A geração própria de energia é um cenário atraente para o Brasil (Foto: Unsplash)

Painéis solares domésticos, turbinas eólicas, geradores à diesel. Cada vez mais, a geração própria de energia apetece a realidade brasileira e sistemas como os citados tornam-se comuns no dia-a-dia. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), desde 2012, mais de 120 mil unidades consumidoras com micro ou minigeração foram implantadas no Brasil. O modelo ainda representa apenas 1% da matriz energética nacional, beneficiando 0,2% dos 84 milhões de consumidores. No entanto, seu crescimento rápido levanta questões sobre as consequências dessa nova forma de produzir e consumir energia. 

Para discutir o assunto, a Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) recebe nesta sexta-feira, 8, os principais nomes do sistema energético para o ciclo de palestras “Perspectivas e desafios da utilização de recursos energéticos distribuídos”. A programação conta com alunos egressos da Universidade que ocupam cargos representativos em instituições brasileiras, como o presidente da Aneel, Rodrigo Limp, e o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral.

Convidamos a professora do Departamento de Energia Elétrica da UFJF e uma das organizadoras do evento, Janaina Gonçalves de Oliveira, para esclarecer algumas dúvidas sobre os recursos energéticos distribuídos (REDs). 

Principais nomes do sistema energético estarão em evento na Faculdade de Engenharia nesta sexta-feira, 8 (Foto: Twin Alvarenga)

UFJF: De forma resumida, os recursos energéticos distribuídos (REDs) são unidades consumidoras com micro ou minigeração, como painéis solares domésticos ou os geradores em estabelecimentos comerciais. Na prática, como eles funcionam?
Janaína de Oliveira: Na prática, tem-se unidades que anteriormente apenas consumiam energia da rede elétrica e, agora, também atuando como geradores, em sua maior parte conectados ao sistema de baixa/média tensão. Já as definições normativas para os conceitos de micro e minigeração, de acordo com a Resolução Normativa da Aneel 482/2012, é: “a micro e a minigeração distribuída consistem na produção de energia elétrica a partir de pequenas centrais geradoras que utilizam fontes com base em energia hidráulica, solar, eólica, biomassa ou cogeração qualificada, conectadas à rede de distribuição por meio de instalações de unidades consumidoras.

Para efeitos de diferenciação, a microgeração distribuída refere-se a uma central geradora de energia elétrica, com potência instalada menor ou igual a 100 quilowatts (kW), enquanto que a minigeração distribuída diz respeito às centrais geradoras com potência instalada superior a 100 kW e menor ou igual a 1 megawatt (MW).”

UFJF: Então, os REDs não são necessariamente recursos energéticos renováveis. O que é energia renovável? Como ela se diferencia da energia limpa?
Janaína: Esse é um ponto que muitas vezes gera divergência. Energia renovável é aquela obtida através de fontes naturais e que pode ser convertida de maneira contínua quando necessário. Já energia limpa é aquela que causa impactos mínimos ao meio ambiente – o que muitas vezes é estimado através da emissão de gases do efeito estufa emitidos no processo direto de conversão, ou como consequência. Mas também pode-se considerar diminuição da biodiversidade e alterações físicas/químicas no ecossistema. Um exemplo dessa discussão nesse aspecto é a própria geração pela energia hidrelétrica. 

UFJF: Como que se dá a relação entre os REDs e a rede de distribuição energética convencional?
Janaína: Historicamente, entende-se por “rede elétrica convencional” ou “rede de distribuição convencional” aquela que opera com fluxo unidirecional. Isso quer dizer que a energia elétrica é obtida a partir de grande centrais geradoras, geralmente distantes dos centros consumidores, e através das linhas de transmissão é entregue aos consumidores que, em sua maioria, estão conectados à rede de distribuição. Com a geração ocorrendo na unidade (até então) consumidora, esse fluxo se inverte entre o ponto de conexão do consumidor com a rede e, em alguns horários do dia, pode ser inverter também em outras partes do sistema, devido às diferenças entre geração e consumo. 

UFJF: Como você avalia o aumento de unidades de micro e minigeração no Brasil? De que maneira isso afeta o paradigma de consumo energético no país?
Janaína: Esse aumento veio majoritariamente na linha econômica, uma vez que a isenção de alguns impostos tornou a geração por energia solar (principalmente) muito competitiva. Ou seja, o consumidor tinha condições de recuperar seu investimento em um prazo bastante aceitável.
De certa forma, essa expansão tem muitas vantagens, pois reduz perdas pela transmissão e também a necessidade imediata de expansão do sistema por novas centrais geradoras. Porém, ela também traz impactos negativos, uma vez que essas fontes são intermitentes e não se pode, sem uma unidade armazenadora, garantir que demanda e geração sejam iguais em uma análise de curto tempo.

UFJF: Quais são os principais desafios que esse aumento apresenta para a rede de distribuição?
Janaína: A possível inversão no fluxo, bem como a diferença entre geração e demanda local, modificam bastante a forma já conhecida da operação dos sistemas de distribuição. Para que a mesma seja operada de forma mais confiável e eficiente, necessita-se de grande infraestrutura de medição e comunicação.  

UFJF: O que acontece com a energia produzida nos REDs, mas que não é armazenada? Ela volta para rede ou pode ser comprada por concessionárias?
Janaína: Hoje, se você gera através de uma mini-micro geração e não consome internamente o que está gerando, esse excedente é injetado na rede elétrica. O excedente não é exatamente comprado, porque o consumidor paga apenas pela diferença entre consumo de geração, mas é absorvido pela rede. 

UFJF: Esse excedente pode causar algum dano na rede?
Janaína: Sim, excesso de potência excedente existente na rede, quando não há uma igualdade entre demanda e geração, pode gerar instabilidade com variações na freqüência (cujo valor base é 60Hz) e nos níveis de tensão, além de sobrecarregar equipamentos como linhas e transformadores.  

UFJF: O que leva as pessoas a buscarem por essa forma de produção/consumo?
Janaína: Existe um lado econômico, que visa de fato reduzir a conta de luz. Mas também existe um aspecto ambiental, sabendo que Brasil – apesar de ser majoritariamente suprido por centrais hidrelétricas – também depende de centrais termelétricas, que utilizam combustíveis fósseis para funcionar

UFJF: É possível armazenar essa energia que é produzida autonomamente?
Janaína: Sim, uma das grandes discussões e previsões é, de fato, a necessidade de utilizar sistemas de armazenamento de energia para interfacear as gerações intermitentes com as demandas de carga (consumo). Exemplos são bancos de baterias, supercapacitores, flywheels. Porém, essas tecnologias ainda são bastante caras e suas aplicações variam muito em termos de energia a ser armazenada e tempo de carga/descarga.