A artista visual Livilds utiliza páginas de livros como suporte para desenvolver suas criações.
O encontro inusitado entre linhas, agulhas e palavras deu origem aos trabalhos que estarão presentes na próxima exposição na Galeria de Arte do Forum da Cultura da UFJF. A mostra “Páginas Isoladas”, da artista visual Livilds, apresenta obras criadas a partir das técnicas de bordado, que tem sua origem na antiguidade e adquiriu peculiaridades de acordo com influências dos diferentes povos do globo, e a poesia blackout, manifestação poética-visual fortemente ligada ao dadaísmo, que recebeu um novo destaque a partir do trabalho do artista estadunidense Austin Kleon, em 2010. O vernissage, gratuito e aberto ao público em geral, ocorre a partir das 18h30. Na ocasião, estarão presentes o escritor Rogério Arantes e o cantor e compositor Renato da Lapa, que compartilhará algumas de suas canções.
As “Páginas Isoladas” nasceram ao longo do período da pandemia, entre março de 2020 e novembro de 2021. A artista, que já carregava a ideia de ressignificar páginas de livros antigos a partir de bordados, encontrou na quarentena o tempo e a oportunidade para executar o projeto. Neste ínterim, veio à tona a técnica da poesia blackout, que é o resultado de um processo criativo, a partir de um texto físico, em que palavras são seletivamente ocultadas para criar significados inteiramente novos, dando aos textos antigos novas perspectivas e significados.
Normalmente, esta técnica é executada utilizando-se pincéis ou canetas para apagar os vocábulos não utilizados, destacando assim, apenas os desejados. O diferencial da proposta de Livilds parte da escolha do bordado – o qual possui familiaridade – a fim de realizar o apagamento das palavras, modulando, dessa forma, uma singular arte textual e têxtil.
“Num primeiro momento, a intenção era destacar as palavras, lançando mão de um bordado mais simples, unicamente para tampar os termos que eu considerava ‘desnecessários’. Depois, essa escolha artística foi ampliada, existindo como bordado propriamente dito, de forma que a poesia das páginas tornou-se, além de uma poesia escrita, uma poesia visual. Nó francês, ponto corrente, ponto haste, ponto pirulito, foram alguns dos pontos utilizados para a criação das obras”, relata a artista.
O processo de criação de cada uma das 37 páginas que estarão em exibição foi muito espontâneo e baseado em reaproveitar e ressignificar materiais descartados. A artista abria alguns dos livros, adquiridos por meio de doações, corria os olhos até encontrar palavras que chamassem sua atenção. A partir daí, iniciava-se o cuidadoso processo de bordar, tensionando a linha no papel apenas o necessário. Um trabalho que não conta com margem para erro, levando-se em consideração que, determinada página era única devido às palavras presentes nela.
A mostra traz reflexões sobre o isolamento, o significado das coisas e o tempo. “Trata-se de um recorte do olhar desenvolvido a partir de uma nova experiência de mundo restrita ao ambiente doméstico. Ela retrata uma realidade complexa vivida por grande parte das pessoas, o período de maior reclusão da pandemia, que trouxe um grande isolamento físico”, explica Livilds. “A exposição contribui, ainda, para trazer à tona a memória deste momento, procurando desvelar como, dentro do cotidiano, algo novo se revela, valorizando, assim, pequenos gestos e interações mediados através da arte. É um trabalho que visa despertar nas pessoas tanto a auto observação, quanto o abrir-se para o outro”, conclui ela.
Livilds foi uma das artistas selecionadas pelo Edital de Ocupação da Galeria de Arte do Forum 2024, cujo resultado foi divulgado no dia 15 de março.
A mostra segue em cartaz até o dia 20 de setembro, com visitações de segunda a sexta-feira, das 10h às 18h.
Entre linhas e letras
A escolha da artista em mesclar duas técnicas tão distintas nos leva a uma viagem pelo tempo, em que nos deparamos com técnicas desenvolvidas desde o início das civilizações e com experimentações artísticas de um passado recente.
