A pandemia dificultou ainda mais a rotina daqueles que, mesmo antes do novo coronavírus, já enfrentavam uma série de obstáculos. Não bastassem as preocupações inerentes à própria doença, as pessoas com deficiência ainda precisam travar uma verdadeira batalha contra outros efeitos da covid-19 que fragilizam ainda mais um tema que sempre teve a saúde bastante debilitada: a acessibilidade.
Falta de informações e barreiras na comunicação
Com perda auditiva de 75% e sem domínio da Língua Brasileira de Sinais (Libras), o acadêmico de Direito da UFJF-GV, João Pedro, 20, faz a leitura labial das pessoas para compreender o que falam, recurso especialmente prejudicado nesse período de pandemia. “Imagine estar em um comércio russo. Você escuta as vozes, mas não entende nada”, explica, referindo-se à experiência de conversar com alguém que esteja usando máscara.
E as dificuldades do estudante também estão presentes nas reuniões on-line, muito usadas neste período. Devido à falta de intimidade com a tecnologia, alguns participantes mantêm o microfone do computador ligado todo o tempo, o que provoca uma série de ruídos e interferências que geram em João Pedro – que por conta da deficiência não ouve sons agudos – uma sensação bem desagradável.
Outro problema desses encontros pela internet é o atraso entre a articulação da boca e o som da fala, o chamado delay. Provocado por falhas na conexão, ele gera uma falta de sincronia entre as transmissões do áudio e do vídeo, um efeito impacta negativamente quem necessita da leitura labial para se comunicar.
Para Alaine Oliveira, a falta de informações direcionadas às pessoas com deficiência é mais um efeito negativo da pandemia. “Eu sou do grupo de risco? Devo higienizar minha cadeira se eu sair na rua? Como higienizar? Muitas informações são passadas sobre o novo coronavírus e como se proteger. Porém, para encontrar informações para as pessoas com deficiência é complicado. Além disso, a maioria das informações não são passadas em formato acessível”, explica a estudante de Farmácia, que é paraplégica.
Os impactos do coronavírus na comunicação, principalmente entre a comunidade surda, é uma preocupação do professor da UFJF-GV e tradutor e intérprete de Libras, Rafael Silva Guilherme. “O que me preocupa mais é saber que a cada dia vão se criando adaptações e estratégias para lidar com isso e as pessoas surdas acabam ficando muito aquém. Não é colocado um intérprete de Libras em todos os espaços e locais. É muito importante para que tenham acesso a essas informações e saibam o que está acontecendo. Infelizmente, as informações podem chegar para os surdos de uma forma atrasada”, lamenta.
E quando a própria comunicação se torna um risco? Devido às suas características, a Libras exige de seus falantes medidas ainda mais rígidas de higienização, explica Rafael. “Como é uma língua gestual, ela é sinalizada com o corpo e as mãos. E a mesma mão com que eu falo é a mão que toco os objetos e que, em alguns momentos, preciso tocar o meu rosto. Alguns sinais são feitos com a aproximação da mão no rosto, próximo à boca, aos olhos. Isso poderia causar uma contaminação”. E questiona: “Como as pessoas surdas estão lidando com isso sabendo que a própria forma de comunicação, a própria língua pode ser um causador do vírus?”, afirma o docente.
O contato físico é essencial em alguns tipos de deficiência
Outro aspecto que torna este período ainda mais excludente para as pessoas com deficiência é o distanciamento social. O estudante de Farmácia Vithor Marçal, 19, é deficiente visual crônico, e necessita de acompanhamento periódico e medicamentos para conter o glaucoma e a ceratocone, doenças que o impossibilitam, por exemplo, de enxergar as anotações na lousa da sala de aula. Por conta da quarentena, as consultas médicas se tornaram praticamente impossíveis para ele.
Quando a deficiência é ligada à mobilidade, a necessidade do contato físico é ainda mais evidente. “Sou bastante independente e consigo realizar as minhas atividades sozinha. Porém, pessoas com deficiência física, que precisam de cuidadores para as tarefas do dia a dia, não conseguem realizar o distanciamento social, ficam dependentes de que o cuidador se cuide. Lembrando que alguns deficientes físicos são considerados grupo de risco por possuírem condições subjacentes específicas que tornam a covid-19 mais perigosa para eles”, ressalta Alaine.
Os impacto no mercado de trabalho
Há também o receio de que um outro efeito da pandemia prejudique ainda mais a inclusão. Devido aos impactos na economia, muitas empresas estão realizando demissões em massa, medida que, na opinião de Rafael Guilherme, pode resvalar na Lei nº. 8.213/93, que obriga a contratação de um determinado percentual de pessoas com deficiência para cada número de funcionários.
“Se as empresas estão demitindo as pessoas hoje por uma questão de crise, significa que o percentual obrigatório para cumprirem por causa da cota também vai diminuir. As pessoas com deficiência vão ficar sem emprego mais uma vez porque não tem a necessidade de ter essa quantidade de pessoas dentro da empresa”, afirma.
Ações de inclusão
Na avaliação de João Pedro, “nunca existiu” um cenário de inclusão no Brasil, mas sim uma “contornação do problema”, por meio de estratégias adotadas pelas pessoas com para lidar com situações cotidianas.
Mudar a realidade mencionada pelo estudante é objetivo de algumas iniciativas do campus da Universidade Federal de Juiz de Fora em Governador Valadares. É o caso de um grupo de trabalho voltado para o tema, o “GT-Acessibilidade”, e do projeto de extensão “A acessibilidade do outro e o dever de todos”. Essas ações buscam tornar o ambiente acadêmico mais inclusivo para a Alaine, o João Pedro, o Vithor e todas as pessoas com deficiência.