Com o fim do inverno e início da primavera, o Brasil irá enfrentar uma forte onda de calor com temperaturas que podem chegar acima dos 45º em algumas regiões do país. Segundo especialistas, há riscos à saúde, inclusive de morte, além dos danos ambientais como as queimadas. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), as temperaturas máximas devem ser maiores do que as registradas na última onda, em 2020.
De acordo com a coordenadora do Laboratório de Climatologia e do curso de Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Cássia Martins Ferreira, o fenômeno é resultado da atuação de sistemas de alta pressão atmosférica que ficam estacionários numa mesma região, por vários dias. Além disso, a situação se agrava com o El Niño, que este ano, está de moderado a forte e impacta, principalmente, na temperatura da água dos oceanos.
Ainda segundo a professora Cássia Ferreira, quando a atmosfera está sob a atuação de uma alta pressão, o céu geralmente fica com poucas nuvens, ventos próximos a calmaria, pressão e umidade baixa. Essas condições favorecem a radiação solar mais intensa em superfície, principalmente no final do inverno, quando a radiação incide de forma mais direta. “A alta pressão atmosférica causa bloqueios na circulação atmosférica, dificultando a mistura entre as massas de ar quentes e mais frias. A alta pressão atmosférica, neste caso do Brasil, vai inibir o deslocamento das frentes frias pelo Sul do país para chegar ao Sudeste.”
O calor intenso será mais perceptível na faixa continental do Brasil, como o norte do Paraná, oeste e norte de São Paulo, oeste de Minas Gerais, incluindo o Triângulo Mineiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, oeste da Bahia, interior do Maranhão e do Piauí, Tocantins, sul e leste do Pará e Rondônia.
Estas regiões apresentarão temperaturas acima de 40º, segundo as previsões do INMET. Ainda de acordo com o órgão, a maior temperatura registrada no Brasil, em mais de cem anos, é de 44,8°C em Nova Maringá – MT, nos dias 4 e 5 de novembro de 2020. Seguida de Cuiabá: 44ºC e em São Paulo de 37,1ºC em 30/09/2020. No Mato Grosso do Sul as temperaturas em 2020 chegaram aos 44ºC em várias localidades. Em Juiz de Fora a temperatura máxima já registrada foi de 35,4ºC durante o mesmo período.
“Neste período, as temperaturas em Juiz de Fora devem ficar próximas às que foram registradas em 2020, por volta de 34ºC. Isso porque a cidade está em uma altitude mais elevada. Desta forma, teremos temperaturas mais baixas, quando comparadas por exemplo a Ubá, Visconde do Rio Branco, Leopoldina, Muriaé, que estão em altitudes mais baixas, logo deverão alcançar temperaturas mais elevadas.”
Umidade do ar
A umidade do ar também é preocupante durante esse período em que a onda de calor irá se instalar no Brasil. Devido a atuação do sistema de alta pressão, quando as temperaturas aumentam, a tendência é que a umidade relativa do ar caia. Segundo o INMET, ela pode ficar em torno de 20% a 30%. Porém, de acordo com a climatologista, em algumas regiões do Brasil ela pode ficar abaixo dos 10%, o que é considerado alarmante.
Crianças e idosos são os que mais sofrem com o aumento da temperatura
A exposição ao sol pode trazer consequências graves para a saúde humana. Especialistas alertam até mesmo para o risco de morte por conta das altas temperaturas. Crianças e idosos são os que tendem a sofrerem mais com forte calor. Segundo a médica endocrinologista do Hospital Universitário da UFJF, Flávia Macedo (HU/UFJF), as crianças, por possuírem um corpo menor, ficam mais desidratadas por conta de uma menor quantidade de reserva de água.
Já os idosos sentem menos sede do que pessoas mais jovens, bebendo menos água do que seria necessário para manter uma reserva saudável. Ainda de acordo com ela, o organismo desidratado não funciona de forma adequada, levando a diversos riscos para a saúde, como cansaço, dores de cabeça, queda de pressão arterial e até mesmo aumento no risco de problemas do coração.
“Uma forma de amenizar esse risco é aumentar a oferta de água para crianças e idosos e pedir que bebam água mesmo que não sintam sede, pois a sede já é um sinal de desidratação. O uso de roupas claras e tecidos leves e naturais também é recomendado.”
Atividade física
Ponto tradicionalmente usado para atividade física, o campus da UFJF é uma área onde muitas pessoas praticam corrida, caminhada e outros exercícios. Porém, tal atividade precisa ser realizada com cuidados, principalmente durante esse período quente e seco. De acordo com o Professor de Fisiologia do Exercício da Faculdade de Educação Física e Desportos (Faefid) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Daniel Godoy, a prática de atividade física ao ar livre, em ambiente com exposição ao sol e sob forte calor, pode provocar hipertermia, que é um superaquecimento do nosso organismo, e desidratação, provocando sintomas como tonturas, desmaios, náuseas, vômitos e câimbras. Em casos mais graves, pode ocorrer convulsão e até coma.
Ainda de acordo o docente, um fator complicador é a baixa umidade relativa do ar presente em períodos sem chuva. Em dias com umidade relativa do ar abaixo de 30%, recomenda-se que a prática de atividade física ao ar livre seja realizada nos períodos menos quentes, ou seja, antes das 10h da manhã e após às 16h. O ideal é que a umidade relativa do ar esteja entre 40% e 70% para a prática de atividade física. Além disso, sugere-se a utilização de roupas esportivas claras e leves, as quais permitam a transpiração e evaporação do suor.
