A pesquisadora Fernanda Thomaz foi recebida na Escola Estadual Duque de Caxias e conversou diretamente com os alunos (Foto: Alexandre Dornelas)

Qual é a importância de estudar culturas de continentes diferentes do que vivemos, mas que têm impacto direto na nossa sociedade, como é o caso da África? Para a professora Fernanda Thomaz, do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), tal conhecimento “tem uma função fundamental na nossa sociedade que é mapeada pelo racismo, onde as condições – não só simbólicas, mas também materiais – determinam lugares sociais”. A Escola Estadual Duque de Caxias recebeu Fernanda na última quarta-feira, 31, com a palestra “As Áfricas que nos transformam”, como parte do projeto “A Ciência Que Fazemos”.

As mulheres da etnia macua, que habitam no Moçambique, são tema de pesquisa na UFJF (Foto: Steve Evans)

A educação transforma
O auditório da escola foi ocupado por alunos do 1º ano do Educação de Jovens e Adultos (EJA), que sentaram-se aos fundos. “Eu não mordo, gente”, brincou a professora, pedindo que eles se aproximassem. Logo no começo, os presentes mostraram-se falantes, mas, quando Fernanda começou a contar sua experiência pessoal, as conversas paralelas cessaram. Vinda de uma família de operários e de escola pública, a pesquisadora contou os desafios que enfrentou ao chegar em uma universidade pública. Iniciou sua formação em Serviço Social, mas encontrou sua paixão no curso de História. Sendo a primeira pessoa de sua família a estudar em uma universidade, declarou que sentiu a responsabilidade de ocupar aquele espaço que, segundo ela, deveria ser para todos.

A professora ressaltou as oportunidades que o ensino superior público pode oferecer e como foram importantes para a concretização de sua carreira acadêmica. “A criação de políticas públicas e sociais que possibilitaram a minha entrada e manutenção na universidade, a minha entrada na pós-graduação e meu ingresso como professora”, ressaltou. Fernanda contou como é possível ter o auxílio de bolsas e programas durante a formação e que tais bolsas possibilitaram suas pesquisas em países como Portugal e Moçambique.

A pesquisadora dividiu suas experiências vividas durante sua primeira viagem ao norte de Moçambique para estudar a etnia macua, que se organiza em uma sociedade matrilinear, na qual as mulheres comandam a economia, não são submissas e possuem controle da própria sexualidade. Para a pesquisadora, a importância de estudar diferentes sociedades é poder ajudar a pensar nas relações de gênero que não são naturais, uma vez que são distintas para diferentes povos. Segundo Fernanda, o conceito de justiça também diverge em relação ao que encontramos no Brasil. Enquanto aqui acredita-se na obtenção de provas para condenação de um suspeito, Fernanda compartilhou com os alunos os rituais de justiça que presenciou e que baseavam-se numa crença espiritual; por exemplo, quando o réu colocava a mão em um balde com água quente e pegava uma pedra, se sua mão queimasse, ele era declarado culpado. Caso contrário, era inocente.

Alunos querem mais histórias
Os alunos ficavam cada vez mais curiosos e participativos, o que fez com que a conversa se prolongasse para depois do intervalo. Alguns queriam saber mais sobre a nova cultura apresentada, enquanto outros não se continham ao fazer comentários sobre o que ouviam. Para o aluno João Pedro Machado, a palestra foi um incentivo para pensar nas diferenças sociais entre demais povos e os brasileiros. “As mulheres de Moçambique são mais empoderadas. No Brasil não temos isso, aqui tem muito machismo e lá a cultura é totalmente diferente.”

A professora de química Cláudia Aliane, que defendeu sua tese de doutorado recentemente, destacou a importância de aproximar a ciência feita na universidade e os alunos do ensino médio. “O cientista não é alguém diferente e a ciência não é feita só para os livros – ela também é feita para contribuir para a melhoria da sociedade.”