Pesquisador participa de eventos abertos ao público. As inscrições podem ser feitas na hora. (Foto: Instituto Sedes Sapientiae)

O que um conceito trabalhado no século XI, na Europa, poderia ter em comum com o momento atual, inclusive no Brasil? O princípio de universidade e sua relação com o pensamento e com a nossa maneira de viver será uma das questões abordadas pelo psicanalista e professor do Departamento de Filosofia da Universidade de Paris VIII, Plínio Prado Jr, que visita a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) pela primeira vez. 

O evento gratuito e aberto ao público começa nesta quarta-feira, 11, às 16h, e segue com atividades até sábado, 14. A programação inclui o curso “Princípio de Universidade como direito incondicional à crítica”, nos dias 11, às 16h, e 13, às 14h, no Instituto de Ciências Humanas, e mais duas palestras, que introduzem a arte e alguns conceitos do psicanalista francês Jacques Lacan na discussão. As inscrições são feitas na hora e nos locais do evento, estando sujeitas à lotação das salas. A participação nas atividades confere certificado. 

O princípio de universidade e o direito à crítica

O encontro propõe um debate desde a origem histórica da universidade, que nasce em Bolonha, na Itália, passando por ações de movimentos sociais no século XX, pelo poder obscurantista na época de Voltaire, até sua relação com problemáticas contemporâneas, como as queimadas na Amazônia. Como ressalta Prado Jr., o princípio de universidade, abordado como direito incondicional à crítica, e seus efeitos não estão restritos ao ambiente acadêmico. “Cada vez que um movimento social, por exemplo, se arroga o direito de pensar e de se conduzir por si mesmo, ele alega esse princípio, mesmo se ele é exterior à instituição universitária.”

Como uma mola autônoma, capaz de manter em movimento uma concepção crítica, o professor explica que segundo “o princípio de universidade, o pensamento é ele mesmo o seu próprio fundamento; ele se dá a si mesmo a sua própria lei”. Nesse sentido, concebe-se o princípio como o de independência ou o de liberdade. “Ele vem das escolas de sabedoria ou de arte de viver na antiguidade, como com o socratismo, epicurismo e estoicismo. Não há universidade, e, portanto, ciência, pesquisa, ensino, saber, sem uma referência fundamental a esse princípio.”

Uma das dinâmicas essenciais à universidade, que mostram esse caráter independente, é a pesquisa fundamental, que dá lugar a importantes invenções científicas em diversas áreas, como em Geometria, Física, Matemática, Filosofia e Ciências Humanas. Prado Jr. coloca, junto a isso, o princípio de universidade como o cerne possibilitador da crítica à submissão e da busca por emancipação. “Na prática cotidiana, a universidade não cessa, nem nunca cessou de infringir, de postergar ou violar esse princípio, submetendo-se ao poder da igreja, do monarca, da indústria, da economia, entre outros. Mas, ao mesmo tempo, ela também nunca cessou de criticar essa submissão e de buscar a sua emancipação.”

Universidade como ambiente de resistência 

Nascido no Brasil, Plínio Prado Jr. mudou-se para Paris, na França, onde ensina e pesquisa na Universidade de Paris XVIII há mais de 20 anos. Ele conta que vem ao país anualmente e diz saber que irá encontrar um lugar diferente dos anos anteriores. “Em primeiro lugar e sobretudo porque o país vive literalmente um trauma, inclusive no sentido clínico do termo. Um culto regressivo, patológico, do ódio e da morte se instalou no país. Hoje, isso atravessa o corpo social e está procedendo ao desmonte das instituições, ao desmantelamento de nossos direitos e, finalmente, à obstrução do futuro, o que afeta até as mais íntimas relações”.

Observando a universidade, a educação e a cultura como os lugares onde o futuro se inventa e como os principais alvos de ataques, Prado Jr. elucida que o obscurantismo “é um caso particular de ódio, é a ira contra o saber, contra o pensamento, contra a capacidade que cada um tem, virtualmente, de pensar por si mesmo”. Ele pondera, ainda, que graças a posturas como o obscurantismo e o anti-cientismo, de cético-climáticos, por exemplo, “a Amazônia está queimando neste instante em que estamos conversando.”

Sobre como a universidade pode ser um ambiente de resistência, o professor destaca, justamente, o trabalho da cultura, como o recurso possível, “seres dotados da palavra”. Nesses termos, retoma um diálogo entre Sigmund Freud e Albert Einstein, em 1932, entre as duas guerras mundiais, sobre o trabalho da cultura ser a única resposta à barbárie. “A universidade, e nela mais essencialmente as Humanidades, incluindo a psicanálise, resta um operador central do processo cultural e civilizatório de resistência à barbárie. Ela é o lugar onde a sociedade se pensa e onde o futuro se forja.”

Rilke e Lacan como inspiração

Dando sequência às atividades, o professor Plínio Prado Jr. ministra as palestras “Você deve mudar a sua vida! – Encontro e relação de iniciação”, na quinta-feira, 12, às 19h, e “Cuide de seu desejo – Como orientar-se no pensamento e na existência doravante?”,  no sábado, às 9h30. Ambas no Auditório da Facom. 

Ele adianta que os dois títulos são feitos de citações, de dois imperativos. “O primeiro é tirado de um poema de Rilke, ele nos permitirá introduzir a arte na nossa discussão. Já o segundo, Prado Jr. explica que é retirado das obras de Lacan, “é formulado no livro XII do seminário – Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, fazendo referência a Sócrates e a Alcibíades, reenviando, portanto, ao livro VIII – A transferência”.