Fechar menu lateral

Forum da Cultura recebe “Ao Céu”, exposição que reúne obras do artista plástico Alceu Rodrigues e discute as relações entre arte e mente

A abertura da mostra contará com a presença do curador, Pury, além de outros profissionais que tiveram contato direto com o artista. O Coral da UFJF também se apresenta no evento.

 

A poesia que habita a mente ganhando cores, formas, dimensões e materialização. Catarses artísticas de uma pessoa que conviveu com sofrimentos mentais e encontrou, na pintura, a forma de se reconectar consigo mesmo e com o mundo.

O artista plástico juiz-forano Alceu Rodrigues dos Santos (1942 – 2016) é homenageado na mostra “Ao Céu”, que entra em exposição a partir da próxima terça-feira, dia 16, na Galeria de Arte do Forum da Cultura da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Com curadoria do também artista plástico Sebastião Reis, popularmente conhecido como Pury, a exposição conta com 20 obras de Alceu e marca os 30 anos de início da produção artística, tanto do pintor, quanto do curador.

Os dois se conheceram no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) CasaViva, em Juiz de Fora, onde Pury coordenava a Oficina Terapêutica de Arte. Foi nesse espaço, e em outros ateliês da saúde mental da cidade, que Alceu Rodrigues, então diagnosticado com esquizofrenia, iniciou sua potente produção pictórica.

A mostra “Ao Céu” chega em um mês extremamente fértil para discussões a respeito das relações entre arte e saúde mental. Ela integra a programação da Semana Nacional de Museus, evento de nível nacional, promovido pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), que traz como tema “Museus, sustentabilidade e bem-estar”.

Além disso, outra oportuna coincidência é estar ocorrendo em um mês marcado pela Luta Antimanicomial. Desde a década de 1970 ocorrem em maio intensas mobilizações por parte de movimentos sociais, grupos, coletivos e entidades que reivindicam o fechamento de manicômios e a formalização de novas legislações, a implantação da rede de saúde mental e atenção psicossocial e a instauração de novas práticas mais humanizadas nessa área da saúde.

Nesse contexto, vale relembrar que em 2023 completam-se 22 anos da aprovação da Lei 10.216/2001, conhecida como “Lei Paulo Delgado”. Esse marco legal estabelece a responsabilidade do Estado no desenvolvimento da política de saúde mental no Brasil, através do fechamento de hospitais psiquiátricos, abertura de novos serviços comunitários e participação social no acompanhamento de sua implementação. A lei carrega o nome de seu autor, o sociólogo e ex-deputado federal, por Juiz de Fora, Paulo Delgado.

Aproveitando todas essas importantes convergências, a abertura da mostra – que terá início às 18h – ganha um caráter de espaço para trocas de experiências, vivências e relatos sobre o tema e, claro, sobre a vida e a obra de Alceu e tantos outros artistas com sofrimentos psíquicos.

Para enriquecer esse momento estarão presentes profissionais que tiveram contato direto com o homenageado da exposição, entre eles o curador da mostra, Pury, a enfermeira e especialista em saúde mental Maria Luiza Freesz, a educadora e pesquisadora em Arte, Cultura e Linguagens Flávia de Paiva Paula Damato e o diretor do Centro de Estudos Teatrais – Grupo Divulgação, José Luiz Ribeiro.  O professor do Departamento de Música do Instituto de Artes e Design (IAD) da UFJF, Rodolfo Valverde, também participa do vernissage, compartilhando seus conhecimentos com todos os presentes. A noite ganha ainda mais encanto com a apresentação do Coral da UFJF.

“Ao Céu” permanece em cartaz até o dia 02 de junho, estando aberta ao público em geral, de segunda a sexta, das 10h às 19h. A entrada é gratuita. No caso de visitações em grupo é necessário agendamento prévio, que pode ser realizado através do telefone (32) 2102-6306 ou pelo e-mail forumdacultura@ufjf.br.

 

Um voo pelo céu de Alceu

As telas que estarão expostas na Galeria de Arte do Forum representam paisagens, casarios, memórias afetivas e flashes do cotidiano do artista. Todas com uma identidade marcante e particularidades no seu processo de criação.

