Data deve ser lembrada como o resultado de um movimento de resistência com a participação de negros libertos e escravizados, questionando a figura da princesa Isabel como agente da abolição. (Biblioteca Nacional/Victor Frond)

Nesta quarta, 13 de maio, completam-se 132 anos desde a abolição da escravatura, com a assinatura da Lei Áurea, em 1888. Nos dias de hoje, a data é cada vez menos lembrada, mas continua sendo necessário discutir o contexto da promulgação da lei, já que no imaginário de muitos (e infelizmente também em antigos livros de história), o ato se constitui como uma ação benevolente da princesa Isabel, filha do imperador Pedro II.

Pouco se discute a ausência, na época, de qualquer medida de integração social, abandonando os cerca de 700 mil escravizados à própria sorte, juntamente com seus descendentes. Também não é amplamente destacado o papel de lideranças do movimento negro, além de escravizados libertos, suas fugas massivas, e o papel dos abolicionistas neste cenário. É necessário ainda discutir toda a pressão internacional, principalmente da Inglaterra, que buscava ampliar seu mercado consumidor em um cenário de Revolução Industrial. 

Para a professora do Departamento de História da UFJF e líder do grupo de pesquisa Lab Afrikas, Fernanda Thomaz, a data deve ser lembrada como o resultado de um movimento de resistência com a participação de negros libertos e escravizados, além de desmistificar a figura da princesa Isabel como agente da abolição. 

Professora Fernanda Thomaz: ““Não foi uma concessão de brancos, mas sim resultado de lutas negras.”

“Muitos escravizados, incansavelmente, já buscavam auxílio das autoridades policiais ou judiciais contra maus-tratos e atrocidades recebidas pelos seus senhores. Era crescente e vasto número de fugas individuais e coletivas em direção às cidades e quilombos. As revoltas e levantes não cessavam de acontecer nas áreas urbanas do país. Diante desse cenário, quando a abolição foi promulgada pela então princesa Isabel, cerca de 90% dos escravizados já haviam conquistado a sua liberdade”, diz a pesquisadora, que reforça: “Não foi uma concessão de brancos, mas sim resultado de lutas negras. No contexto da época, além dos abolicionistas, vários setores da sociedade estavam se opondo à escravidão. No espaço urbano e rural, entre a população negra, os escravizados, os libertos”, afirma a docente.  

Embora tivessem planos para integrá-los à sociedade, o governo imperial não promoveu qualquer política pública voltada aos negros e à nova condição em que eles passariam a enfrentar. Fernanda Thomaz aponta conexões históricas que demonstram a influência do passado escravocrata na vulnerabilidade e desigualdades raciais do Brasil contemporâneo: “A população negra possui as piores condições de trabalho e de moradia. É insistentemente a mais assassinada ao circular nos espaços urbanos. Tem seus centros religiosos destruídos e suas crenças negadas. Em meio a uma pandemia, a população negra é a que mais morre disparadamente. Comemorar a ação de homens e mulheres negras no passado é factível e urgente. O que não dá para comemorar é a concretização dessa tal liberdade, a qual sabemos que nunca se concretizou de fato!”

Novos significados

Ainda nos dias atuais, os negros sofrem resquícios do mau preparo político pré e pós-abolicionismo. Gustavo Ribeiro, estudante de Jornalismo e membro da Frente Preta da UFJF reforça o pensamento. “A abolição plena ainda não veio. Pessoas negras não são exatamente livres para escolher caminhos que não são análogos ao trabalho escravo. Não tiveram acessos dignos em 1888 e hoje em 2020, temos poucos. Ainda sim, valorizamos esse ‘pouco’, por ser fruto de um esforço inimaginável desde ancestrais mais longínquos, até os ancestrais mais próximos, como nossas mães.” 

Comemorar a ação de homens e mulheres negras no passado é factível e urgente. O que não dá para comemorar é a concretização dessa tal liberdade, a qual sabemos que nunca se concretizou de fato!”
Fernanda Thomaz

Para Ana Júlia Silvino, integrante da Frente Preta da UFJF e aluna do curso de Rádio, TV e Internet, em novos contextos, a data é celebrada como um dia nacional de luta e atenção contra o racismo, visto que a abolição legal da escravidão não garantiu condições reais de participação social para a população negra do Brasil. “Nós negros, lutamos e continuaremos lutando no pós-abolição, desta vez, contra o racismo institucional e estrutural”.

“Não veio do céu nem das mãos de Isabel”, esse é o título do texto que o estudante de Jornalismo Samuel Fontainha escreveu em parceria com a Frente Preta, para a Associação dos Professores do Ensino Superior (Apes). O texto propõe uma reflexão sobre o 13 de maio e sua importância para as pessoas negras. “A data simboliza e transforma em referência muitas pessoas negras que batalharam pelo fim da escravidão e esse dia precisa ser visto como tal”, argumenta o estudante.

Websérie será lançada no dia 22 (Foto: Gustavo Tempone)

Com intuito de produzir materiais didáticos de forma acessível, o grupo de pesquisa Afrikas tem elaborado conteúdos para as redes sociais. Em função do dia da Abolição da Escravatura, será compartilhado um post relacionado ao projeto audiovisual do grupo, feito em formato de websérie. “Vamos falar do branco racializado, de como a identidade branca faz parte das relações raciais, das desigualdades sociais do nosso país. Se raça é relacional, tem o contraponto do eu e do outro. Quando nós falamos de raça só se pensa no outro, no outro negro racializado. A identidade branca racializada que ajudou a construir o outro. Até para combater o racismo é importante identificar a importância da branquitude como uma forma de manifestação e reprodução da desigualdade racial e da criação desse outro que continua sendo inferiorizado, criminalizado, estigmatizado e que é apontado na nossa sociedade para morrer”, complementa.  O lançamento está previsto para o dia 22 de maio abordando a temática da branquitude.

Outras informações:

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Frente Preta da UFJF