Além de mostra, evento tem programação variada, com rituais, poéticas, vivências, oficinas e sarau, até 15 de dezembro (Foto: Ramon Rafaello)

O dia a dia na aldeia, as cerimônias e rituais, atividades de caça e produção de artesanato são apresentadas na mostra Maxakali – A Resistência de um Povo, em cartaz a partir do dia 24 de novembro nas galerias Mehtl’on e Tlegapé do Jardim Botânico da UFJF. A exposição é uma oportunidade de o público conhecer parte da coleção etnográfica da cultura Maxakali que integra o acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia Americana (MAEA), vinculado à Pró-reitoria de Cultura da UFJF.

A partir do dia 26 de novembro, uma série de ações culturais acontecerá no Jardim Botânico e no Centro de Ciências (Campus), algumas das quais contarão com a presença de integrantes de dois grupos Maxakali, que deixam suas aldeias no nordeste mineiro e chegam a Juiz de Fora no dia 28 de novembro,  permanecendo até 2 de dezembro para participar das atividades (ver programação abaixo).

Doada à UFJF em 1990 pela antropóloga Neli Ferreira do Nascimento, que na época era docente do Departamento de Ciências Sociais da UFJF, a coleção etnográfica da cultura Maxakali foi incorporada ao MAEA em 1992. Hoje aposentada, a professora Neli Nascimento foi uma das primeiras pesquisadoras a se interessar pelos problemas econômicos, culturais e sociais vividos por esse grupo a partir de seu contato com a “civilização”.

A coleção reunida pela antropóloga é uma das mais ricas, com uma diversidade de artefatos que são o testemunho material e simbólico da cultura Maxakali e de seu modo de vida. São peças coletadas no período de dez anos, entre 1977 e 1987, quando Neli realizou pesquisas de campo com o grupo: máscaras rituais, instrumentos de caça, cerâmicas, adornos, chocalhos, redes de pesca, bolsas, cestos, brinquedos e esculturas, dentre outros objetos e ferramentas.

Além do caráter utilitário para o cotidiano do grupo, as peças exemplificam as habilidades artesanais dos Maxakali, a relação dos indígenas com a natureza e a divisão de trabalho entre eles: argila e fibras têxteis são os materiais dos artefatos produzidos pelas mulheres, como vasilhas, jarros, bolsas e adornos, redes de pesca e dormir, enquanto madeira, fibras, cipós e talas são empregados pelos homens na construção de casas, armas, instrumentos musicais, teares, arcos, flechas e objetos sagrados.

Para que o público possa melhor apreciar e compreender o lugar de cada objeto na vida dos Maxakali, a exposição recria cenários da vida na aldeia, como, por exemplo, uma cena doméstica com exposição de cerâmicas. Outros ambientes apresentarão lanças de caça, adornos de cabeça e bichinhos de madeiras (figuras zoomórficas) que ilustram o artesanato dessa cultura. Um dos objetos mais interessantes da exposição será um mastro cerimonial em torno do qual os Maxakali realizam rituais sagrados: localizados nos pátios das aldeias, os mastros são o meio pelo qual os espíritos (yãmiy) descem para visitar a terra.

Mostra fotográfica

Complementa a exposição Maxakali – A Resistência de um Povo uma mostra fotográfica com imagens – em preto e branco e em cores – que captam o modo de vida do grupo. A exposição reúne fotografias realizadas pelas pesquisadoras do MAEA, Luciane Monteiro de Oliveira e Cecília Belindo de Araújo Porto, em atividades de pesquisa acadêmica em aldeias Maxakali.

As fotos de Luciane foram realizadas de 1997 a 1999 e de 2004 a 2006, na terra indígena de Água Boa e Pradinho, no âmbito do Mestrado em Arqueologia (“A produção cerâmica como reafirmação de identidade étnica Maxakali: um estudo etnoarqueológico”) e do Doutorado em Educação (“Razão e afetividade: a iconografia Maxakali marcando a vida e colorindo os cantos”), ambos realizados na USP. Luciane foi bolsista do MAEA entre 1992 e 1995, e o seu interesse pelos Maxakali surgiu no período em que atuou no Projeto da Fapemig de Inventário das coleções do MAEA, em 1993/1994.

Cecília produziu suas fotos em 2014, na Aldeia Verde, durante sua pesquisa de mestrado em Arqueologia, intitulada “Tecendo símbolos e significados: uma abordagem etnoarqueológica à tecelagem Maxakali”, pelo Museu Nacional/UFRJ. Ela foi bolsista do MAEA entre os anos de 2010 a 2012 e sua pesquisa é fruto da sua formação no Museu. Hoje funcionária do mesmo, Cecília destaca a importância da fotografia para o trabalho museológico: “A fotografia ultrapassa a simples ilustração. Com o acervo fotográfico, torna-se possível elaborar comparações e fundamentar visualmente pesquisas de inter-relações a partir das próprias fotografias. As imagens, por si só, podem ser consideradas como ponto de partida para suscitar diferentes reflexões.”

