Natasha Felizi é uma das convidadas para o 6° Fala Ciência, na UFJF (Foto: Divulgação)

“O cientista que idealizamos se preocupa sempre em como suas perguntas e suas pesquisas se relacionam com outros campos do saber e com outras pessoas, fora do nicho da Academia”. Para a diretora de Divulgação Científica do Serrapilheira, Natasha Felizi, esse caminho passa por aproximar os próprios pesquisadores do público. Diante disso,  qual seria a melhor forma de falar sobre ciência? Quem são os responsáveis por essa comunicação? Como aproximar a Academia da sociedade?

Na busca por formar novos comunicadores, a Diretoria de Imagem Institucional organizou o Fala Ciência, que ocorre no dia 22 de novembro e já está com inscrições abertas. O curso conta com a presença de divulgadores científicos que, assim como Natasha, encontraram diferentes maneiras de trabalhar a comunicação da ciência. A conversa com Natasha será mediada pela professora Zélia Ludwig (UFJF), que teve seu projeto “Para meninas negras na ciência” selecionado na primeira chamada pública do Camp Serrapilheira.

Nessa conferência, Natasha irá falar sobre seu trabalho no instituto: criado em 2017, o Serrapilheira aposta em pesquisas e em iniciativas de divulgação científica em todo o país, visando trabalhos inovadores e de longo prazo. À frente da diretoria de divulgação científica, ela é responsável por mapear o campo relativo a essa área no Brasil, selecionando projetos através das chamadas públicas e encontrando parceiros, além de pensar a linguagem de divulgação científica apoiada pelo Serrapilheira.

Abaixo, Natasha falou um pouco sobre sua carreira e sobre a visão do Serrapilheira para comunicar a ciência.

UFJF – Como você chegou ao campo da divulgação científica?

Natasha – Sou formada em Letras, no Curso de Russo (opção pouco profissionalizante, a não ser tradução) e passei a atuar como jornalista, cobrindo o campo da Arte Contemporânea. Interessada em temas do universo digital, encontrei intersecção entre Arte e Tecnologia, já que os projetos artísticos cobertos por mim, tanto no Brasil quanto fora do país, estavam atrelados à produção científica.

No período do Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura, esse campo da cultura digital foi bastante apoiado no Brasil e isso abriu várias oportunidades para explorar práticas e políticas públicas relacionadas ao tema. Nesse contexto, fui desenvolver meu trabalho na intersecção entre a arte, a tecnologia e a política – e comecei a ter relação com entidades privadas e do terceiro setor que trabalhavam tais pautas.

Trabalhei na organização do acervo digital de Jorge Mautner, na curadoria de plataformas digitais de arte e tecnologia, na organização de livros, em festivais e exposições nacionais e internacionais e Organizações Não Governamentais (ONG) envolvidas com direitos humanos e tecnologia, desenvolvendo estratégias de outreach. Os trabalhos consistiam basicamente em mobilizar pessoas em torno de temas áridos, mas relevantes para a sociedade. Como por exemplo o debate de uma PEC sobre segurança pública e assuntos como privacidade, sexualidade, ativismo e o funcionamento de plataformas digitais. Considero essa experiência um paralelo interessante com a divulgação científica, que também se dedica a fazer conexões entre temas técnicos, ligados a determinados nichos, com assuntos comuns a todas as pessoas.

Em 2017, quando estava prestes começar um doutorado em Engenharia na Universidade do Porto, em Portugal, surgiu a oportunidade de trabalhar no Serrapilheira. Eles estavam procurando alguém que tivesse uma experiência multidisciplinar, que fugisse um pouco do padrão tradicional do que era considerado divulgação científica. E me convidaram para ocupar o cargo e desenvolver um programa de mapeamento e apoio de iniciativas de divulgação científica.

Qual o seu trabalho no Serrapilheira?

Basicamente, nessa diretoria, eu crio, concebo e executo um programa de mapeamento e apoio a iniciativas de divulgação científica. Crio estratégias para encontrar parceiros, realizar chamadas públicas e distribuir os recursos do Serrapilheira destinados para esse campo. Nós temos feito isso com uma abordagem bastante aberta e multidisciplinar, buscando essa conexão não só entre temas, mas entre formatos que sejam pertinentes e convidativos a mais pessoas. Formatos que tragam esses temas de ciência com uma outra cara, uma abordagem menos árida e mais participativa.

Quando você diz que o Serrapilheira estava buscando alguém com uma formação multidisciplinar para coordenar essa diretoria, se refere a essa questão dos formatos de divulgação?

Acho que eles estavam pensando em uma divulgação científica que não seja simplesmente jornalística ou de extensão universitária, mas uma abordagem que traga elementos culturais de outros lugares, outros tipos de linguagens e conexões. Então, acho que eles estavam buscando alguém que pudesse lançar um olhar “de fora” da ciência sobre essa divulgação.

E como é essa abordagem do Serrapilheira em relação ao formato tradicional de divulgação?

Não acho que exista uma comparação entre a nossa abordagem e a tradicional. É apenas um posicionamento, onde começamos a apostar mais em temas e plataformas contemporâneas, com ênfase nas linguagens artísticas e no digital. Além disso, apoiamos pesquisas que tenham um potencial de relacionamento com o público, como alguns projetos de ciência cidadã, que trabalham com engajamento local e transformação de comunidades e projetos de metaciência, que enfatizam os métodos científicos e não uma disciplina.

Nesses exemplos, existe uma barreira menos clara entre pesquisa e divulgação. Claro que essa separação se impõe, mas nós trabalhamos para preparar cientistas, não necessariamente para serem divulgadores, mas para se preocuparem com a divulgação, desde o começo de seu trabalho. Que tenham isso como um valor.

E procuramos apoiar bons divulgadores que, ao mesmo tempo, tenham linguagens inovadoras e interessantes, e também se preocupem com o rigor e a qualidade da informação científica que está sendo trabalhada ali. Acreditamos que, no futuro, será possível ter uma comunidade, formada por cientistas e divulgadores, que se retroalimente para produzir ciência de excelência e uma divulgação inovadora, convidativa e de impacto.

Quais são os desafios que você percebe para a divulgação científica atualmente?

Os desafios variam de acordo com a maneira de divulgação que as pessoas querem fazer. Existem mil maneiras. Para nós, um desafio é essa questão de encontrar formatos que tenham apelo, mas mantenham o rigor e a qualidade da pesquisa. Então existe aí uma conciliação de dois rigores: da linguagem da comunicação e da qualidade artístico-expressiva, e o rigor da pesquisa científica. Fazer essas duas coisas coexistirem e formarem um produto de qualidade é um desafio bom.

Outro desafio é esse desinteresse da comunidade científica, no geral, em dialogar com outros setores. Acho que esse isolamento é um valor um pouco impregnado na ciência. Mas sei que muitos cientistas, jovens e seniores, estão dispostos a romper esse padrão, e se engajarem em um debate mais público com a sociedade.

 

As inscrições para o Fala Ciência podem ser realizadas on-line. As vagas são gratuitas e limitadas.