A exposição reflete o repúdio aos eventos que buscaram um golpe de estado, a partir de obras criadas com o estilo dos primeiros modernistas.
“Pátria amada, Brasil!”. Que pátria seria aquela? E que amor seria aquele? Era a tarde de um domingo em 2023, quando uma legião ensandecida, empunhando bandeiras do Brasil, destruía uma parte importante do patrimônio nacional. O verde e o amarelo dos lábaros eram os mesmos que batizavam o punhal que feriria de morte a democracia brasileira. Falharam. Gritos, estilhaços de vidros e até mesmo escatologias marcavam o centro político do país. Os olhares atônitos em frente às telas dos televisores e celulares refletiam cenas distópicas, que se materializavam com direito a transmissão ao vivo, realizada, inclusive, pelos próprios agentes disruptivos. Pavor para uns, celebração para outros e matéria-prima para o artista Alex Frechette que, diante dos lamentáveis panoramas, desenvolveu uma série de quadros como forma de protesto.
A mostra ‘8 de Janeiro – Jamais Fomos Modernos’, já exibida em grandes centros como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo, chega agora à Juiz de Fora para uma temporada na Galeria de Arte do Forum da Cultura. A abertura da exposição ocorre na próxima terça-feira, dia 12 de agosto, a partir das 18h30. Na ocasião, o artista compartilhará parte do processo de criação das telas, suas inspirações e técnicas utilizadas. Estarão presentes ainda, Paulo Roberto Figueira Leal, professor na Faculdade de Comunicação da UFJF e Fernando Perlatto Bom Jardim, professor do Departamento de História da UFJF, para um momento de discussões e trocas a respeito de política, história, sociedade, democracia e outras questões relacionadas à temática da mostra. O evento é gratuito e aberto ao público em geral.

Obra ‘Cavalos e estátua atacados’
Alex Frechette explora de forma singular os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023, quando indivíduos buscaram promover um golpe de estado, resultando em danos à noção de democracia e destruição ao Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional, bem como às obras de arte modernistas que ocupavam esses espaços em Brasília.
Estarão em exibição diversas telas em tinta acrílica, de tamanhos diversos, incluindo um mural de 5 metros por 1,65, inspirado pelo estilo modernista muralista. O título da exposição estabelece um diálogo com a crítica do antropólogo e sociólogo francês Bruno Latour à concepção tradicional de modernidade, ressaltando que esta não é uma narrativa linear, mas um campo complexo de interações.
“Para mim, parecia que os invasores queriam destruir tudo aquilo que um projeto moderno brasileiro representou e que, mesmo com todas as críticas que podemos fazer hoje a esse modernismo, representa ainda uma ruptura com o conservadorismo daqueles que pediam um golpe”, reflete Alex Frechette.

Obra ‘Mulatas sob ataque’
Como janelas temporais para um passado não tão longínquo, as obras mostram os ataques perpetrados contra ícones modernistas, como a tela “As Mulatas” de Di Cavalcanti, os azulejos e o muro escultórico de Athos Bulcão, a escultura da Justiça de Alfredo Ceschiatti e os prédios projetados por Oscar Niemeyer.
Para a criação de seus quadros, o artista revia os registros visuais e com o pincel os convertia em arte. “Peguei imagens da invasão em Brasília e usei os trabalhos de Di Cavalcanti como maior referência, estudando seus personagens e estilo. Seu trabalho ‘As Mulatas’ foi esfaqueado nesta invasão, por isso decidi me focar neste pintor e sua obra emblemática, que fala de um Brasil cheio de esperanças e que valoriza sua cultura”, relembra.
Os trabalhos em exibição são carregados de cores, traços fortes e fundos que se mesclam com os personagens representados. As escalas dos quadros também chamam a atenção, pois referenciam as obras pensadas por modernistas de outrora, encomendadas para eternizarem grandes espaços arquitetônicos de um novo Brasil que era pensado, especialmente, a partir da década de 50.
Entre os destaques da mostra está o mural ‘A Invasão’, que mostra pessoas fazendo as chamadas selfies (autorretratos) e, dessa forma, gerando provas contra si mesmas. A tela apresenta ainda indivíduos quebrando brasões, cadeiras do STF e quadros de presidentes anteriores. Também chama atenção a obra ‘Ataque aos Cavalos’, primeira tela da série criada pelo artista, que registra o equino sendo atacado nos olhos, deixando-o cego.
