“Eu sou um fardo para minha família que ficaria melhor sem mim”; “Não vale mais a pena viver”; “Não vejo sentido em mais nada”; “Sou um peso para todos”. A maioria das pessoas com ideação suicida emitem sinais de suas intenções, seja por meio de comportamentos ou verbalmente, através de frases semelhantes. Portanto, estar atento ao ouvir essas expressões pode salvar vidas, mas é preciso que se saiba como oferecer ajuda.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de cada dez suicídios, nove poderiam ter sido evitados. O Centro de Valorização da Vida (CVV) aponta a falta de comunicação sobre o assunto como uma das causas para o receio de procurar ajuda. De acordo com o psicólogo Julio Mazzoni, falar abertamente sobre assunto é essencial para que a população saiba como, quando e onde buscar ajuda. “A desinformação, o preconceito e a falta de conhecimento sobre o assunto tendem a ser poderosos obstáculos capazes de impedir um adequado acolhimento por parte dos serviços especializados aos indivíduos que estão pensando em acabar com suas próprias vidas”, garante Julio.

Psicóloga Camila Menezes alerta também sobre mudanças bruscas de comportamento e isolamento social (Foto: Arquivo pessoal)

Camila Menezes, psicóloga que atua Pró-reitoria de Assistência Estudantil (Proae) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) ressalta que a famosa frase “quem muito fala, não faz, apenas quer chamar atenção” é um mito  e que é fundamental tratar de forma séria qualquer comunicação relacionada ao suicídio. Ela deixa claro, ainda, que nem sempre é possível identificar uma pessoa com ideação suicida, já que nem todas dão sinais. “Devemos sempre estar atentos a mudanças bruscas de comportamento, isolamento social, uso excessivo de álcool e drogas, apatia, angústia,desesperança, desamparo. E se a pessoa fala é porque realmente está pensando nisso, não devemos subestimá-la e sim ajudá-la”, conta a psicóloga. Mesmo diante da identificação do problema, a desinformação sobre o tema deixar a pergunta: como oferecer ajuda?

Daí a importância da campanha do Setembro Amarelo, iniciativa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), do Conselho Federal de Medicina e do CVV, que dá visibilidade ao suicídio divulgando as formas de prevenção e reduzindo o estigma social, já que o encara como um problema de saúde pública. Nessa série de matérias sobre o Setembro Amarelo, produzidas pela UFJF, já apresentamos o olhar da medicina sobre adoecimento psíquico no meio universitário e buscamos entender melhor as características em comum dos discursos produzidos nas redes sociais por pessoas que cometeram suicídio. Nesta matéria, apresenta-se a temática sob o viés da psicologia em reflexões sobre a importância de falar abertamente sobre o suicídio, além da necessidade de tratar o assunto de forma abrangente e responsável para que o diálogo seja revertido em ajuda.

Mazzoni, que pesquisa a temática no Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFJF e na faculdade de Medicina e Psicologia da Universidade de Roma, explica que é impossível trabalhar a questão do suicídio analisando apenas uma dimensão, já que envolve aspectos ambientais, biológicos, sociais e psicológicos. “Há uma certa convergência em compreender o suicídio enquanto um fenômeno complexo, influenciado por diversos fatores interagindo entre si, ou seja, a partir de uma perspectiva biopsicossocial, a qual por sua vez, demanda uma resposta multidisciplinar.”

Vamos falar sobre suicídio?

Quebrar o tabu sobre o suicídio ainda é um desafio para a sociedade, que o associa à culpabilização e a uma série de preconceitos disseminados por algumas instituições sociais, como as jurídicas e religiosas. “Em cada contexto histórico e social o suicídio ganhou conotações e interpretações bastante particulares, a começar pela busca por identificar a existência de razões capazes de justificar o ato, passando por proibições religiosas até censuras de natureza jurídica, considerando a tentativa conforme um crime, uma infração legal sujeita à pena de encarceramento”, lembra Julio.

