Conferência “Cotas na Pós-Graduação” ocorreu na anfiteatro das pró-reitorias, no campus universitário (Foto: Twin Alvarenga/UFJF)

Conferência “Cotas na Pós-Graduação” ocorreu na anfiteatro das pró-reitorias, no campus universitário (Foto: Twin Alvarenga/UFJF)

A Pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa (Propp) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em parceria com a Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf), promoveu, na manhã de hoje, 25, a conferência “Cotas na Pós-Graduação”. O evento, realizado no Anfiteatro das Pró-Reitorias, abriu o debate na instituição sobre a possibilidade de reserva de vagas para pessoas negras, indígenas, portadoras de deficiência, travestis e transexuais nos cursos de mestrado e doutorado da UFJF.

Na ocasião, também foi organizada a estrutura da comissão para tratar da temática e criar agenda de debates sobre o assunto na Universidade. O grupo será formado por um representante da Propp, um representante da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), um representante docente e um representante do Centro de Educação à Distância (Cead) da UFJF. Os membros da comissão serão nomeados por meio de portaria.

O grupo será responsável por formar uma agenda de trabalhos, que pode incluir novos seminários e conferências, a fim de desenvolver uma proposta de política de inclusão na pós-graduação da Universidade. “Formar a comissão é importante para se criar um consenso sobre essa questão. Há um decreto nacional e um movimento de inclusão em várias universidades. A UFJF quer se posicionar nesse debate, como espaço diversificado e de enfrentamento da questão”, explica a pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa, Mônica Ribeiro de Oliveira.

Para subsidiar o trabalho da comissão, a Propp vai iniciar um levantamento de dados junto aos programas de pós-graduação, a fim de traçar um perfil de raça e de cor no campo da pesquisa na UFJF.

Conferência debateu tema

O conferencista, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Paulo Vinícius Baptista da Silva, que é especialista em temas como relações raciais, racismo, políticas afirmativas, construção social da infância e políticas para a infância,  ressaltou a existência do racismo cumulativo na sociedade brasileira.

“O conceito é de Nelson do Vale Silva, um dos principais pesquisadores da temática da desigualdade racial no Brasil. Fazendo tabulação sobre famílias brancas e negras ao longo do século XX, ele percebeu uma mobilidade social ascendente para as famílias brancas e descendente para famílias negras. As famílias negras que atingem maior formação e maior nível socioeconômico não conseguem transmitir isso para as gerações seguintes. Isso significa que temos um processo de racismo operando na sociedade brasileira, inclusive nas famílias negras que chegam à classe média.”

Universidades têm 0,5% de docentes negros

Silva salientou que a presença de negros na pós-graduação brasileira é residual. “Temos um sistema de pós-graduação no qual a presença de negros e negras é mínima, completamente incompatível com a sociedade brasileira. Temos 50% de negros e negras na sociedade brasileira e apenas 0,5% como docentes das universidades. Dentro da pós-graduação, o percentual de professores é ainda menor. Isso não tem outro nome que não segregação racial. Então, para combater essa segregação dentro do sistema de pós-graduação não basta simplesmente aguardar que negros e negras da graduação se preparem. Precisamos de uma medida mais efetiva de curto prazo,  o sistema de cotas, para que possamos ter uma inclusão maior já num primeiro momento e algum impacto nesses índices, como já tivemos nos índices da graduação.”  

Paulo Vinícius Baptista da Silva, professor da UFPR, traçou o panorama da presença de negros, indígenas e deficientes nas universidades brasileiras (Foto: Twin Alvarenga/UFJF)

Paulo Vinícius Baptista da Silva, professor da UFPR, traçou o panorama da presença de negros, indígenas e deficientes nas universidades brasileiras (Foto: Twin Alvarenga/UFJF)

Na avaliação do professor da UFPR, é preciso que as cotas na pós-graduação contemplem outros grupos, além da população negra. “Quilombolas, indígenas, pessoas portadoras de deficiência, travestis e transexuais também devem integrar o sistema de cotas. Indígenas e quilombolas representam um percentual relativamente pequeno na sociedade brasileira, mas são grupos que sofreram uma pressão muito grande durante todo o seu histórico. Hoje temos os primeiros intelectuais formados na graduação vindo desses grupos, alguns já formados em pós, mas uma demanda para mais entrada na pós-graduação. A universidade brasileira precisa da presença desses grupos. Eu diria mais: o meu sonho é termos muito mais docentes indígenas dentro da universidade, como parceiros, construindo a universidade. A gente tem pouquíssimos docentes indígenas na universidade brasileira. A mesma coisa com as pessoas quilombolas.”

O professor ressalta ainda a importância da inclusão das pessoas com deficiência na pós-graduação, uma vez que, segundo ele, há discriminação social e demanda desse grupo por melhor formação. “Tivemos apenas alguma melhora em áreas específicas. Temos políticas de inclusão no que se refere aos cegos, cadeirantes, surdos, mas uma entrada ainda pequena, principalmente nas universidades públicas. No caso das pessoas transexuais e travestis, pela violência que sofrem durante seu processo de formação, a expulsão das famílias, a violência nas escolas, a violência nas ruas e no próprio cotidiano. Essas pessoas precisam ter espaços de proteção. Dar espaço de formação para essas pessoas representa muito no plano simbólico. Essas pessoas têm o direito à formação, têm o direito a circular livremente pela sociedade, têm que ser respeitadas nos diversos espaços.”

A avaliação do professor da UFPR é compartilhada pelo diretor de Ações Afirmativas (Diaaf) da UFJF, Julvan Moreira de Oliveira. “A relevância das cotas está na inserção desses grupos historicamente excluídos. Quanto mais nos vamos ascendendo nos níveis de ensino, maior vai ficando a diferença entre brancos e negros. Todos os dados de pesquisa indicam isso. Uma das formas de democratizar e inserir os grupos minoritários, no caso específico de negros – pretos e pardos – que é quem vêm brigando por cotas na pós-graduação, é fundamental. O olhar africano, o olhar do negro com relação ao conhecimento científico não é esse produzido por essa ciência moderna que se impôs no Brasil, no Ocidente, nos últimos anos. É uma outra forma de produção científica. Do meu ponto de vista, penso que devemos ampliar as cotas na UFJF para outros grupos que sofrem discriminação, como as comunidades indígena e trans. Acho possível que isso seja discutido na comissão que tratará do assunto. É preciso dialogar e explicar o motivo pelo qual há necessidade de implantar o sistema de cotas na pós-graduação.”   

Legislação sobre cotas no Brasil

Em maio de 2016, a Portaria nº 12 do Ministério da Educação (MEC) estabeleceu um prazo de 90 dias para as Instituições de Educação Superior apresentarem propostas de inclusão de negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas com deficiência em seus programas de pós-graduação.

De acordo com o MEC, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) ficou responsável pela organização de uma base de dados que informe o número de negros, indígenas e pessoas com deficiência nos programas de pós-graduação com políticas de ações afirmativas das universidades, a partir da base de dados geral dos programas de pós-graduação monitorados pela Capes.

“Muitas universidades já divulgaram processos seletivos adequados à nova portaria. Embora na maioria dos casos as políticas de ação afirmativa ainda estejam limitadas a alguns dos programas de pós-graduação, principalmente na área da Educação. Na Universidade Federal da Bahia, por exemplo, as cotas já foram institucionalizadas para todos os cursos”, pondera a pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa da UFJF.

Outras informações: (32) 2012-3785 – Pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa
(32) 2012-6919 – Diretoria de Ações Afirmativas