Os fenômenos psíquicos e espirituais são tema de debates e pesquisas intensas que buscam compreender o modo como ocorrem as interações entre os homens e o sobrenatural. Durante o século XIX, quando surgiram com maior intensidade, foram foco de estudos científicos que procuravam afirmar sua existência ou rebatê-la, atestando ser fruto do charlatanismo. Com os debates sob a luz da ciência, surgiram teorias que expunham um leque de possíveis explicações para cada tipo de manifestação que se apresentava. Por mais que não se chegasse a um consenso sobre o assunto, muitas dessas teorias facilitaram a compreensão da mente e o que ela possibilita aos seres humanos.

Com o objetivo de entender essas teorias e as visões de seus autores a respeito do tema, o mestrando em Saúde Brasileira pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e membro do Núcleo de Pesquisas em Saúde e Espiritualidade (Nupes) da UFJF, Marcelo Gulão Pimentel, realizou um estudo que resultou na publicação do artigo “As investigações dos fenômenos psíquicos/espirituais no século XIX: sonambulismo e espiritualismo, 1811-1860” na Scientific Electronic Library Online (SciELO).

Sob orientação dos professore da UFJF e participantes do Nupes, Klaus Chaves Alberto e Alexander Moreira de Almeida, Pimentel desenvolveu uma análise que estava concentrada no período de 1811, quando foi publicada a primeira obra dedicada a pesquisas sobre o sono magnético, e 1850, momento em que o espiritualismo moderno e as mesas girantes começaram a ser o foco dos estudos. “Procuramos identificar os principais pesquisadores dos fenômenos psíquicos na Europa e nos Estados Unidos da primeira metade do século XIX, época em que sonambulismo magnético e espiritualismo moderno ganharam vigor na Europa”, explica o mestrando.

Para direcionar sua linha de raciocínio, Pimentel desenvolveu o artigo em tópicos que se relacionavam às teorias, fossem elas contrárias ou a favor da existência dos fenômenos espirituais. A ordem também segue uma cronologia, iniciando-se com a questão do sonambulismo magnético e as abordagens dos fenômenos psíquicos ligados a ele, passando pelos discursos céticos e chegando ao espiritualismo moderno e charlatanismo.

Sonambulismo magnético e discurso cético

O primeiro ponto a ser tratado no artigo é o sonambulismo magnético. Diversos autores buscaram explicar o sonambulismo e os fenômenos psíquicos que surgiam a partir do sono magnético, estado de sono induzido por meio de fluidos. Mas o debate foi além das pesquisas desenvolvidas pelos conhecidos como “magnetizadores” e os fenômenos psíquicos começaram a ter uma repercussão maior, contribuindo para a formação de um discurso cético a respeito do assunto.

Muitas das teorias desenvolvidas na época discordavam da existência dos fenômenos psíquicos. “O discurso cético acreditava que os fenômenos eram fruto de fraude ou da imaginação das pessoas envolvidas”, comenta Pimentel. Por mais que tivesse muitos defensores, esse tipo de discurso possuía opiniões variadas. Alguns pesquisadores atestavam, inclusive, a nulidade da investigação a respeito dos fenômenos.

Por outro lado, haviam defensores que reconheciam a possibilidade de existência de uma superexcitação dos sentidos e da mente, algo que resultava em um aumento da visão, do olfato e até mesmo da inteligência. Pimentel destaca, por exemplo, a teoria do médico neurologista francês Jean-Martin Charcot, diretor da Escola Salpetrière, que classificava os fenômenos psíquicos como sintomas de patologias mentais.

Espiritualismo moderno

Uma das questões principais da pesquisa que Pimentel desenvolveu trata do espiritualismo moderno e as interações mediúnicas. O fenômeno das mesas girantes começou a ter grande repercussão nos Estados Unidos a partir de 1848, e na Europa no início da década de 1850, ganhando grande destaque nos jornais e mobilizando pesquisadores a encontrarem respostas para os questionamentos que surgiam na sociedade.  

“Os pesquisadores do período apontaram diversas hipóteses explicativas para o fenômeno, dentre elas estavam desde a simples fraude ou charlatanismo, passando por causas físicas, como movimentos imperceptíveis provocados pelos participantes da sessão que faziam a mesa girar sem perceberem”, comenta Pimentel. Outras teorias desenvolvidas enfatizavam a possibilidade de alucinação por parte de quem alegava receber as mensagens de pessoas falecidas e a ação de fluídos invisíveis que emanavam dos humanos responsáveis por movimentarem objetos ou conhecerem as informações dadas pelas pessoas desencarnadas. Por fim, também estavam presentes teorias que relatavam a ação direta de personalidades inteligentes invisíveis capazes de se comunicar, ou seja, os espíritos.

Posterioridade

Apesar de não ser o foco da pesquisa, Pimentel destaca que alguns estudos indicam que o sonambulismo magnético e o espiritualismo moderno foram marginalizados durante o século XX, seguindo uma visão que afirmava que a ciência não deveria se preocupar com assuntos metafísicos. Sendo assim, ainda hoje, faltam serem realizados mais estudos com esse foco de pesquisa.

Para dar continuidade ao seu projeto, o mestrando buscará uma visão maior da ciência no século XIX, estabelecendo uma comparação com as ciências que se instituíram no período, como a Psicologia, a Sociologia e a Biologia. Seu objetivo é analisar se as investigações dos fenômenos psíquicos poderiam ser classificadas como uma prática científica ou se seriam apenas práticas místicas. “Dessa forma, será possível entender se as críticas que levaram à supressão dessas investigações tinham embasamento científico ou eram fruto de preconceito”, comenta Pimentel. Além disso, também buscará uma expansão para outras regiões e culturas que não foram incluídas neste artigo.

O mestrando também tem como objetivo se aprofundar no método de pesquisa de Allan Kardec, o codificador da Doutrina Espírita. Pimentel pretende entender como as teorias de Kardec acerca da ação dos espíritos sobre os homens eram elaboradas, levando em consideração os fenômenos e as informações extraídas das sessões espíritas. Ele destaca que, embora pouco conhecidas, essas investigações compõem parte importante da história da psicologia e da psiquiatria.