O pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenador do Núcleo de estudos sobre política de drogas, violências e direitos humanos (Nevidh), Paulo Fraga, será um dos responsáveis pelo painel “Saberes sobre a Cannabis: pesquisas, práticas regulatórias e implicações” (“Cannabis knowledges: research, regulation practices and implications”). O encontro integra a Reunião Anual da Society for Social Studies of Science (4S), associação internacional voltada para o fomento de estudos sociais de ciência, tecnologia e medicina. 

O pesquisador Paulo Fraga é um dos coordenadores de painel internacional sobre Cannabis (Foto: Márcio Brigatto)

O evento acontece em outubro, de forma híbrida, com sede física no Canadá. Os interessados em participar podem submeter trabalhos, por meio de envio on-line, até o dia 8 de março. 

Em entrevista ao portal da UFJF, Fraga fala sobre as pesquisas desenvolvidas no âmbito do Nevidh e a importância de discussões relacionadas à Cannabis – além de adiantar a temática que será discutida no painel coordenado por ele na reunião anual do 4S, com foco em temas relacionados aos estudos da planta e suas implicações políticas e sociais. 

UFJF: Para o senhor, qual o principal desafio dos estudos relacionados à Cannabis no Brasil?

Fraga: Há muito a ser feito no Brasil, apesar dos esforços de cientistas, médicos e outros estudiosos que colocaram a discussão pública da necessidade de avançarmos nos estudos sobre a planta e seus benefícios e, logicamente, a importância de regulação de seu uso e produção. Estamos muito atrasados nessa direção em relação a vários países, como Israel, Uruguai, Estados Unidos, Canadá e outros. O desafio maior é o estabelecimento de leis mais condizentes com o atual estágio de pesquisas e de status que a planta alcançou. Há milênios que a Cannabis é utilizada para fins medicinais, mas, no século XX, a perseguição à planta e aos seus utilizadores não permitiu maiores avanços de pesquisas para provar os benefícios de seus usos. Isso tem sido revertido com a legalização, inclusive da venda e do plantio, em diversos países e em estados dos EUA: recentemente, o estado de Illinois, por exemplo, adotou uma lei que, entre outras medidas, previu políticas compensatórias e ações afirmativas.

Também há pouco tempo, universidades brasileiras, como a UFV e a UFRRJ, conseguiram na Justiça o direito de fazer pesquisas sobre a fitotecnia e a genética da planta. Apesar desse avanço, há a necessidade de pesquisas em várias áreas de conhecimento, executadas de maneira mais regularizada. Uma esperança é a possível aprovação do PL 399/2015*; seria de fundamental importância para mudar esse quadro.

(*Segundo a ementa, o PL 399/2015 altera o art. 2º da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação.)

UFJF: O senhor pode adiantar o que será debatido no painel “Saberes sobre a Cannabis: pesquisas, práticas regulatórias e implicações”, do qual você é um dos coordenadores? Qual a importância de encontros como esse?

Fraga: O objetivo do painel é atrair estudos inovadores sobre a Cannabis em diversos países, para promover um debate sobre os desafios e as perspectivas de investigações de um tema tão recente, mas que vem ganhando espaço relevante na discussão sobre ciência e sociedade. A Cannabis e os canabinóides fizeram um percurso diferente de outros medicamentos: eles partem da experiência do usuário e se impõem a médicos e outros cientistas. Isso é um desafio e uma inovação.

“O desafio maior é o estabelecimento de leis mais condizentes com o atual estágio de pesquisas e de status que a planta alcançou”

O painel nasceu de uma iniciativa do professor Victor Mourão, um pesquisador brasileiro que tem se dedicado aos estudos de Sociologia da Ciência e da Tecnologia. Ele, por sua vez, convidou a mim e a professora Daniela Rezende, que vem se dedicando às pesquisas sobre a discussão no parlamento brasileiro de audiências públicas, projetos de leis e outras proposições legislativas sobre a Cannabis, bem como outros temas, como a utilização de metodologias quantitativas e qualitativas inovadoras.

O encontro anual da 4S é um importante fórum mundial de estudos sociais sobre tecnologia, medicina, ciências computacionais e outras ciências buscando originar o diálogo, o compartilhamento de pesquisas e experiências acadêmica de estudiosos de todo o mundo, com ênfase nos valores éticos de desenvolvimento da ciência e nos direitos humanos. A 4S é uma associação sem fins lucrativos fundada em 1974 e tem se destacado por, também, oferecer bolsas de estudos, prêmios e, assim,  promover estudos e a ciência.

UFJF: Atualmente, quais as principais pesquisas desenvolvidas no Núcleo de Estudos sobre política de drogas, violências e direitos humanos (Nevidh)?

Fraga: Desenvolvemos estudos específicos sobre drogas e plantas proscritas. Os estudos abrangem uso de substâncias psicoativas (SPA) ilegais, audiências públicas sobre Cannabis no Parlamento Brasileiro – em uma parceria com a UFV, em trabalho coordenado pela doutora Daniela Rezende –, mulheres envolvidas com o tráfico de drogas e o plantio de Cannabis no sertão nordestino e, recentemente, padrões de consumo e compra de SPA para fins medicinais e uso adulto durante a pandemia.

Além disso, realizamos um levantamento aprofundado da produção científica brasileira sobre Cannabis nas últimas décadas. Estamos orientando, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSO), uma mestranda que estuda o uso não problemático de Cannabis entre jovens e um doutorando que pesquisa sobre os padrões morais de consumo de Cannabis para fins medicinais; ambos estudos importantes. O primeiro desses dois estudos envolveu uma parceria com a Universidade Católica Portuguesa-Porto. Estamos acompanhando, ainda, dois trabalhos como co-orientador, em duas universidades mexicanas, sobre migração, plantios legais e ilegais de Cannabis e a cultura da planta por famílias camponesas em Nayarit.

Todos esses estudos buscam aprofundar o sentido, a relevância e as experiências de indivíduos, grupos e populações com a Cannabis, além das políticas públicas e as questões legais que envolvem a planta.