
Foto: Maria Beatriz Macedo
Na manhã da quarta-feira, 19 de novembro, a Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (Facom/UFJF) recebeu a roda de conversa “Saberes ancestrais e academia: a potência das vozes invisibilizadas”, como parte da programação do evento Negritude em Foco, organizado pelos Novos Griots, o recém-criado coletivo negro da unidade.
Participaram da mesa Luiz Gonzaga, mestre coroado, documentarista e pesquisador com mais de quatro décadas dedicadas à memória afro-indígena mineira, e Adryana Ryal, atriz, produtora cultural, doutoranda em Artes Cênicas e liderança do Movimento Indígena Ambo Taheantah, que atua no resgate e valorização do povo Puri, na Zona da Mata. Adryana também é conhecida por seu nome indígena, Petara Puri.
A atividade integrou as ações alusivas ao Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, e reforçou a importância de ampliar, ao longo de todo o ano, debates historicamente restritos a datas comemorativas. Ao trazer para o espaço acadêmico vozes representativas do movimento afro-indígena, o evento reafirmou o compromisso institucional com a valorização de narrativas e saberes que ainda permanecem à margem da história oficial.
O diálogo com Gonzaga abordou a relação profunda dos povos afro-indígenas com a natureza, não apenas como ambiente, mas como espaço espiritual. Ele explicou que, antigamente, existia um costume de convivência baseado no respeito e no entendimento de que a vida humana está ligada ao equilíbrio. “Os povos originários não tratam a natureza como algo a ser dominado, mas como complemento do próprio corpo”, afirmou.
O pesquisador relembrou histórias e memórias que reafirmam esse vínculo, destacando que os colonizadores romperam essa relação ao impor um modo de exploração que ignorava qualquer forma de diálogo com o ambiente. Ressaltou ainda que essa desconexão continua afetando a forma como a sociedade lida com crises, como doenças e desequilíbrios climáticos. “A ancestralidade guarda uma resposta que a atual geração insiste em não ouvir: na natureza estão nossos remédios.”
Ele também destacou a importância de recuperar esses conhecimentos no ambiente acadêmico, que por muito tempo invisibilizou práticas não europeias. Para ele, a experiência afro-indígena é fonte legítima de conhecimento.
A fala de Adryana foi marcada por emoção e uma estética potente. Logo ao entrar no auditório, chamou a atenção pelos diversos acessórios artesanais que usava e havia disposto sobre uma mesa. Colares, pulseiras, fios, miçangas, sementes e ornamentos feitos por suas próprias mãos formavam uma composição que carregava sua trajetória e sua ancestralidade. Cada peça parecia reforçar fragmentos de história e identidade.

Foto: Maria Beatriz Macedo
Adryana abordou o corpo como território político, espiritual e afetivo. Explicou que esses acessórios contam quem ela é, de onde vem e o que escolhe carregar no mundo. “Aprendizados desse tipo não vêm apenas de livros, mas das avós, das matriarcas, das experiências sensíveis e dos enfrentamentos cotidianos.”
Ao compartilhar episódios de sua vida, ressaltou o quanto foi difícil se reconhecer dentro dos padrões impostos pela sociedade, comentando com franqueza suas tentativas de se encaixar em identidades que não eram suas:
“Vocês acham que eu não quis ser mulher branca? Eu tentei a minha vida inteira. Com essa cara, como é que eu ia ser mulher branca? Eu tentei ser mulher negra também, mas eu podia estar desvalidando a briga das minhas parceiras, daquelas que me acolheram dentro da escola”, destacou.
Ela também refletiu sobre comportamentos familiares, afirmando que seus pais, assim como muitas outras pessoas negras e indígenas, foram formados em um sistema de opressões que normaliza a obediência e o silêncio, marcas que se reproduzem ao longo das gerações.

Foto: Maria Beatriz Macedo
“Todas as nossas mães, avós, matriarcas e anciãs já passaram por coisas que a gente jamais vai saber. O mínimo que eu tenho que fazer é respeitar isso. Minha mãe aprendeu a obedecer, a trabalhar desde quatro da manhã, a não falar. O sistema de opressão que criou eles é o que eles reproduzem. E aí vocês imaginam o que eu faço na minha família? Gente, eu sou uma mulher negra. Toda família precisa de uma revolucionária”, enfatizou.
Ao lado de Luiz Gonzaga, Adryana reforçou a importância de reconhecer que resistir e afirmar-se são atos diários. Ambos destacaram que a arte, a ancestralidade e a reconstrução identitária são ferramentas fundamentais para que novas gerações possam transformar realidades e reivindicar seus lugares de existência e representação.