ainda lacunar na literatura científica”.
Preocupação em números
Na etapa quantitativa, foram obtidos alguns dados acerca do rastreamento para ansiedade e estresse durante a pandemia no Brasil. Foi identificado, por exemplo, que 68,5% do sexo feminino, entre o público da pesquisa, apresentou rastreio para estresse. Quanto à ansiedade, também foi expressiva a questão de gênero, assim como para os idosos que não tiveram sua renda alterada durante a pandemia, representando 73,5%.
Sobre o contexto da infodemia, apresentaram rastreio para estresse 51% dos idosos que estão expostos frequentemente às redes sociais, 50,5% daqueles expostos à televisão e 51,9% dos que têm pouca ou alguma exposição via rádio. O estudo utilizou várias escalas validadas para população idosa, tendo sido realizado com 3307 idosos.
Como sugestões, o pesquisador reforça que, para além da necessidade de verificar a procedência das informações para qualificá-las, é preciso também selecionar, filtrar, interpretar e contextualizar aquelas confiáveis. “As fontes primordiais são de pesquisas científicas, políticas públicas de saúde e publicações de órgãos governamentais”, aponta o bolsista do Programa Pesquisador Mineiro da Fapemig.
Ricardo Cavalcante também sinaliza outras atitudes: “evitar o compartilhamento de informações, sem antes averiguar a fonte e ponderar se há realmente necessidade de compartilhar tal conteúdo; limitar o tempo e a frequência de exposição às informações; promover momentos de lazer; e buscar ajuda frente a algum sentimento de medo ou reações de estresse e ansiedade exasperados”.
“Enfatiza-se a importância de políticas públicas de saúde que implementem metodologias acessíveis sobre o gerenciamento das informações, com o objetivo de democratizar o conhecimento fundamentado em evidências, fomentando a educação social sobre como buscar e interpretar informações”, complementa sobre o contexto macro.
Parceria interinstitucional
A pesquisa envolve universidades de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Rio Grande do Sul, sendo ligadas aos programas de pós-graduação das Ciências da Saúde, com os cursos de Enfermagem, Odontologia e Saúde Coletiva, e das Ciências Humanas, com o curso de Psicologia.
Além da UFJF, integram o projeto as universidades federais de Viçosa (UFV), de São João del-Rei (UFSJ), de Minas Gerais (UFMG), Fluminense (UFF), do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), do Rio de Janeiro (UFRJ), do Rio Grande do Sul (UFRGS), assim como as universidades de São Paulo (USP) e Católica de Brasília (UCB). Participam, também, pesquisadores do exterior experientes na área de saúde mental, gerontologia e informação em saúde.