De acordo com Pury, “a pintura de Alceu se tornou bela, frenética e intensa. Com estilo expressionista abstrato, ele não se prendia numa escola específica. Costumava chegar ao ateliê inquieto e já começava a pintar, conhecia cor como poucos. Misturava tinta na própria tela ou onde quer que estivesse pintando. O pincel fino ou grosso era usado no trabalho todo, não se importando como ficariam os traços ou se a próxima cor selecionada seria completamente diferente. Sua necessidade de pintar era tamanha, que, se não tivesse outra tela disponível, ele cobria o trabalho anterior com outros traços, outras cores e formas. Poderia fazer isso várias vezes”.

Entre pinceladas enérgicas, tonalidades vivazes, o excesso da tinta e a finalização com toques de branco e preto, admirar as obras de Alceu é como receber de suas mãos um bilhete exclusivo para viajar pelo seu céu, observando, através de uma ótica única, registros de cenas jamais imaginadas.

Ainda segundo o curador, o tempo selecionou as peças da exposição. “Eu havia comprado as telas do Alceu ainda em vida, as agrupei e armazenei. Durante a pandemia eu as reencontrei, recuperei e emoldurei. Ao longo desse processo, percebi que essas obras mereciam uma mostra e, agora, justamente nos 30 anos de produção artística dele e do meu trabalho na saúde mental, a oportunidade chegou.”

Vale destacar que todas as obras da exposição foram pintadas em papel reciclado, o que demonstra mais um aspecto visionário do artista, com foco em preservação e sustentabilidade, tão indispensáveis nos tempos atuais.

 

Mais sobre o artista

Alceu Rodrigues. Foto Arquivo pessoal

Alceu era um amante das artes. Fez parte do carnaval juiz-forano. Integrou o Grupo Divulgação. Frequentou espaços como a Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e ateliês de artistas como

Dnar Rocha, irmãos Bracher e outros.

Mesmo com um perfil muitas vezes solitário, provocava encantamento em todos ao seu redor. Era uma pessoa com riqueza de conhecimentos, que atraía atenção e contemplação de todos quando executava suas obras.

Em 2004, Alceu ganhou um prêmio de pintura do “Projeto: Arte de Viver”, que valoriza produções artísticas de pacientes com transtornos mentais, o que lhe garantiu, inclusive, projeção internacional.

 

Uma obra que merece ser estudada e conhecida

No ano de 2018, Alceu e suas pinturas foram tema da dissertação “ARTELOUCURA, para além do delírio”, produzida pela pesquisadora Flávia de Paiva Paula Damato na Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagens da UFJF. O estudo abordou a arte desenvolvida por pessoas com sofrimento psíquico, trazendo à tona discussões em torno do que muitos consideram “loucura”, patologia, e o que é arte institucional.

A pesquisadora explica “que se incomodava muito com a categorização das obras feitas pelos pacientes da saúde mental, estabelecendo arteloucura como um estilo”. Ao longo do mestrado, e em contato com diversos autores, ela percebeu que “Alceu não estava inserido na arteloucura, nem só na arte e nem só na ‘loucura’. Ele estava no meio do caminho. E esse meio do caminho é o novo, é o não-categorizado. Uma vertente muito interessante a ser estudada”, finaliza.

Flávia teve o primeiro contato com Alceu enquanto ainda era estagiária em um dos ateliês de saúde mental de Juiz de Fora. Seu trabalho foi responsável por introduzir o artista no meio acadêmico, promovendo, dessa forma, uma visibilidade há muito merecida.

 

Sobre o curador

Pury pode ser considerado um multiartista. Nascido em Cataguases e radicado em Juiz de Fora desde 1986, ao longo de sua trajetória já trabalhou com fotografia de estúdio e industrial e teve contato com a produção de desenhos, até chegar à criação de pinturas, esculturas e assemblagem.

Muitas de suas obras são confeccionadas com material de reúso, que ele consegue garimpar através de seu olhar aguçado para criação, em ferros-velhos ou até mesmo descartes na rua.

Em Juiz de Fora, desempenhou um importante papel nos ateliês de artes voltados a pacientes da saúde mental, gerando novas perspectivas e garantindo mais qualidade de vida aos mesmos.

Seus trabalhos já foram expostos no Brasil e em outros lugares do mundo. Ele foi um dos artistas selecionados pelo Edital de Ocupação da Galeria de Arte do Forum 2023.

 

Endereço e outras informações:

Forum da Cultura
Rua Santo Antônio, 1112 – Centro – Juiz de Fora
www.ufjf.edu.br/forumdacultura
E-mail: forumdacultura@ufjf.br
Instagram: @forumdaculturaufjf
Telefone: (32) 2102-6306