“Em dias quentes, pode-se realizar atividade física em ambiente fechado, desde que esse ambiente esteja arejado, ventilado ou mesmo climatizado. Mas é bom reforçar a importância da hidratação antes, durante e após a atividade física, mesmo se realizada em ambiente fechado.”
A hidratação deve ser redobrada durante esse período de calor intenso. Segundo a nutricionista e mestranda em Educação Física na UFJF, Clarissa Lima, com o aumento da temperatura corporal durante a atividade física, o organismo realiza alguns ajustes como aumento da produção de suor para que possa perder calor através de evaporação. Essa produção de suor caracteriza perda de líquido do nosso corpo, o que pode resultar em diminuição do volume de sangue corporal, podendo ser prejudicial ao organismo. A hidratação antes, durante e depois da atividade física, minimiza e previne essa diminuição do volume de sangue corporal. Além disso, há direcionamento do fluxo sanguíneo para a pele, para que o sangue troque calor com o ambiente externo.
“Esse direcionamento de sangue para a periferia pode aumentar a sobrecarga cardiovascular, em especial no coração, durante o exercício físico. A hidratação ajuda também a reduzir esse estresse para o coração.”
O professor Fisiologia do Exercício da Faefid da UFJF, Daniel Godoy, informa que não existe modalidade esportiva contraindicada durante os dias quentes. O que se deve levar em consideração, principalmente, é a intensidade do esforço físico. De acordo com ele, é aconselhável que se realize a sessão em uma intensidade mais leve, uma vez que, quanto maior a intensidade maior a produção de calor pelo organismo, e, consequentemente, maior o risco de hipertermia e desidratação. Atividades esportivas em ambiente aquático também necessitam de atenção aos praticantes no que diz respeito à hidratação.
“Se a pessoa é praticante de corrida, nesses dias de onda de calor, deve preferir treinos em velocidade mais lenta, em detrimento de treinos de tiro, por exemplo. Para modalidades de luta, como judô, jiu-jítsu e karatê, a utilização das vestimentas (kimono) pode prejudicar a perda de calor e aumentar ainda mais a produção de suor. Nessas modalidades, a atenção à hidratação deve ser redobrada.”
Se mesmo seguindo as orientações a pessoa sentir-se mal ao praticar exercícios, é preciso interromper imediatamente, iniciar a hidratação (água e isotônicos) e procurar se abrigar em local fresco, com sombra e arejado. Se persistirem os sintomas recomenda-se procurar ajuda médica especializada.
Cuidados com a pele também devem ser considerados
A atenção com a pele também deve ser observada. Isso porque, as doenças dermatológicas podem até mesmo evoluir a óbito, como é o caso do câncer de pele. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer atinge 33% da população, sendo registrados 185 mil casos por ano. A doença é provocada pelo crescimento anormal e descontrolado das células que compõem a pele. Os mais comuns são os carcinomas basocelulares e os espinocelulares. Mais raro e letal que os carcinomas, o melanoma é o tipo mais agressivo de câncer da pele e pode evoluir com metástase e levar à morte.
De acordo com a médica dermatologista do Hospital Universitário (HU/UFJF) e professora da Faculdade de Medicina da instituição, Shirley Gamonal, é preciso ter cuidado redobrado nos indivíduos de pele e olhos claros ou aqueles que tenham exposição ao sol por motivos de trabalho, lazer e esporte. Além disso, pessoas que já tiveram câncer de pele, transplantados ou em uso de imunossupressores, portadores de doenças como vitiligo e lúpus eritematoso, crianças e idosos também precisam de atenção.
“Além do câncer de pele, outras doenças também podem ser desenvolvidas com a exposição ao sol como queimaduras, brotoeja, dermatite, infecções por fungos e/ ou bactérias, alergias a medicamentos como diuréticos e anti-inflamatórios.”
Qualquer sinal de alteração na pele como feridas que não cicatrizam, lesões ásperas que sangram facilmente ou lesões elevadas e verrucosas, além de pintas que crescem rapidamente ou mudam de cor ou apresentarem sangramento e formação de crostas podem ser um indicativo de câncer de pele.
A orientação é evitar a exposição ao sol entre 11h da manhã e 15h, quando os raios ultravioleta estão no pico da radiação. O uso de protetor solar também é indicado, sendo necessária a reaplicação a cada duas horas, de acordo com a médica.
“A população deveria utilizar pelo menos um filtro solar com no mínimo fator 30. Existem filtros minerais, que são bloqueadores solares indicados para pessoas de pele sensível ou esportes com maior exposição à luz solar. Há também os em spray, os livres de óleo ou para pessoas com pele oleosa ou acne. Os mais utilizados são em loções ou géis.”
O uso de chapéus, bonés e óculos de sol são itens indispensáveis para a proteção. Para trabalhadores rurais ou da construção civil, a dermatologista recomenda o uso de camisas de algodão de manga comprida, além do uso de capacetes. Há peças do vestuário que possuem proteção contra os raios ultravioletas.
“Em caso de queimaduras solares, manter hidratação oral e com loções ou cremes. Pode-se fazer compressas geladas com substâncias calmantes como chá da flor de camomila ou água termal. Se já houver formação de bolhas deve-se sempre procurar atendimento médico devido ao risco de infecções secundárias e cicatrizes. Com relação às infecções por fungos ou bactérias, é necessário avaliação médica.”
Matéria originalmente postada em UFJF