Especialistas reúnem técnicas para quem tem dificuldades em se concentrar nos estudos (Foto: Géssica Leine/UFJF)

Especialistas reúnem técnicas para quem tem dificuldades em se concentrar nos estudos (Foto: Géssica Leine/UFJF)

Quem nunca, ao ler um texto longo, se deu conta, depois de vários parágrafos, que não tinha ideia do que acabara de ler? Ou teve de voltar ao início da página para cada vez que o celular sinalizou uma nova notificação? Não é para menos. Aquele like que sua foto recebeu apela muito à consciência. Mas, tendo em vista um objetivo maior, é preciso saber separar as informações paralelas e criar mecanismos que ajudem a focar nas coisas certas, na hora certa.

De certa maneira, fomos acostumados a sermos interrompidos. Uma nova curtida. Uma mensagem daquele amigo. Um suco que ficou pronto. O gato que entrou no quarto. Tudo isso passa a ser visto como uma oportunidade justificada para se distanciar da leitura e esquecer de todo o estresse envolvido no ato de estudar.

Entretanto, é interessante notar que a dificuldade sentida pelo estudante pode dizer respeito ao processo geral relacionado a um teste e não só ao domínio do conteúdo propriamente dito. Casos desse tipo exigem certa prática no controle de efeitos indesejados e, antes de tudo, o reconhecimento de que o problema existe. Por outro lado, há também situações cuja causa é bem mais simples de se resolver.

Especialistas reúnem dicas e técnicas para quem tem dificuldades em se concentrar nos estudos, principalmente antes de fazer um importante exame, como as provas do Programa de Ingresso Seletivos Misto (Pism) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

O ambiente como aliado

Há dois tipos de fatores que influenciam a concentração: os estímulos e as motivações. Professora de Educação Física do Colégio de Aplicação João XXIII, Cátia Pereira Duarte explica que os estímulos são tudo aquilo que está fora do seu controle: notificações no celular, no computador, barulhos, conversas. Embora seja difícil garantir um ambiente livre disso tudo, são situações relativamente fáceis de serem evitadas se feitas escolhas corretas, como um local mais adequado para o estudo ou permanecer longe de aparelhos eletrônicos.

Já as motivações afetam seu ânimo e disposição para estudar e, dentre elas, existem aquelas de ordem biológica. Fome, sono, desconforto, dores de cabeça e no corpo são questões individuais, mas que não estão sob controle de nossa mente. Com relação a elas, não há muito o que se fazer. O ideal é estar bem alimentado, descansado, num local com boa iluminação e que permita uma boa ergonomia para tentar evitar que seu corpo exija uma pausa. Se for o caso, porém, o imperativo é descansar e voltar aos estudos em outro momento.

Cátia alerta que, quando se estuda, não se deve escutar músicas com frequência acelerada, comer alimentos que exijam horas de digestão, ficar em salas barulhentas, checar o celular constantemente ou ficar deitado na cama com uma péssima ergonomia do corpo. “Se você quer estudar, coloque na mesa exatamente o que precisa. Livros, cadernos limpos, caneta, borracha, lápis, água e frutas”, adverte Cátia, que também ministra a disciplina Técnicas de concentração, relaxamento e autoconsciência. Ela ressalta ainda a importância de, primeiro, estar confortável estudando sozinho para, depois, chamar os amigos e estudar em conjunto.

Professor do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), José Aparecido da Silva aponta algumas dicas para o momento de estudo que podem ajudar na concentração, como deixar preparado todo o material de ensino e entender que os conteúdos nele contido fazem parte de um todo. Outra indicação é evitar estudar na última hora, especialmente conteúdos complexos que demandam um processo de aprendizagem sequencial. Ele adverte que não existe santo milagroso. “O santo está na sua capacidade cognitiva, na sua habilidade de resolver problemas, na sua dedicação e esforço aos estudos ao longo de vários anos e, principalmente, no seu ambiente psicológico e familiar.”

Organizando a mente

Outros tipos de motivações relacionam-se mais à questões psicológicas, dando origem à ansiedade, estresse, medo e frustrações, tanto relacionadas ao próprio ato de estudar quanto a outros assuntos. Lidar com esse tipo de influência é um trabalho que demanda autocontrole e determinação.

