No mês da Consciência Negra, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) lança em seus banners uma campanha para discutir visibilidade e representatividade da população negra no ensino superior. Estudantes de diversos cursos da instituição se reuniram em fotos que, além de alertar para o fato de que a questão do acesso e permanência de negros não deve ser discutida apenas em datas temáticas. A partir do slogan “Não é só em novembro”, a ação também busca avaliar os 15 anos da implantação das cotas na UFJF.
A iniciativa foi motivada pela estudante de Odontologia, Grazielle Cristhina Oliveira, que reuniu colegas negros de seu curso e idealizou a foto, que simboliza ao mesmo tempo representatividade e resistência. “A presença dessas 22 pessoas é revolucionária e necessária! É fundamental frisar o quão importante é a figura de um cirurgião-dentista negro ocupando novos espaços e construindo novas narrativas”, escreveu.
Para o professor e diretor de Imagem Institucional da UFJF, Márcio Guerra, a campanha valoriza o período em que se celebra a Semana da Consciência Negra, ao mesmo tempo em que levanta uma discussão. “A campanha traz um alerta proposto pelos próprios coletivos, CAs e DAs que aceitaram nosso convite para discutir e propor a forma como eles achavam que deveria ser a campanha, que é lembrar que não é só em novembro que se discute a questão do racismo, do preconceito e da necessidade de nós mudarmos esse cenário que infelizmente ainda é uma realidade no Brasil.”
O aluno do 2º período de Letras, Gustavo Alves da Silva falou sobre a necessidade de trazer uma reflexão maior sobre o Dia da Consciência Negra, “não se limitando a representar somente a luta de Zumbi”. “Essa data é marcada por todo sangue que foi derramado, desde a colonização portuguesa até o genocídio da juventude negra que, infelizmente, é uma realidade do Brasil atual. O dia 20 de novembro deve ser um dia pautado na reflexão, tanto do povo negro, que precisa lutar ainda mais por seu espaço e reconhecimento, quanto do povo branco, que precisa entender que o racismo é uma realidade”.
O caminho para além do mês da Consciência Negra
A partir da participação de estudantes negros na elaboração da campanha, foi feita também a discussão sobre a importância de pautar a negritude e a luta contra o racismo durante todo o ano. Entretanto, os alunos e alunas envolvidos destacaram ser fundamental usar a data como oportunidade de conversar sobre os temas com maior frequência. “Mesmo que a gente tenha iniciado a campanha com a discussão de que não pode ser só em novembro, a gente precisa ocupar nossos espaços e mostrar para a Universidade que a gente está aqui, queremos trazer essa visibilidade”, explica a integrante do Coletivo Descolônia e aluna do 5º período do Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design, Monique Saboia.
A discussão oportunizada pela data lembra que poderiam existir ações ao longo do ano, como o maior espaço e visibilidade a eventos dentro e fora do campus, organizados pelas pessoas negras, como foi o caso da Calourada Preta. Além disso, uma das alternativas apontadas foi estreitar a comunicação institucional com os alunos e trabalhadores negros da universidade.
O professor e diretor de Ações Afirmativas (Diaaf), Julvan Moreira de Oliveira, também enfatiza que “na verdade, vários grupos de pesquisa, professores e coletivos que trabalham e pesquisam temas relacionados e culturas africanas, desenvolvem ações ao longo do ano. Mas é um momento de reforçar a importância desta data simbólica de luta contra o racismo, o preconceito e escravidão”.
A presença negra na Universidade
Durante a vivência universitária, os alunos negros possuem demandas específicas. Quando perguntada como se sente na universidade, enquanto aluna negra, a estudante do 4º período da Faculdade de Educação, Bruna Silva, não hesita: “Ainda invisibilizada e minoria, por isso não dá para se sentir tão pertencente a esse lugar. A universidade de uma forma geral procura os alunos negros quando chega as datas comemorativas, fora isso a população negra universitária ainda é silenciada”, observa.
Monique Saboia, destaca que mesmo a maioria da população do Brasil sendo negra, esse percentual não se reflete dentro do corpo docente na universidade, apenas nos funcionários que trabalham no campus. “Eles também devem ser ouvidos, uma vez que fazem parte da vida universitária”.
Neste sentido, Julvan Moreira destaca a importância da cota para o processo de inclusão no ensino superior: “Há 15 anos, em 2004, a UFJF aprovou a resolução de aprovação de cotas. Percebemos que desde a entrada dos primeiros cotistas, em 2006, cerca de 25 mil estudantes, entre eles os negros, tiveram a oportunidade de ingressar no ensino superior. É importante destacar que muitos deles não teriam essa chance se não fosse a política afirmativa de entrada e permanência”.
Resistência
Mesmo com todas as dificuldades, a resistência não é uma opção, mas sim forma de sobrevivência dentro do espaço acadêmico. A aluna Bruna Silva prepara-se para se tornar professora do Ensino Infantil, uma professora negra com uma visão antirracista formando crianças: “O meu primeiro contato com a escola foi na rede municipal de educação em uma comunidade de Juiz de Fora. E lá tem a maior parte dos alunos negros. Tudo que eu penso para eles é voltado para um reconhecimento e pertencimento da cultura, que ainda é desvalorizada, e trabalhar esse reconhecimento na infância faz com que a criança cresça empoderada e sabendo do seu lugar no mundo”.
Ainda neste sentido, o graduando do 2º período de Letras, Gustavo Alves da Silva, manifesta-se firmemente em favor da visibilidade e importância da luta do povo negro: “A temática da consciência negra tem que ser levantada todos os dias, pois a sociedade brasileira só existe hoje porque muito sangue negro foi e ainda é derramado, muitos negros vieram à força escravizados por europeus e isso quase nunca é debatido na escola. É importante que essa discussão e esse despertar da consciência atinja principalmente às crianças, pois são elas que têm como difícil tarefa tornar esse mundo um lugar mais tolerante às diferenças.”
Colocar em pauta as questões que os movimentos negros trazem, como equidade, emancipação da população negra, são questões pertinentes e atuais, mas é importante ampliar a discussão, como explica o graduando do 5° período de Jornalismo, Gustavo Luiz Ribeiro, da Frente Preta. “Discutir essas questões para além de novembro não é só uma necessidade, mas é o mínimo que se espera. Pois se fossem só 30 dias para pensar essas questões dificilmente resolveriam esses 388 anos de escravidão formal, mais esse período de mais ou menos 100 de escravização tardia, uma escravização ressignificada. Trazer esses assuntos para além de novembro é humanizar essas pessoas.”
A Pró-Reitoria de Graduação, por meio do Conselho de Graduação (Congrad) trabalha, desde o início do ano, com comissão de heteroidentificação que, já na matrícula, realiza uma conferência da autodeclaração étnico-racial. O objetivo é resguardar as populações contempladas pela Lei de Cotas e evitar possíveis fraudes no sistema de ingresso.
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