As origens do bordado remontam aos primórdios da própria humanidade, inclusive pré-histórica, mais precisamente o período paleolítico. Nossos ancestrais iniciaram o desenvolvimento de habilidades com a costura através de agulhas de ossos e grânulos de sementes. Os povos babilônicos e os antigos egípcios, por exemplo, utilizavam o bordado em suas vestimentas e em outros materiais com objetivo ornamental. Na Idade Média, a técnica era destinada à nobreza, utilizada, inclusive, a fim de imortalizar fatos históricos importantes. No Brasil, o bordado foi trazido pelos portugueses, mesclou-se com as raízes indígenas e africanas, e espalhou-se por todo território nacional, tornando-se uma das principais formas de artesanato popular.
Séculos se passaram e o bordado mostrou-se algo perene, trançado junto à própria história do ser humano. Seja por sua história, geografia, religiosidade e outros diversos elementos, cada povo representa, de certa forma, seu modo de ser e costumes através desta arte dos pontos.
A poesia blackout é um fenômeno estético com raízes que remontam à época de Benjamin Franklin e seu vizinho Caleb Whiteford, que redigia versões de artigos escritos pelo polímata e um dos fundadores dos Estados Unidos, a fim criar novos significados textuais por meio de trocadilhos. A forma ressurge durante o dadaísmo, expressivo movimento artístico da vanguarda europeia no início do século XX, que ia contra a organização, a lógica, os valores estéticos tradicionais e, também, dos seus contemporâneos. A partir de 2010, a técnica ganha um novo destaque por meio dos trabalhos desenvolvidos pelo artista estadunidense Austin Kleon, que lança o livro “Newspaper Blackout” em que seleciona páginas do mundialmente conhecido jornal The New York Times e, com um marcador permanente, elimina as palavras de que não precisa.
Mais sobre a artista
Natural de Juiz de Fora (MG), Lívia Almeida (Livilds) é arquiteta e urbanista, graduada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Ao longo de sua trajetória, já desenvolveu trabalhos em diferentes áreas, desde confecção de encadernações, bordados, ilustrações, colagens, até a criação de materiais visuais voltados ao mercado fonográfico, como, por exemplo, capas e encartes para bandas musicais e artes gráficas para espetáculos.
Participou de diversas feiras de artesanato e eventos culturais, como o Mercado Aberto e Som Aberto em Juiz de Fora; Mercado Todo Vapor, em São João del Rei; Mercado de Delicadezas, em Barbacena; Bendita Feira, em Cataguases; entre outras.
Seu contato com o universo têxtil se deu ainda na infância por meio do ponto-cruz, realizado por uma tia. Também recebeu inspiração da avó e mãe, que costuravam e faziam crochê. Em 2013, Livilds inicia experimentações com o chamado “bordado livre”, em que, de forma autodidata, realizava os entrelaces de linhas testando padrões, desmanchando, fazendo e refazendo quantas vezes fossem necessárias até alcançar o resultado almejado.
A exposição no Forum da Cultura é a primeira da artista em formato individual e em um espaço cultural.
Galeria de Arte
O espaço, instalado em um local privilegiado no segundo pavimento do Forum da Cultura, abriga produção eclética, com exposições de artes plásticas, documentais e pedagógicas, que já chegaram a ter mais de mil visitantes por mostra. Criada em 1981, no reitorado do professor Márcio Leite Vaz, a galeria recebe importantes nomes da pintura de Minas Gerais e da cidade, além de jovens artistas e coletivos. Em janeiro de 2024, o espaço passou por reforma, substituindo as antigas placas de madeira por novas, garantindo assim, um espaço renovado com estruturas reforçadas para as mostras a serem expostas. O sistema de iluminação também foi renovado, possibilitando mais destaque para as obras em exibição.
Forum da Cultura
Instalado em um casarão centenário, na rua Santo Antônio, 1112, Centro, o Forum da Cultura é o espaço cultural mais antigo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Em atividade há mais de cinco décadas, leva à comunidade diversos segmentos de manifestações artísticas, abrindo-se a artistas iniciantes e consagrados para que divulguem seus trabalhos.
Endereço e outras informações
Forum da Cultura
Rua Santo Antônio, 1112 – Centro – Juiz de Fora
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E-mail: forumdacultura@ufjf.br
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Telefone: (32) 2102-6306