“Há uma certa convergência em compreender o suicídio enquanto um fenômeno complexo, influenciado por diversos fatores interagindo entre si” – Julio Mazzoni

Por tudo isso, falar sobre suicídio é o primeiro passo para desmistificar a questão. A comunicação sobre o assunto, no entanto, deve vir, sempre, acompanhada da responsabilidade que a temática requer. Para o psicólogo, a mídia é essencial no combate ao estereótipo estabelecido para pessoas com sintomas de transtornos psiquiátricos e psicológicos ou que apresentam ideação suicida. Porém, falar sobre suicídio exige muita responsabilidade e, inclusive, há alguns critérios técnicos para guiar quem deseja abordar o assunto na mídia, de forma que o impacto gerado seja positivo. A Associação Brasileira de Psiquiatria elaborou um manual no qual explica como o profissional da imprensa deve trabalhar casos de suicídio.

Muitas pessoas acreditam que não se deve falar sobre suicídio para não incentivar pessoas com ideação suicida. A psicóloga da Proae, Camila Menezes, explica que esse pensamento está equivocado, desde que alguns critérios sejam seguidos, tais como evitar fornecer detalhes, fotos, elementos de identificação ou romantizar o ato, para que o suicídio não seja idealizado como uma maneira de fugir da realidade.  

O impacto da série “13 reasons why”

O diálogo sobre transtornos mentais e suicídio, por si só, não é suficiente para aproveitar o potencial da mídia. Para exemplificar a questão, Julio analisa a forma como o suicídio foi abordado na série “13 reasons why”, lançada em março de 2017 pela Netflix, na qual se conta a história de uma jovem que interrompe sua vida e deixa registrado, em vídeos, os treze motivos que a levaram ao suicídio.

De acordo com um estudo realizado nos Estados Unidos, após a exibição da primeira temporada, a busca pelo termo “como cometer suicídio” aumentou 26%, enquanto a procura por telefones de apoio e outros termos ligados à prevenção foi ampliada para 20%. Mazzoni destaca como ponto positivo da série pela motivação do debate sobre o papel da mídia na prevenção ao suicídio, mas lamenta a desconsideração dos produtores a alguns pontos que o psicólogo considera centrais.  “Em primeiro lugar, a negligência ocorre quando praticamente, ao menos em sua primeira temporada, a série não enfatiza o fato de que a maior parte das pessoas que cometem suicídio apresentam sinais e sintomas de um quadro de transtorno mental diagnosticável abordando de forma direta o tema como um problema de saúde”, explica o psicólogo.

Ele lembra, ainda, que a maior parte do público da série é composto por adolescentes e que a forma como o suicídio foi abordado na série permite duas interpretações que não correspondem à maioria dos casos: encarar o suicídio como forma de vingança realizada por uma pessoa mentalmente sadia após experiências traumáticas e, também, enxergá-lo como algo inevitável após vivenciar traumas.

Além disso, Mazzoni ressalta que os produtores violaram as orientações da OMS ao mostrar o ato do suicídio, exibindo um método de forma explícita. Esta é a cena que encerra a série e, segundo o psicólogo, pode servir como um “passo a passo” para espectadores que se encontram em condição de vulnerabilidade psicológica. A mídia é orientada a não exibir e descrever de forma detalhada os métodos, visto que pesquisas apontam relação entre a divulgação inapropriada e o aumento dos casos de suicídio, em geral, utilizando o mesmo método descrito. O psicólogo conta que esse fenômeno é conhecido como “Efeito Werther”, a partir da perspectiva do contágio psicológico do suicídio.

Como procurar e oferecer ajuda?

Anna Carolyne Castro promove o “Abração”, oferecendo abraços e mensagens em local com grande concentração de estudantes (Foto: Arquivo)

Se você já se deparou com post its espalhados pelo campus da UFJF, com frases de apoio e motivação seguidas pela hashtag #espalheamor, saiba que a iniciativa é fruto do projeto @intensize, desenvolvido pela estudante do Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas, Anna Carolyne Castro, que diante de casos de suicídio e da situação de amigos próximos, sentiu a necessidade de fazer a sua parte para fornecer ajuda aos que precisam. Através de post-its espalhados pelo Campus e promoção de sessões de bate-papo o projeto @intensize pretende intensificar a empatia e divulgar informações sobre o Setembro Amarelo. Nesse sentido, toda segunda-feira o grupo de voluntários do @intensize promove o “Abração”, oferecendo abraços em um local com grande concentração de estudantes, como o Restaurante Universitário. “Eu acredito que nas pequenas atitudes e gestos podemos salvar muitas vidas”, conclui a aluna.

