Desde que Winston Churchill, político e primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial, descreveu como um Cão Negro os sintomas de seus períodos de depressão, a expressão se popularizou ao redor do mundo como sinônimo da doença que atinge milhões de pessoas. Entretanto, o apelido em questão foi criado pelo escritor inglês Samuel Johnson ainda no século XVIII, quando não se sabia muito sobre o transtorno e o debate a seu respeito permanecia com certa influência da igreja, que o atrelava a questões sobrenaturais.

Desde então, a sociedade vem passando por uma série de mudanças de valores. O avanço tecnológico disparou enorme quantidade de transformações sociais que tiveram impacto não só na vida coletiva, mas principalmente, na esfera individual. Nas últimas duas décadas, a cara da Universidade brasileira também mudou. Políticas de acesso ao ensino superior possibilitaram que uma parcela da população, antes ignorada, chegasse até a graduação e desse continuidade a sua formação acadêmica. Com isso, a diversidade social, cultural e religiosa tornaram ainda mais amplos os perfis do aluno de ensino superior e as questões que ele enfrenta diariamente.

Estima-se que de 8% a 15% dos estudantes universitários apresentam depressão, ansiedade ou algum outro transtorno psíquico durante sua formação. Em dados globais, dos transtornos mentais que precisam de acompanhamento médico, apenas um terço é tratado. Desse quantitativo, menos da metade segue corretamente indicações com relação ao tipo de medicamento ingerido, sua dosagem e seu tempo, o que compromete a eficácia do tratamento.  

Consciente do acrescimento dos casos de depressão, ansiedade ou outro transtorno psíquico, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) dá sequência a série de reportagens a respeito do “Setembro Amarelo”, campanha mundial que visa à redução da mortalidade por suicídio através da disseminação correta de informações sobre adoecimento psíquico e seus desdobramentos. A série é composta por três matérias e tem como proposta abordar o assunto por viés interdisciplinar: inicialmente pelo prisma da comunicação e das discursividades; em seguida, nesta matéria, dando enfoque à perspectiva Médica, pensando sobre o tratamento e seus efeitos e o ponto de vista psicológico.

Ambiente acadêmico e saúde mental

Estudar não é estar na sala de aula. A vida acadêmica é constituída por uma série de atividades que relaciona o processo de aprendizagem a diferentes dinâmicas educativas, psicológicas e sociais. O ato de sair de casa, chegar à Universidade, lidar com os demais alunos, professores, expectativas e cobranças, torna a rotina muito mais complexa do que pode parecer inicialmente, mostrando-se como um desafio para um estudante que sofre de depressão, por exemplo. Como cumprir com os compromisso acadêmicos quando se enfrenta dificuldades de concentração, ânimo e disposição para sair do quarto ou mesmo se levantar da cama?

Aluna do curso de Jornalismo, Carolina Rezende tem 20 anos e lida com a depressão há pelo menos cinco. Ela conta que, quando se sente mal, “nada tem graça, nem as coisas que eu gosto. É como uma preguiça incontrolável, eu fico sem apetite, não dá vontade nem de sair da cama”. Carolina se trata com a supervisão de um psiquiatra e de um psicólogo e ressalta a importância de, nesses momentos, não esperar a crise passar, mas intervir quando perceber os sinais. “O ideal é esquecer as coisas que você tem que fazer, se possível. Foque na sua saúde e no que você gosta de fazer.”

Exatamente nesses momentos de crise que os estudantes podem ter um prejuízo maior, acarretando o trancamento ou abandono do curso. Nesses períodos, também é comum o uso de psicoativos, como álcool e maconha. O psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da UFJF, Alexander Moreira revela que “essas substâncias funcionam como muletas, aliviando sentimentos de tristeza ou ansiedade num primeiro momento, mas gerando dificuldades de concentração. Em longo prazo, agravam os quadros depressivos ou ansiosos, com insônia, psicose, e outros efeitos.”