Os visitantes que passarem pela galeria poderão entrar em contato com o encontro entre arte e política que – diferentemente do que muitos pensam – estão cada vez mais interligadas. Para Alex Frechette, “a arte reflete sobre todos os assuntos que interessam os seres humanos, e a política não é diferente de nenhum outro tema, sendo a política algo que influencia direta e indiretamente nosso cotidiano, principalmente o brasileiro, nestes últimos anos; essa relação me parece bem natural. Com esta mostra, busco lembrar o público de que a democracia esteve em risco há tão pouco tempo”.
Alex Frechette foi um dos artistas selecionados pelo Edital de Ocupação da Galeria de Arte do Forum 2025, cujo resultado foi divulgado no dia 28 de fevereiro.
‘8 de janeiro – Jamais fomos modernos’ segue em cartaz até o dia 29 de agosto, com visitações gratuitas de segunda a sexta, das 10h às 19h.
Mais sobre o artista
Alex Frechette, artista visual e doutor em Artes pela UERJ, reside e trabalha em Niterói-RJ. Também é mestre em Turismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF); especialista em Arte e Cultura pela Universidade Candido Mendes (UCAM); licenciado em Educação Artística pela Universidade Candido Mendes e Instituto A Vez do Mestre (UCAM_AVM) e Bacharel em Pintura pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Alex Frechette
Seu trabalho engloba desenhos, pinturas, objetos e vídeos, explorando elementos do cotidiano social brasileiro e seus desdobramentos, pulsões e tensões, numa busca por discussões sobre história, memória, ativismos e processos poéticos contra-hegemônicos.
Ao longo de sua trajetória, já realizou diversas exposições individuais em cidades como Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo, e exposições coletivas em espaços renomados como o Instituto Inhotim (MG) e também em outros países, como Colômbia e México.
O artista visual também já recebeu diversas premiações concedidas por instituições como Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), Prefeituras Municipais de Niterói e do Rio de Janeiro, e Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ).
O estilo modernista muralista
O estilo modernista muralista refere-se à integração do movimento modernista com a técnica do muralismo, especialmente no contexto latino-americano. O modernismo, com sua busca por romper com padrões tradicionais e abraçar a inovação, encontrou no muralismo uma forma de expressão que se conectava com a identidade nacional e a realidade social.
O muralismo, originado no México, buscava levar a arte para as massas, utilizando espaços públicos como suporte para obras que retratassem a história e a cultura do povo, muitas vezes com críticas sociais e políticas.
No Brasil, artistas modernistas como Cândido Portinari e Di Cavalcanti adotaram o muralismo, adaptando-o à realidade brasileira e utilizando-o para expressar temas nacionais e refletir sobre a identidade do país.
O muralismo modernista brasileiro combina a estética modernista com a temática social e política, buscando uma linguagem artística que represente a realidade do país.
Diversos artistas contemporâneos seguem bebendo dessa fonte, como grafiteiros, que usam os muros como suporte para expressar ideias e reflexões sobre a sociedade.
Galeria de Arte
O espaço, instalado em um local privilegiado no segundo pavimento do Forum da Cultura, abriga produção eclética, com exposições de artes plásticas, documentais e pedagógicas, que já chegaram a ter mais de mil visitantes por mostra. Criada em 1981, no reitorado do professor Márcio Leite Vaz, a galeria recebe importantes nomes da pintura de Minas Gerais e da cidade, além de jovens artistas e coletivos. Em janeiro de 2024, o espaço passou por reforma, substituindo as antigas placas de madeira por novas, garantindo assim, um espaço renovado, com estruturas reforçadas para as mostras a serem expostas. O sistema de iluminação também foi renovado, possibilitando mais destaque para as obras em exibição.
Forum da Cultura
Instalado em um casarão centenário, na rua Santo Antônio, 1112, Centro, o Forum da Cultura é o espaço cultural mais antigo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Em atividade há mais de cinco décadas, leva à comunidade diversos segmentos de manifestações artísticas, abrindo-se a artistas iniciantes e consagrados para que divulguem seus trabalhos.
Endereço e outras informações
Forum da Cultura
Rua Santo Antônio, 1112 – Centro – Juiz de Fora
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E-mail: forumdacultura@ufjf.br
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Telefone: (32) 2102-6306