A plateia que enfrentou a noite fria de domingo para comparecer à abertura do 28º Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga, no Cine-Theatro Central, foi recompensada pelo privilégio de assistir a um concerto de sonoridades e repertório inéditos ou raramente vistos no país – os da música medieval europeia. Clavisimbalum, órgãos portativos, gaita de foles, carrilhão, viela de arco, flautas doces e percussão se combinaram e se revezaram em composições dos séculos XII ao XV, interpretadas pelo Conjunto Atempo, especialista nesse repertório, que apresentou o programa Cantilena Instrumental.

(Foto: Twin Alvarenga/UFJF)

Plateia foi brindada por um concerto de sonoridades e repertório inéditos – ou raramente vistos no país – da música medieval europeia  (Foto: Twin Alvarenga/UFJF)

O público acompanhou atento a apresentação, entremeada pelos comentários do diretor e músico Pedro Hasselmann Novaes, que introduziu os espectadores no universo dos trovadores e troveiros medievais e sua música monofônica – de uma só linha melódica – e percorreu outros momentos e lugares do passado medieval europeu, chegando à chamada Ars Nova, mais expressiva e refinada, e suas contribuições para o desenvolvimento da arte polifônica. O programa do concerto mostrou como a música medieval – majoritariamente de origem vocal – pode ser feita em instrumentos.

Resgate
Os espectadores também foram apresentados ao cravo medieval – o clavisimbalum –, instrumento precursor do cravo, através de uma cópia fiel à planta do instrumento encontrada em um tratado medieval de Arnaut de Zoelle, do século XV, com desenhos e descrição de mecanismos de instrumentos musicais da época. Tocado com maestria por Rita Cabus, integrante do Atempo, o clavisimbalum do conjunto foi construído pelo luthier brasileiro César Ghidini, de Americana (SP). Suas cordas de bronze medieval – feitas com a exata composição do bronze da época, sem as adições atuais – sofreram com o frio juiz-forano e tiveram que ser afinadas antes de cada execução. A espera da afinação dos instrumentos antigos costuma fazer parte das apresentações, lembrou Pedro Novaes à plateia do Central.

A iniciativa de construir o clavisimbalum partiu do músico Félix Ferrà – diretor musical de outro grupo de música antiga, o Códex Sanctíssima, que teve participação especial no concerto do Atempo: “De uns 15 anos para cá está sendo reconstruído. Estava completamente esquecido”, ressaltou o músico em entrevista. A tarefa de construir cópias de instrumentos antigos não é fácil. A planta do cravo medieval, por exemplo, informa quantas teclas e respectivas cordas o instrumento deve ter, mas não revela a escala, e os pesquisadores precisaram investigar o comprimento das cordas, definir seu material, tipo de madeira, mecanismo de tocar – que pode ser de pinça ou martelo –, tipo de afinação, etc.

Félix Ferrà considerou o público do concerto “acolhedor” e destacou a oportunidade que o Festival oferece de apresentar o resultado de todo esse trabalho, num contexto que em geral é de falta de incentivo à música antiga no Brasil. “Quando somos convidados, ficamos muito contentes, pois existe uma estrutura para nos receber. É maravilhoso quando isso acontece.”

Pedro Novaes ressaltou o fato de que o Festival juiz-forano é um dos mais tradicionais do Brasil e que daqui partiram muitas pessoas para uma carreira profissional em música antiga – os próprios integrantes do Atempo foram alunos e/ou professores em edições antigas do evento, como bem lembrou o músico Alcimar do Lago na abertura do concerto. Segundo Novaes, o Festival é importante para a formação de jovens músicos e uma vitrine para a música antiga.

Lastro
Uma das mais importantes contribuições do Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga é mostrar ao público atual que existe uma arte musical que vem de muitos séculos, afirma Rodolfo Valverde, professor da UFJF que realiza palestras sobre os concertos noturnos antes de cada apresentação do evento. “É mostrar que o que vivenciamos hoje tem um lastro que remonta até o primeiro milênio”, argumentou. Além disso, o evento permite ao público conhecer um repertório que, se não fosse uma oportunidade como essa, seria completamente desconhecido. “Isso significa abrir um leque extraordinário para as pessoas de hoje e aprimorar seu gosto, pois as pessoas começam a perceber que existe um outro universo musical além do pop tão massificado de hoje.”

Na avaliação do supervisor do Centro Cultural Pró-Música da UFJF e diretor executivo do Festival, Marcus Medeiros, o Festival permite que Juiz de Fora viva um momento de efervescência musical, “uma semana por conta de produção de conhecimento musical e de cultura”, que oferece ao público um tipo de música que as pessoas não têm a oportunidade de ter contato todos os dias. “É muito gratificante”, garante.

O 28º Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga acontece até o próximo dia 30, com concertos, palestras, lançamento de CD e oficinas gratuitas.

Mais informações:
Pró-reitoria de Cultura – (32) 2102-3964