Elmir Santos

“Mamãe, foi um coral na escola. E eu quero cantar nesse coral”, assim começou a história de Elmir Santos com a música (Foto: Fayne Ferrari/UFJF)

Elmir Santos é o primeiro negro formado em canto lírico no curso de Música da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O barítono apresentou a prova final de conclusão de curso em maio deste ano. De origem humilde, da qual ele se orgulha, a trajetória do músico começou logo na infância e pode servir de inspiração para muitos jovens também oriundos da periferia.

Tudo começou quando Elmir tinha apenas 10 anos. O maestro Ciro Tabet comandava o antigo Coral das Escolas Municipais de Juiz de Fora e fez uma visita até o colégio onde o hoje músico estudava, no Bairro Santa Cândida, Zona Leste de Juiz de Fora. “Eu cheguei em casa e falei: ‘Mamãe, foi um coral na escola. E eu quero cantar nesse coral.’ Eu sempre fui um menino muito resolvido, então eu já tinha chegado no maestro, perguntado onde era o coral. Já levei o endereço, falei o dia e a minha mãe me levou lá. Eu fiz o teste e fui aprovado. Isso foi em 1994”, recorda.

Por meio do coral, o menino Elmir teve a oportunidade de conhecer instrumentos musicais. O jovem estudou violino e chegou a se formar em piano no conservatório. Mas a paixão de verdade sempre foi o canto. O músico chegou a cantar em bares da cidade, porém teve que encarar outro trabalho e deixou a música profissional por algum tempo.

Em 2007, Elmir passou a frequentar o curso de canto da Bituca – Universidade de Música Popular, em Barbacena. Na instituição ligada ao grupo de teatro Ponto de Partida, que tem Milton Nascimento como padrinho, foram dois anos de aulas com grande nomes do cenário musical.

“É um curso livre com duração de dois anos e em que eu tive a oportunidade de conhecer profissionais maravilhosos, que já estão no cenário da música mineira: Felipe Moreira, Babaya, minha professora de canto, o grande mestre Ian Guest, um húngaro. O pai dele foi um dos precursores de um método de educação musical chamado Kodály”, conta.

Para frequentar as aulas semanais da Bituca uma vez por semana, o músico encarou uma rotina apertada. “Trabalhava em um laboratório farmacêutico à noite. E as minhas aulas na Bituca eram de dia. Então eu saía do meu plantão à noite, ia com sono, sem dormir. Dormia dentro do carro, fazia o curso e voltava, porque eu tinha que voltar para trabalhar de novo à noite”, relembra.

Sonho de fazer faculdade realizado na UFJF

"Quando abriu o curso aqui, vi a oportunidade de poder estudar", diz Elmir sobre o Curso de Música na UFJF (Foto: Fayne Ferrari/UFJF)

“Quando abriu o curso aqui, vi a oportunidade de poder estudar”, diz Elmir sobre o Curso de Música na UFJF (Foto: Fayne Ferrari/UFJF)

Apesar de ter o sonho de fazer faculdade de música, Elmir Santos sempre se deparou com a dificuldade de sair de Juiz de Fora para poder estudar. O obstáculo deixou de existir quando a UFJF abriu o curso de Música no campus Juiz de Fora. Foi então que o artista pode pensar em concretizar o desejo. “Sair daqui para estudar fora, por mais que fosse um curso gratuito, não era possível. Morar em outra cidade, em uma capital, por exemplo, Rio de Janeiro, São Paulo, onde o custo de vida é muito alto, eu não tinha condições disso. Quando abriu o curso aqui, vi a oportunidade de poder estudar e resolvi abandonar o meu emprego”, relata.

Para se sustentar, o artista passou a cantar em bares e festas de casamento. Logo no segundo período da faculdade, Elmir começou a dar aulas de canto, atividade que ele ainda exerce em escolas de música em Juiz de Fora. O músico também tornou-se vocalista da banda Zé do Black, com repertório voltado para a black music.

Foi também durante o curso, que Elmir passou a fazer parte do Coral da UFJF. O grupo sediado no Forum da Cultura tem um estilo de apresentação diferente de outros corais, na visão do cantor. Já são mais de dois anos de trabalho com o grupo. “Sempre quando eu tinha oportunidade de assistir o coral, eu ia, justamente por ser um coro diferenciado, totalmente diferente do que a gente vê hoje. É um coro mais performático, acho que tem mais a ver comigo. Eu sou mais solto e me identifiquei logo”, confessa.

O artista que começou a carreira ainda criança em outro coral, sente-se muito à vontade ao dividir o palco com outras pessoas. “Cantar junto, em grupo, é muito bom. Você dividir o palco com outra pessoa, dividir os sons, interagir, olhar para um colega é muito bom. A minha escola foi o canto coral”, relata.

Na prova final, união do erudito com a matriz africana

A prova de conclusão de curso de Elmir na UFJF foi em maio deste ano. Como o curso de Música é voltado para a formação erudita, o artista planejou um repertório composto por peças clássicas, mas com traços da música africana e popular. As canções apresentadas são dos brasileiros Heitor Villa-Lobos e Francisco Mignone, além dos americanos Scott Joplin e George Gershwin.

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Elmir na cerimônia de Colação de Grau Unificada, no Cine-Theatro Central (Foto: Twin Alvarenga/UFJF)

“Quis mostrar que existe esse tipo de cultura, principalmente para outras pessoas negras que não sabem disso. Que há uma cultura popular dentro do que é considerada uma música branca e elitista. Quis colocar isso no palco, mostrar: ‘isso aqui é nosso’. É a nossa cultura, independente de cor. Nós somos herdeiros dessa cultura”, conta.

As dificuldades foram diversas, mas o desejo de realizar o sonho de ser cantor sempre foi maior. Para Elmir, antes de tudo, é preciso acreditar em si mesmo. “Tenho muito orgulho de onde eu venho. Sou de uma origem humilde, de periferia. Negro, então tudo é mais difícil para a gente. Mas digo para todo mundo que tem um sonho, independente de ser branco ou negro, ‘não desista’. Muitas portas vão se fechar, não estou dizendo que vai ser fácil. Mas é possível. A partir do momento em que você acredita, que você convence as pessoas que é isso que você quer, todo mundo começa a acreditar em você. E as coisas vão acontecendo”, finaliza.