Pode um exílio ser herdado? A perseguição e drama vividos por uma família podem continuar presentes em suas gerações futuras? Tratando desses e outros fantasmas, foi dada continuidade à 8ª Jornada Literária, do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A mesa-redonda “Literatura como resistência” reuniu pesquisadoras que trataram de trauma, memória e da ausência do luto. O evento aconteceu no anfiteatro da Faculdade de Letras, na terça-feira, dia 13, às 19h.
Eurídice Figueiredo abriu os debates, tratando da literatura produzida pela segunda geração pós-ditadura. Ela se debruçou especificamente sobre a obra “A Resistência”, de Julián Fuks, lançada em 2015, que traz diversos sentidos para a palavra, sendo a principal delas o sentido político. “Partir para o exílio também é resistir, a se submeter à prisão e à morte”. Julián não sofreu diretamente os traumas ou a perseguição da ditadura, como seus pais, mas faz parte de uma segunda geração. Fala de algo que não viveu, mas de uma dor que foi herdada.
A pesquisadora utiliza o conceito da pós-ficção, também trabalhado pelo autor em artigos próprios, no qual a verdade no romance passa a ocupar uma centralidade impensada, com suas biografias e lembranças permeando toda a narrativa. “O escritor não conhece e não pode compreender totalmente este passado. Tem cacos de informação, mais dúvidas que certezas.” Diante da história, trabalha com memórias. Até porque, muitas vezes, a história oficial esconde acontecimentos que só continuam presentes nos relatos e vidas daqueles que não conseguem se livrar deles.
“Nesse contexto que o romance se reinventa e se mostra fragmentário, lacunar, um quebra-cabeça onde faltam peças em que enigmas não são resolvidos de maneira a tranquilizar o leitor.” Diferente da literatura que consente ao gosto do público, que quer agradar e fazer sucesso, existe a literatura desconcertante, que se consegue como atividade crítica. “A literatura que trata dos horrores nao pode acalmar, apaziguar as consciências, ela deve desconcertar, provocar o mal-estar e a inquietação.” Essa incompletude que solapa a falácia das soluções fáceis é traço desse tipo de narrativa.
Para Eurídice, o exercício memorial e escritural de Julián aponta para atitude de resistência e combate a todo autoritarismo e violência fascista que afetaram a vida de seus pais. Seu livro é um alerta para novas formas de repressão que nos ameaçam a cada dia, “pois as ditaduras podem voltar, seus arbítrios, suas opressões. Seus sofrimentos existem das mais diversas maneiras, nos mais diversos regimes, mesmo quando uma horda de cidadãos marcha às urnas bienalmente”, cita trecho do livro.
Dando prosseguimento aos debates, Tascia Oliveira Souza deu início à sua explanação colocando que as pesquisas que vinham sendo feitas sobre autoritarismo e heranças da ditadura “tentaram alertar e anteciparam, de certa forma, este momento que vivemos hoje. Mais que pesquisas em estudos literários, fizemos uma espécie de militância em defesa das políticas de memória, e grande parte do que vemos acontecendo hoje é fruto da ausência dessas políticas”.
Falando sobre sua produção acadêmica, ela trouxe à tona uma relação entre o conceito de tragédia e as narrativas literárias que tratam de memória e ditadura. Ela citou obras como “Ainda estou aqui”, de Marcelo Rubens Paiva” e “K, relato de uma busca”, de Bernardo Kucinski”, que tratam da questão da perda e da ausência do luto, tanto em episódios da ditadura brasileira, quanto em casos mais recentes, como do desaparecimento de Amarildo Dias de Souza – morador da Favela da Maré (RJ) -, que evidencia a permanência de certas ideias e práticas do período do regime.
“São histórias de um trauma que passa de geração em geração”, diz Táscia sobre as narrativas. Da mesma forma em que “A Resistência” trata das dores vividas pelos pais e avós do narrador, as obras que traz sentem as dores de um drama acontecido em tempos passados, mas que resiste além da personalidade de cada um. “Mesmo ambas sendo romances, o aspecto de que essas famílias não tiveram seus parentes sequer tidos como assassinados, a impossibilidade de sepultar o corpo e a ausência da lápide constituem a tragicidade presente nas obras.”
A pesquisadora propôs um paralelo das narrativas com o mito de Antígona, de Sófocles, em que a filha de Édipo, impedida de sepultar seu irmão, contraria a lei e o faz mesmo assim, sendo emparedada viva por isso. Ela vê em Antígona uma imagem do “luto que não se completa nunca, do túmulo que não existe, o emparedamento de quem fica na desmemória”. O corpo ocultado, escondido, negado à família, é um corpo que permanece perseguido mesmo após sua morte e não é possível que nos esqueçamos disso”.
Encerrando a mesa, a pesquisadora Silvina Liliana Carrizo apresentou suas ideias sobre o ideologema da reexistência na obra de Eliane Potiguara, professora escritora e ativista indígena brasileira, em especial na obra “Metade Cara, Metade Máscara”.
A 8ª Jornada Literária vai até esta quarta-feira, 14. Confira a programação
Outras informações: (32) 2102-3150 (Faculdade de Letras)