“O ambiente acadêmico da graduação e pós-graduação pode ser parte desses fatores, mas ele não é o único nem o principal responsável por um adoecimento mental” Camila Menezes, psicóloga

Outro problema é a automedicação, uma vez que o uso inadequado de psicoestimulantes, como o metilfenidato, popularmente conhecido por ritalina, cria a ilusão de ajuda, por aumentar atenção e foco. Segundo Moreira, “essa iniciativa é bastante prejudicial pelo efeito causado sobre o cérebro do indivíduo, pelo potencial de dependência criado e pela dificuldade em manter esse rendimento sem o uso da substância”.

Ao tratar de saúde mental no âmbito universitário, entretanto, corre-se o risco de o debate se circunscrever à rotina acadêmica. Mas como lembra a psicóloga da Pró-reitoria de Assistência Estudantil (Proae), Camila Menezes, é preciso entender que tanto os transtornos mentais quanto o suicídio estão relacionados a diversos fatores, que vão desde os biológicos, genéticos e psicológicos a fatores de ordem social e cultural.

“O ambiente acadêmico da graduação e pós-graduação pode ser parte desses fatores, mas ele não é o único nem o principal responsável por um adoecimento mental”, esclarece Camila. Dilemas com relação à identidade e sexualidade, situações de instabilidade financeira e desentendimentos com a família ou amigos são exemplos de condições externas ao domínio da Universidade mas que afetam diretamente a disposição e a capacidade de atenção, concentração e sociabilidade do estudante, gerando efeitos diretos em sua vida acadêmica.

Pontos como a pressão de prazos, avaliações, produções e a própria preocupação com o futuro e o mercado de trabalho, entretanto, não devem ser deixadas de lado. “Devemos repensar as práticas no ambiente acadêmico pois, pode ser que muitas vezes elas não sejam a causa principal, mas somadas a outros fatores, contribuem para um adoecimento mental ou agravamento de um quadro”.

Combate ao suicídio

Dados: Sistema de Informação sobre Mortalidade

Como sujeitos de um tempo complexo, é importante evitar os simplismos quando se tenta compreender as causas e efeitos do suicídio.  Também à frente do Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da UFJF, Alexander Moreira explica que o ser humano é um ser bio-psico-socio-espiritual. “Todas essas dimensões devem ser consideradas, e não apenas uma ou algumas delas. Dando-se apenas uma ênfase, tem-se um levantamento incompleto”.

De acordo com o pesquisador, a medida mais eficaz para prevenção é a identificação e tratamento dos transtornos psíquicos, já que das pessoas que cometem suicídio, em torno de 95% apresentam grau de transtorno mental agudo naquele momento. “O depressivo se vê sem perspectiva, num grande sofrimento, sentindo-se um peso. Ele não enxerga uma solução para o futuro e tem uma visão bastante pessimista. Esse quadro, potencializado com o uso do álcool traz a impulsividade, gerando o comportamento suicida na maior parte dos casos.” Estimular as pessoas a buscarem o apoio em amigos, parentes, instituições e grupos é fundamental para a prevenção.

A medicação é mesmo necessária?

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstram que, aproximadamente, um terço dos transtornos mentais que precisam ser tratados recebe, de fato, algum tipo de tratamento. Dos que recebem, menos de um terço faz uso do medicamento certo, na dose correta, pelo tempo adequado. Ao mesmo tempo, pessoas se submetem ao tratamento medicamentoso, muitas vezes tornando-se dependente dele, sem possuir nenhum tipo de transtorno ou doença mental.