Cátia observa que lidar com as motivações é algo mais complexo que lidar com um vizinho barulhento ou as notificações de uma rede social, uma vez que, dependendo do caso, o estudante pode ficar irritado ou mesmo desistir do processo de aprendizagem. A ansiedade, o medo e o estresse, por exemplo, seriam fatores que coexistem e intensificam um ao outro, num processo mental desgastante que esgota o ânimo e a energia para realizar as atividades necessárias.

Os estudiosos têm mostrado que se preocupar com muita antecedência sobre o resultado do exame pode não trazer vantagem para o aprendizado, aumentando a sensação de inquietude e deixando o corpo menos suscetível a se concentrar. Nessas situações, a professora indica que a prática de atividade física, como dançar ou praticar esportes, pode ajudar. Isso porque o corpo expurga a tensão através da movimentação e, com isso, fica muito mais propenso a absorver as informações necessárias.

É vital também que cada passo seja dado de uma vez. “A melhor técnica de concentração, no meu entender, é dividir a tarefa em várias etapas ou fases, sempre colocando-as na ordem de menor complexidade para maior complexidade”, aponta Silva. “As tarefas de menor complexidade exigem pouca concentração e demandam menos inteligência, enquanto que aquelas de maior complexidade demandam maior poder de resolução e até mesmo maior concentração.” Ele também orienta a dividir e organizar o tempo de aprendizagem e, num primeiro momento, não se prender muito a detalhes das tarefas.

Algumas técnicas de concentração

O médico da Gerência de Saúde do Servidor, Afonso Damião, explica que a concentração nos estudos é o que se chama de prática informal, aquela do dia a dia. “A prática formal é a que você faz em local e horário reservado para isso. O ideal é que o próprio estudo se torne o objeto de concentração com o tempo.”

O médico orienta as atividades do projeto Mindfulness, ofertado pela Pró-reitoria de Assistência Estudantil a estudantes e servidores da UFJF para o manejo de estresse e melhora na qualidade de vida. Afonso relata que as atividades do projeto envolvem basicamente técnicas de concentração relaxada que, se praticadas constantemente, podem levar a um estado de meditação. “O objetivo é incorporar no dia dia estas ferramentas para serem usadas a qualquer momento. A mais simples e mais utilizada é fazer uma respiração profunda, criando uma sensação de tranquilidade e paz interior. Uma espécie de porto seguro”.

Segundo Damião, o ideal é fazer o exercício da respiração sentado numa cadeira, em posição confortável, estável e a coluna ereta. “A pessoa deve perceber o ar entrando pela narina, quando inspira, e sentir o ar quando ele sai pela boca. É importante ir notando os movimentos do tronco, do abdômen e do tórax, com a entrada e a saída do ar e se concentrar na respiração. Observar a funções fisiológica que está ocorrendo. A prática desse exercício permite que o caminho de volta à tranquilidade seja cada vez mais seguro.”

Inteligência fluida e cristalizada

Para facilitar o entendimento de algumas técnicas, Silva define os conceitos de inteligência fluida e cristalizada. “A inteligência fluida é a capacidade de resolver problemas originais e inéditos, enquanto que a inteligência cristalizada é o conhecimento armazenado, adquirido nos bancos escolares, nas atividades escolásticas em geral, no convívio com pessoas e o uso inteligente do conhecimento.”

Para além de se concentrar, ele afirma que aprender a resolver problemas usando diferentes passos da criatividade – a inteligência fluida – é uma ótima forma de se absorver o conteúdo de maneira eficaz, memorizando o menos possível. Também confirma a possibilidade de se usar várias técnicas ao mesmo tempo, “principalmente se elas compõem dimensões diferentes do processo de aprendizagem”, mas que cada técnica funcionará de uma forma para cada pessoa, embora a prática constante ajude a alcançar níveis mais altos de concentração.

(Ilustrações: Vitória Rios/UFJF)

Desmistificando a questão, a professora Cátia Duarte acrescenta que dificuldade de concentração é “um problema comum entre os jovens, independentemente de classe social, etnia ou orientação sexual”. Ela é responsável por um projeto no contraturno do Colégio de Aplicação João XXIII, em que realiza meditação, ioga, tai chi, dentre outras técnicas, e  compartilha que tem notado mais calma nos alunos para fazer provas, enfrentar problemas domésticos e controlar a ansiedade. “Sempre que podemos observar um fenômeno antes de nos manifestar, temos condições de dar melhores respostas. Assim, a concentração faz os alunos estudarem por menos tempo com mais eficiência, eficácia e efetividade, ou seja, mais qualidade de trabalho.”