Com base nesse princípio, todas as ações do MAEA contam com registro fotográfico. Com o objetivo de refinar seu olhar, as pesquisadoras fizeram recentemente um workshop de fotografia com a fotógrafa Júlia Ugelli. “E estamos estabelecendo parcerias com o professor Carlos Reyna, do departamento de Ciências Sociais, a fim de inserirmos as discussões da Antropologia Visual na formação da equipe”, conta Cecília.

Para a mostra fotográfica, a Pró-reitoria de Cultura convidou o estudante de antropologia e mestrando em Estado e Sociedade pela Universidade Federal do Sul da Bahia, Ramon Rafaello, para expor parte de seu registro etnofotográfico de uma celebração em homenagem à memória do mestre pajé Toninho Maxakali, realizada em abril deste ano na aldeia de Pradinho. Segundo Rafaello, Toninho foi “um grande interlocutor entre os conhecimentos da sua cultura e o mundo acadêmico, colaborando para decodificar linguagens e significados quase impenetráveis para o contexto dos ãyũhũk (brancos)”. Além de pajé, Toninho Maxakali foi músico, poeta, cineasta e autor de livros escritos em parceria com pesquisadores.

Degradação ambiental

Os Maxakali habitam a região nordeste de Minas Gerais, na fronteira com a Bahia, e são um dos poucos dentre os povos nativos do Brasil a chegar ao século XXI com sua língua original viva, falada pela maioria do grupo (Foto: Ramon Rafaello)

Os Maxakali habitam a região nordeste de Minas Gerais, na fronteira com a Bahia, e são um dos poucos dentre os povos nativos do Brasil a chegar ao século XXI com sua língua original viva, falada pela maioria do grupo. A população Maxakali conta atualmente com cerca de 1.500 pessoas, distribuídas por 5.300 hectares de terras indígenas – terminologia da Funai para o território ancestral, tradicionalmente ocupado pelo grupo – de Água Boa, Pradinho, Aldeia Verde e Cachoeirinha, situadas, respectivamente, nos municípios de Santa Helena de Minas, Bertópolis, Ladainha e Teófilo Otoni.

Esse povo originalmente seminômade vive hoje do cultivo de roças de subsistência – como banana, milho, batata, aipim e feijão –, cuja produção é vendida em feiras urbanas, assim como o artesanato feito pelas mulheres do grupo. Isso, porém, não basta para atender todas as suas necessidades, e muitos acabam por se empregar eventualmente como assalariados nas fazendas da região. Alguns atuam como professores nas escolas indígenas implantadas em 1995 e agentes de saúde.

De acordo com Ramon Rafaello, “A história dos Maxacali é marcada por diásporas, expulsões, massacres, epidemias e a degradação e redução dos seus territórios [ocupados por fazendeiros], que vêm impossibilitando as práticas da caça, pesca e coleta, dificultando o acesso à água e demais recursos fundamentais para reprodução dos seus modos de vida tradicionais”.

Hoje os Maxakali têm dificuldade até mesmo para obter as fibras de embaúba que utilizam na cobertura de suas casas e na tecelagem: na Aldeia Verde, informa Cecília, eles só têm autorização para coletar a fibra uma vez por ano, pois as árvores encontram-se em terras de fazendeiros. Para evitar conflitos, esse foi o acordo mediado pela Funai. Além da perda de seus recursos naturais, os Maxakali enfrentam problemas de saúde por não contarem com tratamento de água e saneamento básico.

Apesar de enfrentar desajustes sociais, o grupo se sobressai pela capacidade que tem demonstrado de preservar suas expressões culturais. Uma de suas formas de resistência é a preservação da língua Maxakali.  De acordo com o último censo brasileiro, apenas 17,5% da população indígena brasileira não fala a língua portuguesa. O idioma Maxakali, pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê, é utilizado na comunicação do grupo, e poucos dentre eles falam português. Apenas em décadas recentes os Maxakali adotaram a escrita como forma de preservar sua cultura, pois esse é um povo de tradição oral que ficou conhecido como “o povo do canto”, porque, sendo considerado uma expressão dos espíritos, o canto está presente em todas as suas atividades cotidianas.