Julio Mazzoni acredita que projetos como o desenvolvido pela Anna Carolyne é uma forma efetiva de contribuir para a prevenção do suicídio dentro de uma dimensão social local, já que incentiva o cuidado com a saúde mental e fornece informações voltadas para a conscientização e as formas de pedir ajuda. “Ações informativas, como essa iniciada pelos alunos, possuem seu valor por ajudar a quebrar uma das maiores barreiras hoje no mundo, a lacuna entre os serviços de saúde existentes e o grande número de pessoas sem sequer receber assistência por conta de estigma social, preconceito e ausência de informação”, explica o psicólogo.

Mesmo após notar manifestações de ideação suicida em si ou em pessoas próximas, muitos não sabem como procurar ou oferecer ajuda. Dentro da UFJF, a Proae desenvolve algumas ações voltadas para o cuidado com a saúde mental de estudantes, com foco na prevenção, promoção e tratamento através, principalmente, de abordagens de grupo psicoeducacionais.

“Penso que a Universidade está trilhando o caminho certo na assistência aos alunos em relação à saúde mental e ao suicídio. Porém, o que poderia ser melhorado é a co-responsabilidade de toda a comunidade acadêmica” – Camila Menezes

O atendimento psicológico na Proae pode ser oferecido em grupo, através de três modalidades de grupos de encontro: para calouros e alunos que estão na metade do curso, que se reúnem nas quartas-feiras, das 10h às 11h30, na  sala 24 (4º andar) na Faculdade de Educação; para estudantes na fase final do curso, cujos encontros ocorrem nas sextas-feiras, das 13h30 às 15h, na Sala 1105 da Faculdade de Letras; e no mesmo local, para alunos da Pós-graduação, também nas sextas-feiras, das 16h às 17h30.

Já o atendimento individual ocorre às terças-feiras, das 8h às 13h, através do “Plantão Psicológico”, com respeito à ordem de chegada. O atendimento acontece na Proae, no prédio da reitoria. Se o estudante não puder estar presente neste dia, é possível agendar o atendimento presencial a partir da disponibilidade de horários dos psicólogos. A UFJF possui, também, o Centro de Psicologia Aplicada (CPA), que oferece atendimento psicológico clínico.

Há, ainda, outros projetos desenvolvidos pela Proae como os grupos “Boas vindas”, “De boas”, “Fora de Casa” e “Mindfulness”. Camila destaca que a equipe da Pró-reitoria está buscando capacitação para ampliar a qualidade do auxílio aos estudantes e que, em novembro, receberá curso sobre prevenção e manejo do suicídio. A psicóloga ressalta também que o debate sobre o tema deve ser presente em todos os setores da Universidade e não se restringir à Proae. “Penso que a Universidade está trilhando o caminho certo na assistência aos alunos em relação à saúde mental e ao suicídio. Porém, o que poderia ser melhorado é a co-responsabilidade de toda a comunidade acadêmica, a sensibilização de professores e TAEs, tanto no que tange à saúde mental, quanto mais especificamente no caso do suicídio.”

Mazzoni reforça que a atuação da sociedade civil, das instituições e de profissionais de diversas áreas pode auxiliar, em seu campo de atuação, na conscientização sobre suicídio e, por consequência, na prevenção. “Em suma, o suicídio precisa deixar de ser um tabu, mas dado sua especificidade, não é somente com divulgação que o público, em geral, irá automaticamente desenvolver uma consciência adequada da dimensão do problema ou conseguir identificar as estratégias já existentes para combatê-lo”, afirma o psicólogo.

Outras informações: (32) 2102-3777 – Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (Proae)