A primeira mesa redonda do simpósio Muros Invisíveis marcou o Dia Nacional da Luta Antimanicomial e colocou em pauta o debate sobre a patologização e medicalização da infância. Realizado no Instituto de Ciências Humanas (ICH) e mediado pela professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (Faced-UFJF), Rita de Cassia Almeida, o evento foi conduzido pelas palestrantes em torno de suas respectivas pesquisas na área.
Influência no desempenho escolar
As quatro professoras que compuseram a mesa redonda expuseram o atual cenário da prescrição de medicamentos como solução para dificuldades escolares de crianças e jovens. Segundo a também professora da Faced, Ana Maria Fontes, que abriu o debate, o problema da medicalização começa na sociedade atual, que “coleciona avanços tecnológicos e vê na ciência um alívio para as dificuldades próprias da vida”.
Já segundo a professora do Departamento de Psicologia, Nara Liana da Silva, a sociedade determina arbitrariamente uma norma de comportamento para os indivíduos e, por sua vez, todo comportamento não socialmente aceito é classificado como anormal. Essa lógica, transposta e reproduzida pelas escolas, faz com que os alunos que se comportam e aprendem em um ritmo diferente sejam considerados anormais e, em certa medida, os exclui.
Número preocupante
A próxima etapa do processo de exclusão seria o diagnóstico. Conforme a avaliação de Ana Maria Fontes, os indivíduos da sociedade atual buscam os especialistas para aliviar o peso de suas decisões.
No caso da escola, os pais e professores, inseguros de como conviver com as necessidades e interesses específicos de seus filhos e alunos, buscariam nos médicos a resposta para como lidar com problemas educacionais mais diversos. “O conhecimento científico acaba substituindo as práticas e saberes humanos dos educadores e dos pais. O resultado é transformar os problemas que, muitas vezes, são culturais, estruturais, em problemas individuais, médicos. Antigamente se considerava a desnutrição como causa para as dificuldades de aprendizado. Hoje em dia, são os problemas psico-neurológicos”, ponderou Ana Maria Fontes.
Uma vez diagnosticada, a criança ou o jovem recebe uma prescrição para um medicamento. Segundo a professora da Faculdade de Psicologia do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES-JF), Maria Lúcia Vidal, é assustador o número de crianças encaminhadas para eletroencefalogramas em busca de um diagnóstico ou para o uso de medicamentos para tratar problemas escolares.
Coube a Vidal definir o conceito de central da discussão: “Medicalização é artificialmente transformar problemas sociais, culturais e históricos em problemas biológicos. É também desconsiderar outros fatores, que atuam sobre a criança e as estruturas da escola. Tirar o problema de seu contexto.”
Importância do acompanhamento completo
De acordo com compilados pelo Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, mostrando os indicies de diagnósticos e consumo de psicofármacos no país, 12,6% dos brasileiros apresentariam algum sintoma de transtorno mental. Vidal também alertou para o uso de medicamentos em instituições socioeducativas e para a falta de dados sobre o consumo de outros psicofármacos, que não precisariam de um formulário especial para a prescrição. Segundo ela, a cultura de medicalização nas escolas e na sociedade culminaria na supressão de toda singularidade e subjetividade dos indivíduos, até ao uso abusivo e indiscriminado de medicamentos e a uma cobrança de desempenho humanamente impossível.
Em sua conclusão, as professoras ressaltaram, os diagnósticos e tratamentos médicos são importantes e benéficos quando realizados dentro do contexto social, histórico e cultural, e surgindo de um trabalho interdisciplinar de acompanhamento dos alunos na escola, do qual participariam médicos, educadores e pais.