Exposição Maxakali – Resistência Indígena no Brasil Atual

Abertura dia 24, às 11h, nas Galerias Mehtl’on e Tlegapé, na casa sede do Jardim Botânico (Rua Coronel Almeida Novais, 246, Bairro Santa Terezinha  – sem estacionamento)

Visitação de terça a sexta, das 8h às 17h, e domingos, das 9h às 17h. Última entrada às 16h30. Feriados: sob consulta.

Programação*

* A convite do MAEA – Museu de Arqueologia e Etnologia Americana e do Jardim Botânico da UFJF, entre os dias 28 de novembro e 2 de dezembro os povos Maxakali e Kariri-Xocó estarão desenvolvendo uma série de ações culturais e trocas de saberes.

26 de Novembro (3º feira)
Aula aberta: história e linguística Tupi

Das 9h30 às 11h: Aula aberta sobre a história e a linguística Tupi promovida por Marco Fietto e Jimmy Correa, professores do Instituto Estadual de Educação.
Local: Sala de Aula do Mato – Jardim Botânico

28 de Novembro (5º feira)
Ritual de reconhecimento ambiental e roda de conversa com o povo Maxakali

Das 8h às 11h: Ritual de reconhecimento ambiental
Roda de conversa sobre a cultura e a história do povo Maxakali
Local: Sala de Aula do Mato – Jardim Botânico

A queda do céu: poéticas e vivências

Das 13h às 17h: Série de leituras poéticas sobre a trajetória de iniciação espiritual e demais vivências retratadas no livro “A queda do céu: palavras de um xamã yanomami”, de Davi Kopenawa e Bruce Albert. Oficina Literaturas Indígenas nas Américas, Profª Silvina Carrizo, da Faculdade de Letras/UFJF.
Local: Sala de Aula do Mato – Jardim Botânico

29 de Novembro (6º feira)
Oficina de construção indígena

Das 9h às 11h: Coleta e preparo da matéria-prima
Das 13h às 17h: Oficina de construção indígena
Local: Jardim Botânico

30 de Novembro (Sábado)
Mão de barro: oficina de confecção cerâmica

Das 9h às 18h: Participação do povo Maxakali na Troca de Saberes: “Desejo, consumo e consciência”, promovida pelo Departamento de Zoologia da UFJF no âmbito da disciplina de Ensino de Educação Ambiental, ofertada pelas professoras Juliane Lopes e Simone Cardoso.
Local: Bromeliário – Jardim Botânico.

01 de Dezembro (Domingo)
Tecendo símbolos e significados: o poder da embaúba e das formigas guardiãs­
Das 9h às 12h: coleta e preparo da matéria prima para a confecção de tecelagem e roda de conversa com a professora Juliane Lopes, do Departamento de Zoologia da UFJF e coordenadora do MirmecoLab; Gustavo Soldati, do Departamento de Botânica da UFJF e diretor do Jardim Botânico da UFJF; e o povo Maxakali.
Local: Jardim Botânico

Diálogos interculturais entre os Maxakali e os Kariri-xocó: lutas e território
Das 14 às 16h: Roda de conversa com os indígenas de Minas Gerais e Alagoas sobre os desafios e as lutas pelo direito ao uso da terra.
Local: Sala de Aula do Mato – Jardim Botânico

02 de Dezembro (2º feira)
Oficina de construção indígena
Das 9h às 11h: Oficina de construção indígena
Das 14h às 17h: Oficina de construção indígena
Local: Centro de Ciências (Campus da UFJF)

06 de Dezembro (6º feira)
Oficina de contação de histórias com Alíria Guajajara
Das 14h às 16h: Por meio da narração de histórias, a oficina busca propiciar conhecimentos e reflexões sobre o universo indígena e oferecer um exercício de pensamento dos conhecimentos ancestrais.
Local: Sala de Aula do Mato – Jardim Botânico

15 de Dezembro (Domingo)
Performance “Mãe Terra” + Sarau de poesia marginal

Das 14h às 16h: Mãe Terra é uma performance da artista Bianca Leite, que traz uma vivência de puro estado de fruição ao lugar primitivo do qual nos distanciamos. Um estado de conexão com nossas raízes e origens, trazendo a filha ao seio do útero de sua mãe terra, colo onde foi gerada, unindo o religar entre criadora e criatura ao puro ato de ser ancestralidade. Mítica força da natureza criadora que tudo nos deu ligando a trindade Mãe – Terra – Filha. O sarau de poesia marginal será promovido por poetas do coletivo Vozes da Rua.
Local: Sala de Aula do Mato – Jardim Botânico
Número de vagas por oficina: 30
Idade mínima: 16 anos
Inscrições pelo e-mail: maea.ufjf@gmail.com

Outras informações:

3214-4161 (MAEA)

3224-6725 (Jardim Botânico)