“Algumas pessoas têm a ideia equivocada de que existe uma escolha. Ou você faz a terapia, ou a medicação, ou busca melhorar o convívio social e o ambiente em que a pessoa vive. É importante perceber que isso deve acontecer de maneira integrada” Alexander Moreira, professor e psiquiatra

Segundo Moreira, “podemos perceber um problema duplo, pois pessoas doentes não estão sendo tratadas e as saudáveis estão recebendo tratamento.” O professor e psiquiatra esclarece que, embora peça fundamental do processo de cura em muitos casos, o medicamento é apenas um dos elementos que devem contribuir para uma recuperação total do indivíduo. “Algumas pessoas têm a ideia equivocada de que existe uma escolha. Ou você faz a terapia, ou a medicação, ou busca melhorar o convívio social e o ambiente em que a pessoa vive. É importante perceber que isso deve acontecer de maneira integrada, sem dar privilégio à uma opção em detrimento da outra.”

Carolina Rezende visita o psiquiatra uma vez ao mês, faz uso de medicamento, vai à psicóloga uma vez por semana, faz atividade física três vezes por semana e tem orientação alimentar.  Além disso, completa que “um dos sintomas é a sensação de estar sozinha, desamparada. Ter um círculo social saudável é muito importante. Relacionar-se com pessoas que se importam com você e queiram seu bem-estar faz toda a diferença.

No senso comum, de certa forma, existe a crença que o tratamento medicamentoso é capaz de expurgar a tristeza e o sofrimento do indivíduo. Na prática, o objetivo dos antidepressivos é dar a possibilidade de uma abertura e um alívio de certos sintomas para que a pessoa possa, a partir daí, ter mais capacidade de escolha sobre a sua vida.

Com relação ao uso da medicação, a psicóloga Camila Menezes também faz um alerta. “Em alguns casos, ela se mostra extremamente necessária pois, apenas com a psicoterapia, o tratamento não surtiria efeito.” 

A ajuda pode estar ao seu alcance

“Estar disposto a ouvir é a melhor saída”, destaca Camila Menezes, psicóloga da Proae

Mais que buscar um tratamento, a aluna Carolina Rezende aponta a importância de não ter vergonha do problema. “É uma doença que pode acontecer com qualquer pessoa. A gente precisa parar de estereotipar e aterrorizar a depressão. Ninguém tem medo ou vergonha de falar que tem diabetes, que toma insulina.” Ela conta que, além de não ter vergonha, o tratamento é algo do qual se deve ter orgulho, “porque nós nos tornamos pessoas mais fortes ao lidar com esse monstro dentro de nós sem deixar ele nos consumir. Continuamos a seguir nossas vidas, nossas atividades e a aproveitar as coisas que gostamos”.

“A gente precisa parar de estereotipar e aterrorizar a depressão” Carolina Rezende

Sobre a maneira de lidar com amigos ou colegas que passam pelo tratamento, a psicóloga Camila explica que a melhor maneira é não estigmatizar, não ter preconceito. “O tratamento, medicamentoso ou não, é como o de qualquer enfermidade, objetiva uma melhora na qualidade de vida ou cura.” Além disso, Camila aponta a disponibilidade e empatia, sem julgamento ou  otimismo exagerado, que acaba por minimizar o sofrimento da pessoa. “Estar disposto a ouvir é a melhor saída. Agindo dessa forma, as pessoas que enfrentam essa situação ficarão menos esquivas e consequentemente sentirão mais confiança em pedir e aceitar auxílio”, conclui.

A UFJF oferece uma série de intervenções, tanto de cunho individual quanto em grupo, para alunos que sintam a necessidade de buscar por auxílio. Assim como a assistência à quadros já existentes ou avançados, a Proae também atua de maneira proativa sobre a saúde mental, trabalhando para evitar o adoecimento do aluno por meio de atividades que proporcionem uma melhoria em sua qualidade de vida, impedindo que chegue a desenvolver algum tipo de transtorno mais grave. Cabe também destacar que, apesar das diferentes formas de ajuda oferecidos pela Instituição, emergências psiquiátricas merecem um cuidado mais especializado, como nos dispositivos de saúde mental.

Leia também:  As redes sociais podem indicar casos de adoecimento psíquico?

Outras Informações: 2102-3777 – Pró-reitoria de Assistência Estudantil (Proae)