“Quantas instituições implementaram ações eficazes para mitigar os impactos negativos da pandemia na carreira acadêmica de cientistas, especialmente das mulheres que acumulam também a função de cuidadoras?”
Esta é a pergunta central que motivou um grupo de pesquisadores brasileiros a escrever uma carta ao editor da revista Nature Human Behaviour, periódico que integra o grupo Nature, um dos maiores conglomerados de publicações científicas de todo o mundo.
O texto é assinado por 18 brasileiros que acreditam que é preciso chamar a atenção para essa situação enfrentada por muitos pesquisadores, que tem impactos de curto, médio e longo prazo. A única cientista mineira que faz parte do grupo de autores é a professora do Departamento de Física da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Zélia Ludwig.
“A carta aponta para um problema global e os caminhos pra se buscar uma solução. São professores de diferentes áreas e localidades, o que mostra a importância da formação de uma rede de colaboradores”, enfatiza a docente que já protagoniza diversos debates sobre as desigualdades de gênero e raça na comunidade científica.
Com as tentativas de retornar à vida normal após mais de um ano de trabalho e ensino remoto em muitos países, a preocupação é como serão minimizados os efeitos negativos para esses pesquisadores que também conciliaram as funções de cuidadores no contexto pandêmico.
Como mãe e pesquisadora da área de Física experimental, Ludwig sentiu o problema na pele. “Minha pesquisa é toda feita no laboratório e fiquei um bom tempo sem poder trabalhar. Remotamente é impossível. Minha filha passou a ter aulas on-line e dentro de casa, precisando muitas vezes do meu apoio para o aprendizado”, relata.
Em sua visão, foi ainda mais desafiador para quem tem filhos pequenos e não tem infraestrutura necessária e rede de apoio para realizar o trabalho on-line e o estudo de forma remota. “A pandemia e a forma como tudo foi conduzido também trouxe impactos para a economia e para a ciência no nosso país”, complementa.
Ações propostas
Para convocar ações urgentes e eficazes em todo o mundo, os autores deixaram uma série de contribuições que devem ser adotadas pelas instituições de ensino e pesquisa, agências de fomento à pesquisa e até pela sociedade de modo geral. “É preciso pontuar todos os efeitos negativos nos processos de avaliação e promoção, como nas questões quanto aos prazos de término de projetos”, exemplifica a docente de Física.
Outras propostas estão relacionadas à flexibilidade na jornada de trabalho e atenção especial a todas às intersecções, tais como de gênero, raça, parentalidade. Também deve ser feito um levantamento de dados para orientar as políticas públicas voltadas para esse fim.
Missão para além da ciência
Os autores do alerta integram o movimento Parent in Science, que há cinco anos busca discutir e dar visibilidade para a relação entre maternidade e carreira científica. Para isso, o grupo realiza diversas pesquisas para avaliar as consequências da chegada dos filhos na vida acadêmica de mulheres e homens.
Como o problema já existia antes da pandemia e foi agravado nesse período, os pesquisadores realizaram um levantamento extensivo sobre os impactos da pandemia de Covid-19 na vida de cientistas no Brasil. Um dos projetos é o Programa Amanhã voltado para assegurar a permanência e a conclusão dos estudos de mães pós-graduandas.
“Precisamos nos mobilizar globalmente para encontrar soluções para esses problemas. E isso precisa ser feito o mais rápido possível”, reforça a pesquisadora Zélia Ludwig, que aproveita para divulgar a terceira edição do Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência.
O evento será realizado virtualmente entre os dias 6 e 10 de dezembro e terá como temática central “Parentalidades plurais”. As inscrições já estão abertas e podem ser realizadas até 30 de novembro.
Outras informações: parentinscience.com/