Há centenas de anos, moradores da Serra do Espinhaço Meridional, na região de Diamantina, vivem da agricultura familiar, da criação de gado solto e, principalmente, do agroextrativismo. Dessas atividades, destaca-se a colheita das sempre-vivas, plantas nativas dos campos rupestres mineiros. Agora, o modo de vida dessa comunidade tradicional é reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) como um Sistema Agrícola Tradicional Globalmente Importante (GIAHS). Esse é o primeiro sistema agrícola tradicional brasileiro a receber este título, o quarto na América Latina.

Sistema agrícola da Serra do Espinhaço Meridional, na região de Diamantina, é reconhecido internacionalmente. (Foto: Gustavo Soldati)

De acordo com o etnobiólogo do departamento de Biologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Gustavo Soldati, esse título é reflexo da relação deste povo com o ambiente em que vivem: “existe um valioso conhecimento tradicional capaz de associar a produção de alimentos com vários benefícios ecossistêmicos, como diversificação genética, manejo da paisagem, conservação da sociobiodiversidade e produção de água. A construção de uma identidade tradicional e o pertencimento ao território da Serra do Espinhaço também definem este povo tradicional”, explica.

Soldati e o também etnobiólogo da UFJF, Reinaldo Duque Brasil, fizeram parte de uma equipe composta por antropólogos, agrônomos e biólogos que produziram o documento que pleiteou o título, a pedido da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex), entidade que organiza politicamente os apanhadores de sempre-vivas. “Os apanhadores começaram a lutar pelos seus direitos, a lutar pelo uso do território e da biodiversidade. A construção do dossiê foi uma demanda popular, oriunda da Codecex, e apoiada por uma equipe de técnicos, que vinculou a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade de São Paulo (USP) e a UFJF. O documento apresenta uma caracterização de diversos elementos do sistema agrícola, bem como um ‘Plano de Conservação Dinâmica’, ou seja, compromissos do Estado, em seus diferentes níveis, para a perpetuação e garantia do modo de vida”, explica Soldati.

Criado em 2002, o título reconhece que as comunidades agraciadas possuem um sistema de relações intrincadas entre estas e seus territórios, seus panoramas culturais e modo de agricultura, garantindo sua preservação. Segundo Soldati, essa conquista consagra mais de quinze anos de dedicação e estudos socialmente referenciados na Serra do Espinhaço: “Isso permite entender melhor a importância das agriculturas tradicionais para o mundo. É um sistema que sintetiza uma das principais tradições de nosso estado, a culinária, e que espalha para todos os cantos, em cada sempre-viva espalhada pelo mundo, o sentido de nossas minas e dos nossos gerais. Hoje o mundo reconhece a importância e a beleza não apenas dos apanhadores e apanhadoras de sempre-vivas, mas de todos os povos tradicionais e originários dos trópicos”, conclui.

  Cerimônia no Mapa oficializou o reconhecimento. (Foto: Gustavo Soldati)

Cerimônia

A Codecex recebeu oficialmente o título de GIAHS nesta quarta (11), na sede do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em Brasília. Participaram da cerimônia, além de membros da comissão, a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina Dias; o representante da FAO no Brasil, Rafael Zavala; e o secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do estado de Minas Gerais, José Ricardo Roseno. “Tatinha”, umas das principais lideranças dos apanhadores de sempre-vivas, também participou da solenidade.