“É preciso dar vida aos seus sonhos e fazer escolhas.” Esse é o conselho da pesquisadora da UFJF, Nádia Raposo , para meninas que sonham em trabalhar no mundo da ciência, tão misterioso aos olhos de alguns e parte do dia a dia de muitas mulheres. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Inovação em Ciências da Saúde (Nupics), do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, Nádia comanda pesquisas sobre o uso da tecnologia 3D na indústria farmacêutica e alimentícia; testa remédios para o tratamento de Alzheimer, observando sistema nervoso de moscas; desvenda o uso terapêutico da Cannabis para casos de estresse pós-traumático, entre outras frentes de pesquisa.
Nádia destaca que essas linhas de pesquisa são realizadas por quatro meninas pesquisadoras: Poliana Mendonça, Laura Andrade, Adriana Garcia e Eveline Bittencourt.
Uma das formas farmacêuticas, com tecnologia 3D, especificamente para a promoção da saúde da mulher é o anel vaginal – um dispositivo utilizado para a liberação prolongada e sustentada de medicamentos contraceptivos.
Saúde e alimentação sob medida
Um dos focos da pesquisadora é como utilizar a tecnologia 3D para a produção de fármacos e alimentos personalizados de acordo com as necessidades de indivíduos. Uma das formas farmacêuticas utilizadas especificamente para a promoção da saúde da mulher é o anel vaginal – um dispositivo utilizado para a liberação prolongada e sustentada de medicamentos como hormônios contraceptivos, por exemplo. Porém, este dispositivo atualmente só possui um tamanho e uma dosagem. “O trabalho desenvolvido pelo Nupics visa a personalização dos dispositivos intravaginais, e o desenvolvimento de um design inovador, objetivando uma melhora na adesão das mulheres”, revela Nádia. Para isso, os pesquisadores usam a impressão 3D. ”Desta forma, a mulher em conjunto com seu médico poderia escolher, entre algumas opções, qual o design atende as suas necessidades, bem como ajustar o tamanho e a dosagem.”
Apesar de ser recente na área, a tecnologia 3D também já é utilizada na indústria alimentícia. Além da possibilidade de criar alimentos esteticamente personalizados e nutricionalmente adequados para cada pessoa, é possível utilizar vários ingredientes alternativos nas preparações. Por isso, juntamente com os pesquisadores do Nupics, decidiu utilizar estas vantagens da impressão 3D para melhorar a qualidade alimentar de pessoas que possuem falta de apetite ou dificuldade alimentar. “A ‘tinta’ utilizada para impressão é uma pasta feita a partir de alimentos que podem ser acrescentados de complexos vitamínicos e minerais, além de outros tipos de suplementos”, explica. Com esta tecnologia, é possível adaptar a forma e a qualidade nutricional dos alimentos tornando-os específicos para diversos públicos – crianças, idosos, indivíduos internados em hospitais e até mesmo astronautas durante suas viagens espaciais.
A impressão 3D também é usada para melhorar a qualidade alimentar de pessoas que possuem falta de apetite ou dificuldade alimentar.
Nova forma de entender o Alzheimer
Outro projeto de pesquisa do Nupics testa fármacos para o tratamento de Alzheimer em animais que geram menos impactos financeiros e ambientais como a Drosophila sp – moscas de fruta – e o C. elegans – um tipo de nematódeo de vida livre, que habita o solo. Testar fármacos nesses animais tem menor custo, deixando os testes com os roedores para uma etapa futura e apenas para os compostos que se mostrarem realmente promissores. “Pode parecer um paradoxo optar por animais com um sistema nervoso mais simples para estudar uma doença que ataca esse local, mas é justamente por esta simplicidade que permite isolar e melhor avaliar a ação dos compostos testados”, explica Nádia.
Segundo Nádia, a Drosophila e o C. elegans possuem todo o sistema nervoso mapeado, assim é possível verificar a ação do composto. O curto ciclo de vida e alta taxa de reprodução desses animais permitem testar mais compostos em menor tempo e assim verificar qual o mais ativo. “Como consequência dessa triagem rápida, é possível modificar os compostos propostos em busca de uma melhor relação entre estrutura-atividade. E os resultados que forem promissores poderão avançar para novas etapas”, revela.
O curto ciclo de vida e alta taxa de reprodução das moscas possibilita testar mais compostos em menor tempo.
Uso terapêutico de Cannabis no tratamento de estresse pós-traumático
De acordo com Nádia, são vários os registros que apontam o uso milenar da Cannabis para fins medicinais. No entanto, somente nas últimas duas décadas que as pesquisas com a espécie se intensificaram. A descoberta do sistema endocanabinoide – sistema responsável por regular processos fisiológicos e cognitivos como o apetite, a memória, o humor e a sensação de dor, e pela recepção dos efeitos farmacológicos da Cannabis – direcionou os esforços na busca pelo potencial clínico da espécie em diversas doenças, com resultados animadores.
O uso da Cannabis para fins medicinais é milenar.
“Atuar nessa linha de pesquisa significa utilizar o método científico para investigar e gerar evidências a respeito da eficácia, segurança e qualidade de produtos derivados da Cannabis, pilares fundamentais para a segurança do indivíduo”, esclarece Nádia. De acordo com a pesquisadora, além da pesquisa básica, busca também estratégias que possam melhorar aspectos relacionados às características naturais da espécie que possam interferir na aceitação do paciente. “No caso da Cannabis, o odor e sabor marcantes são exemplos disso. Dessa forma, é possível propor formulações inovadoras e vias de administração alternativas que favoreçam uma maior adesão dos pacientes ao tratamento”, afirma.
Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência
Desde 2015, por iniciativa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), no dia 11 de fevereiro comemora-se o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. O objetivo principal é lembrar da excelência das mulheres na ciência. De acordo com a Unesco, “ciência e a igualdade de gênero devem avançar lado a lado, a fim de enfrentar os principais desafios mundiais e alcançar todos os objetivos e metas da Agenda 2030”. A Agenda 2030 engloba os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, metas criadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para que os líderes mundiais governem tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável.
“Ser cientista, é desbravar mundos, aprender com os que nos antecederam, é dedicar-se à pesquisa e sua disseminação. A força da ciência e da cultura da inovação é o que nos faz mudar, e nesta transformação baseada na educação é o que eu acredito. Por isso, o professor/cientista é o catalisador desta revolução”, afirma Nádia
Nádia ainda lembra da importância do empoderamento das mulheres como mecanismo de promoção de avanço para toda a sociedade. “Olhe para dentro de si e descubra o que te faz brilhar os olhos. É importante adotarmos a educação empreendedora como recurso estratégico na remoção de obstáculos à igualdade de gênero e também para superar desafios pessoais”, conclui.